Indicadores sobre desempenho do comércio publicados ontem pelo Programa de Administração do Varejo (Provar) mostram que o consumidor registra o mais baixo nível de intenção de compra dos últimos 11 anos. O ânimo é o menor já verificado desde 2002. Quem ainda comprava, substituindo um produto por outro, deixará de fazê-lo. Se atingirá, assim, no terceiro trimestre de 2013, o menor nível histórico de transferência entre categorias no varejo. O cenário abriu debate em torno de possíveis reduções em investimentos no setor este ano. Na indústria, algumas entidades já identificaram sinais de menor ritmo de investimentos.
Quatro redes de supermercados e de produtos eletrônicos ouvidas ontem não falam que o momento atual é de cancelamento de investimentos, mas de colocar na mesa de discussão os projetos que exigem maiores desembolsos. "Pode até ser que ninguém mude nada e continue investindo o previsto, mas tem muita rede voltando a discutir o assunto, analisando cirurgicamente o plano de aberturas", diz um consultor de gestão no varejo. Um diretor de uma rede de supermercados disse ontem que é hora de "evitar ousadias".
Segundo estimativa apresentada ontem pelo Provar, programa da Fundação Instituto de Administração, as vendas no varejo devem ter alta de 1,1% no terceiro trimestre do ano, versus aumento de 5,6% no mesmo período do ano passado. "Os anabolizantes usados pelo governo para turbinar o consumo perderam efeito", disse Claudio Felisoni, presidente do conselho do Provar. "Temos suspeitas de que os investimentos das redes de varejo estão sendo postergados".
Esses investimentos aumentam as despesas das companhias e também afetam a margem operacional porque, quando lojas são abertas, o volume de promoções é alto e a rentabilidade cai. Por isso, são feitos dentro de uma análise a longo prazo. O que ocorre é que, em períodos de demanda fraca, a expectativa de período de pagamento da nova loja construída aumenta. Para abrir um hipermercado (que se paga num prazo médio de oito anos), as varejistas desembolsam em média R$ 30 milhões (sem contar o gasto com o terreno). Uma loja de eletroeletrônico de 1,5 mil metros quadrados custa cerca de R$ 5 milhões.
"É claro que esses são investimentos a longo prazo, mas mesmo assim, nesse quadro atual, uma loja inaugurada hoje pode levar mais tempo para ser paga", afirmou o diretor de uma rede de supermercados.
A cautela do mercado reflete uma composição de variáveis negativas. A inflação resiste a cair, a taxa básica de juros tende a subir e a confiança do consumidor, em tempos de protestos e insatisfação, foi abalada. Ontem, um novo indicador medido pelo Provar reforça os sinais de pessimismo. Há menores expectativas do consumidor em relação à manutenção do índice de emprego no país: 21% das 500 pessoas ouvidas em São Paulo em junho pela instituição acreditam que há hoje mais risco de ficar desempregado.
Na prática, algumas redes já estavam com planos menos agressivos de investimentos para 2013. Varejistas que fizeram aquisições nos últimos tempos, como Máquina de Vendas e Cybelar focaram seus gastos nos projetos de integração dos ativo e têm apresentado planos menos audaciosos de aberturas. O Walmart também já vinha registrando um ritmo de inaugurações menor desde o ano passado, por conta da implantação de uma nova política comercial no país e da integração de negócios comprados anos atrás. O Carrefour, também em reestruturação, tirou o pé do acelerador, focando mais esforços na reforma de seus hipermercados.
Até o momento, o Grupo Pão de Açúcar tem o projeto mais agressivo hoje, com até R$ 2 bilhões de investimentos em 2013 (foram R$ 1,57 bilhão em 2012) e pelo menos 150 lojas a mais. A empresa não anunciou revisões nos valores. A Renner também mantém planos mais arrojados - ela informou ontem a intenção de investir R$ 450 milhões por ano, em média, até 2021. Em 2012, foram R$ 382 milhões.
Reformas e aberturas de lojas ajudam a sustentar a expansão na receita. Ao se considerar apenas o desempenho de vendas de lojas mais antigas, com mais de um ano de operação, as empresas registram uma taxa de expansão menor em comparação com o índice geral - que inclui o desempenho das lojas novas. Isso ocorre porque os pontos recém-abertos, apesar de levarem um período até serem lucrativos, atraem alto tráfego de cliente pelo volume de itens promocionais.
Veículo: Valor Econômico