O Brasil tem sinalizado a "máxima determinação" para que o encontro de cúpula do G-20 em abril, em Londres, seja bem-sucedido na resposta coordenada à pior crise econômica dos ultimos 75 anos, que aumenta o desemprego, as falências e traz a ameaça de explosão social.
Esse encontro dos chefes de Estado e de governo de países que respondem por 80% da produção mundial tem três prioridades ambiciosas, definidas na primeira reunião em novembro, em Washington: primeiro, ações para reativar a economia mundial; segundo, reformar o sistema financeiro; e terceiro, definir princípios para reformar as instituições, como Fundo Monetário Internacional , Banco Mundial e Fórum de Estabilidade Financeira.
Em meio à crise, o governo Lula vê uma oportunidade para aumentar o peso dos emergentes nos processos decisórios das principais instituições financeiras internacionais. E avalia que o sucesso em Londres ajudaria a provar que uma governança global com os emergentes é possível e de interesse da economia mundial.
É que existe a tentação entre membros do G-8, até agora o diretório econômico do planeta (formado pelos EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia), de tentar voltar a ser o principal foro internacional, depois que a atual crise tenha passado. Para esses países, é mais confortável funcionar com o formato passado, discutindo os problemas mundiais entre eles, sem levar necessariamente em conta as percepções e demandas dos emergentes, só recentemente convidados para o cafezinho.
Basta ver que o G-20 foi criado em 1999 como um fórum periférico, composto de ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais, por ordem dos países mais desenvolvidos reunidos no G-7. O objetivo era "educar" os emergentes a não se meterem mais nas crises financeiras que partiam da América Latina e Ásia, com impacto no resto do mundo.
Mas a situação está mudando mais rápido do que Washington ou Paris imaginavam. Os emergentes têm sido responsáveis pelo que resta de expansão econômica. A dramática crise financeira atual deu um golpe nos paises desenvolvidos, onde a crise foi originada. China e Rússia reivindicam inclusive a criação de moedas regionais de reserva, para reduzir a dependência em relação ao dólar americano.
Roger Altman, ex-vice-secretário de Tesouro dos EUA, em 1993-94, reconhece, na revista "Foreign Affairs", que os EUA e os governos europeus não terão nem os recursos nem a credibilidade econômica no médio prazo para assumir o papel nos assuntos globais que eles, de outra maneira, teriam, e uma mudança no centro de gravidade do poder fora dos EUA parece clara.
É nesse cenário que o Brasil diz ter determinação real pelo êxito da cúpula de Londres, para demonstrar que a "governança inclusiva" funciona melhor. E espera que o G-20 seja mais que catalisador contra a crise, e se consolide como o encontro dos líderes, substituindo o G-8. "O grande fórum de discussão e tomada de decisão de cooperação mundial deve ser o G-20 e o Brasil terá papel preponderante", acredita o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Para isso, "é fundamental que a reunião de Londres dê certo", acrescenta um negociador. Dar certo, na visão brasileira, significa que os líderes dos 20 paises produzam um compromisso de resposta à crise capaz de convencer os atores econômicos, "um desafio político e psicológico".
Reuniões preparatórias já ocorreram em Londres, mas os americanos praticamente ficaram de fora, porque os funcionários enviados não tinham instruções da nova administração da Casa Branca, mais ocupada em atenuar o incêndio em casa. Agora que o presidente Barack Obama definiu dois planos de estabilização de até US$ 2,8 trilhões para combater a pior crise econômica dos últimos 75 anos, a expectativa do Brasil e de outros países é que os Estados Unidos comecem a se engajar na preparação da cúpula.
Todo mundo está na expectativa do que pode resultar desses pacotes americanos. Com a conjuntura extremamente incerta, os ministros de Finanças só em meados de março vão discutir pontos mais cruciais da crise e como responder a eles na mensagem que sairá de Londres. Se a crise for ainda mais aguda, o foco será como completar as medidas para estabilizar a economia.
O Brasil, em todo caso, defende que as tentativas de reversão da crise não percam de vista as reformas da governança global. O plano de ação do G-20, com 47 pontos, definido em Washington, está sendo discutido em quatro grupos, nos quais os principais negociadores brasileiros são o chefe da assessoria internacional do Ministério da Fazenda, embaixador Marcos Galvão, a representante do BC Celina Arraes, na parte econômica, e o representante do Itamaraty, embaixador Pedro Luis Mendonça, nos temas políticos.
A cúpula de Londres deve prometer uma resposta à crise que resulte em benefício mútuo. Na prática, cresce o risco de a crise econômica e financeira se transformar em crise política, porque quanto pior a situação, maiores as pressões internas por proteção às indústrias e ao emprego ou por reações ao que parceiros fizeram. Além disso, a participação dos emergentes na governança vai ser testada além dos discursos.
O Brasil se sente confortável em relação ao que vem sendo negociado sobre supervisão e regulação do sistema financeiro. O BC e o Ministério da Fazenda acham que as lacunas por trás da dramática crise atual não existiam no país, e que todas as áreas de atividade financeira estão reguladas. Em contrapartida, o país coloca seu peso para entrar no Fundo de Estabilidade Financeira, órgão da maior importância na regulamentação financeira internacional. É sediado no BIS, o banco dos bancos centrais, e composto apenas pelos membros do G-7 e cinco outros países: Holanda, Suíça, Austrália, Cingapura e Hong Kong.
Brasília mantém a pressão também pelo aumento de participação dos emergentes no FMI, que o fundo supervisione economias importantes como a dos EUA, e que facilite o acesso aos créditos. Quanto ao Banco Mundial, quer que forneça mais recursos para os países em desenvolvimento.
Veículo: Valor Econômico