O governo vai reduzir tarifas de importação de produtos industriais que tiveram as suas alíquotas elevadas no ano passado, mas, a partir daí, registraram reajustes de preços exagerados. "Eu estou avisando. Nós estamos monitorando e algumas tarifas nós já vamos baixar. Tem gente que está abusando", afirmou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista exclusiva ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. O ministro participou de evento sobre infraestrutura, organizado pelo Valor e pelo governo brasileiro em Nova York.
No ano passado, o governo elevou as tarifas de importação para um grupo de mais de cem produtos em setores que sofriam com a entrada de bens de vários países a "preços absurdamente baixos", segundo o ministro. Agora, a ideia é baixar alíquotas para alguns deles, porque há segmentos em que os aumentos são injustificáveis. Segundo Mantega, há casos em que a alta de preços pode ser justificada por algum movimento internacional das cotações, por exemplo. Ele não adiantou, porém, quais produtos deverão ser atingidos pela queda das tarifas de importação.
O ministro disse ainda que a preocupação do governo com a inflação é permanente e não há relaxamento em relação ao comportamento dos preços. Mantega ressaltou, porém, que os últimos índices de preços mostram um quadro menos pressionado, ao mesmo tempo em que há uma retomada da atividade em curso.
Mantega fez a palestra de abertura do Fórum Brasileiro de Infraestrutura 2013, em Nova York, o primeiro "road show" do governo no exterior para atrair investidores para o programa de concessões de infraestrutura. O evento se repetirá na sexta-feira em Londres. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como será a entrada dos bancos privados no financiamento de infraestrutura, com condições iguais às dos bancos públicos? Haverá alguma equalização de taxa por parte do Tesouro?
Guido Mantega: Haverá algo semelhante ao que existe para agricultura. O Plano Safra é um volume de financiamento de que o governo dispõe e vai diretamente para os bancos privados. Há alguma equalização, sim. O primeiro passo nessa direção foi liberar R$ 15 bilhões da parcela não remunerada dos compulsórios dos bancos privados. Esse é o dinheiro dos próprios bancos e pode ter uma remuneração se for aplicado para financiar a infraestrutura. E também devemos usar outros fundings do Tesouro. Na prática, em vez de passar para o BNDES uma determinada quantia, o governo passa menos e disponibiliza esses recursos diretamente ao setor privado.
Valor: Isso significa não passar só o valor da equalização de taxa, mas passar o volume do crédito?
Mantega: Sim, é passar o crédito. Se precisar, porque o banco privado pode pegar dinheiro no exterior, criar um fundo de investimento, se associar a um banco público. Qual é o grande problema? Ter um funding barato. Nós ainda não conseguimos chegar às taxas de juros que viabilizem financiamento de longo prazo espontaneamente. Vamos chegar lá, mas por enquanto a TJLP é a menor taxa. Nós vamos fornecer a essa taxa, que viabiliza aos bancos privados fazer empréstimos. O problema dos bancos privados é que, se forem captar no mercado, vão pagar 7% a 8%, o que inviabiliza. E há o problema do prazo.
Valor: Legalmente, precisa criar algum instrumento?
Mantega: Precisa, mas isso está sendo estudado e discutido com os bancos. O que nos interessa é um instrumento que os bancos vão usar. Ainda está em estudo qual será o mecanismo. Nós criamos um grupo que está se reunindo e está discutindo. Na próxima semana eu terei uma reunião para resolver.
Valor: Um dos instrumentos que estavam sendo discutidos é a criação do fundo para dar liquidez para o mercado de debêntures.
Mantega: Essa é uma tarefa do BNDES, que ficou de criar esse fundo de liquidez. Uma outra coisa que será importante para isso é a Agência Brasileira de Garantias, que já foi aprovada, está sendo regulamentada e em breve estará funcionando. Se há um sistema de garantia, aí baixam os custos financeiros, todo mundo fica mais seguro. Ela já foi discutida, tem uma lei, já foi aprovada. Ela precisa se tornar operacional.
Valor: O Brasil está preso num equilíbrio ruim de baixo crescimento e alta inflação?
Mantega: Não, isso é absolutamente transitório. Nós tivemos um 2012 que foi um ano fraco no mundo, que cresceu pouco no ano passado. Alguns países vão ter uma recuperação em 2013 nos próximos anos e o Brasil está entre eles. Esse cenário é meramente pontual, passageiro. O crescimento está em aceleração desde o segundo semestre do ano passado e a inflação está em desaceleração. Eles caminham em direções opostas. Se você olhar os números mais recentes de inflação, todos eles mostram que a inflação está indo para baixo. E há um aquecimento em curso da economia.
Valor: O sr. e o presidente do BC, Alexandre Tombini, têm dado mais ênfase à questão do controle da inflação. O Ministério da Fazenda está mais preocupado com a inflação do que com o crescimento?
Mantega: A inflação é uma preocupação permanente no Brasil. Quando digo preocupação é sempre no sentido de mantê-la sob controle. Se a inflação foge do controle, ela atrapalha tudo no Brasil. Atrapalha o consumidor, atrapalha o investidor. O controle da inflação é uma das condições básicas para a economia crescer. Sem um quadro fiscal sólido e a inflação sob controle, não se vai a lugar nenhum. Mas a inflação tem se comportado melhor do que no passado. O BC tem que continuar persistindo, mas em alguns momentos fica difícil cumprir o centro da meta, por causa do choque de commodities, das pressões que vem de fora.
Valor: A inflação de serviços não é uma preocupação? Ela tem rodado acima de 8% em 12 meses.
Mantega: A inflação de serviços costuma ser mais alta em todos os países porque é um setor "nontradable", que tem menos competição. Como no Brasil temos um emprego elevado, uma massa salarial forte, uma classe média grande, fica difícil reduzir. Não que seja impossível, porque com o tempo você vai ofertando mais serviços e os preços ficam menos pressionados. A inflação de serviços já foi pior, chegou a 10%, agora está na casa de 8%. Mas isso é o que nós temos menos condições de fazer, a menos que você esteja sugerindo um arrocho salarial para baixar. Isso aí não está nos planos. A questão é que isso faz parte do progresso, foi assim nos outros países. O que nós podemos interferir é nos preços dos produtos industrializados.
Valor: Como se pode fazer isso?
Mantega: No ano passado, nós elevamos algumas tarifas de importação porque nós estávamos sofrendo uma forte investida de vários países. Agora, nós monitoramos esses preços e se houver algum exagero, nós temos esse instrumento. Nós vamos baixar a tarifa de importação. Quando eu anunciei a medida eu avisei que nós estávamos baixando porque havia produtos entrando no país a preços absurdamente baixos.
Valor: São aqueles cerca de cem produtos que tiveram a tarifa de importação elevada em 2011?
Mantega: Exatamente. Estou avisando que nós estamos monitorando e que algumas tarifas nós vamos baixar. Tem gente que está abusando. Nos próximos dias, faremos algum ajuste necessário.
Valor: Em quais produtos?
Mantega: Isso eu ainda não posso dizer, mesmo porque está em estudo. Às vezes parece que o preço subiu, mas quando se faz uma verificação melhor há uma justificativa para a alta, ou então subiu porque houve um aumento no âmbito internacional. A ideia é ver se houve um aumento que não se justifique.
Valor: E a desvalorização do câmbio do ano passado, não está produzindo agora um efeito maior sobre os preços industrializados?
Mantega: O câmbio de 2012 teve efeito no passado e tem agora. Também é uma pressão inflacionária de uma vez por todas. Se você estabiliza o câmbio, que foi o que nós fizemos, o câmbio está mais ou menos estabilizado, aí ele não causará mais essa pressão. Quando há uma desvalorização do câmbio, você gera uma inflação. Nós tivemos algo como 0,5 a 0,6 ponto percentual originada pelo câmbio. Uma parte da inflação no ano passado e uma parte da deste ano foi originada pelo câmbio que se desvalorizou. À medida que ele fique estável, ele não vai mais gerar pressões inflacionárias.
Veículo: Valor Econômico