A aposta do Brasil no G-20 financeiro

Leia em 5min 20s

O Brasil tem sinalizado a "máxima determinação" para que o encontro de cúpula do G-20 em abril, em Londres, seja bem-sucedido na resposta coordenada à pior crise econômica dos ultimos 75 anos, que aumenta o desemprego, as falências e traz a ameaça de explosão social. 

 

Esse encontro dos chefes de Estado e de governo de países que respondem por 80% da produção mundial tem três prioridades ambiciosas, definidas na primeira reunião em novembro, em Washington: primeiro, ações para reativar a economia mundial; segundo, reformar o sistema financeiro; e terceiro, definir princípios para reformar as instituições, como Fundo Monetário Internacional , Banco Mundial e Fórum de Estabilidade Financeira. 

 

Em meio à crise, o governo Lula vê uma oportunidade para aumentar o peso dos emergentes nos processos decisórios das principais instituições financeiras internacionais. E avalia que o sucesso em Londres ajudaria a provar que uma governança global com os emergentes é possível e de interesse da economia mundial. 

 

É que existe a tentação entre membros do G-8, até agora o diretório econômico do planeta (formado pelos EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia), de tentar voltar a ser o principal foro internacional, depois que a atual crise tenha passado. Para esses países, é mais confortável funcionar com o formato passado, discutindo os problemas mundiais entre eles, sem levar necessariamente em conta as percepções e demandas dos emergentes, só recentemente convidados para o cafezinho. 

 

Basta ver que o G-20 foi criado em 1999 como um fórum periférico, composto de ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais, por ordem dos países mais desenvolvidos reunidos no G-7. O objetivo era "educar" os emergentes a não se meterem mais nas crises financeiras que partiam da América Latina e Ásia, com impacto no resto do mundo. 

 

Mas a situação está mudando mais rápido do que Washington ou Paris imaginavam. Os emergentes têm sido responsáveis pelo que resta de expansão econômica. A dramática crise financeira atual deu um golpe nos paises desenvolvidos, onde a crise foi originada. China e Rússia reivindicam inclusive a criação de moedas regionais de reserva, para reduzir a dependência em relação ao dólar americano. 

 

Roger Altman, ex-vice-secretário de Tesouro dos EUA, em 1993-94, reconhece, na revista "Foreign Affairs", que os EUA e os governos europeus não terão nem os recursos nem a credibilidade econômica no médio prazo para assumir o papel nos assuntos globais que eles, de outra maneira, teriam, e uma mudança no centro de gravidade do poder fora dos EUA parece clara. 

 

É nesse cenário que o Brasil diz ter determinação real pelo êxito da cúpula de Londres, para demonstrar que a "governança inclusiva" funciona melhor. E espera que o G-20 seja mais que catalisador contra a crise, e se consolide como o encontro dos líderes, substituindo o G-8. "O grande fórum de discussão e tomada de decisão de cooperação mundial deve ser o G-20 e o Brasil terá papel preponderante", acredita o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. 

 

Para isso, "é fundamental que a reunião de Londres dê certo", acrescenta um negociador. Dar certo, na visão brasileira, significa que os líderes dos 20 paises produzam um compromisso de resposta à crise capaz de convencer os atores econômicos, "um desafio político e psicológico". 

 

Reuniões preparatórias já ocorreram em Londres, mas os americanos praticamente ficaram de fora, porque os funcionários enviados não tinham instruções da nova administração da Casa Branca, mais ocupada em atenuar o incêndio em casa. Agora que o presidente Barack Obama definiu dois planos de estabilização de até US$ 2,8 trilhões para combater a pior crise econômica dos últimos 75 anos, a expectativa do Brasil e de outros países é que os Estados Unidos comecem a se engajar na preparação da cúpula. 

 

Todo mundo está na expectativa do que pode resultar desses pacotes americanos. Com a conjuntura extremamente incerta, os ministros de Finanças só em meados de março vão discutir pontos mais cruciais da crise e como responder a eles na mensagem que sairá de Londres. Se a crise for ainda mais aguda, o foco será como completar as medidas para estabilizar a economia. 

 

O Brasil, em todo caso, defende que as tentativas de reversão da crise não percam de vista as reformas da governança global. O plano de ação do G-20, com 47 pontos, definido em Washington, está sendo discutido em quatro grupos, nos quais os principais negociadores brasileiros são o chefe da assessoria internacional do Ministério da Fazenda, embaixador Marcos Galvão, a representante do BC Celina Arraes, na parte econômica, e o representante do Itamaraty, embaixador Pedro Luis Mendonça, nos temas políticos. 

 

A cúpula de Londres deve prometer uma resposta à crise que resulte em benefício mútuo. Na prática, cresce o risco de a crise econômica e financeira se transformar em crise política, porque quanto pior a situação, maiores as pressões internas por proteção às indústrias e ao emprego ou por reações ao que parceiros fizeram. Além disso, a participação dos emergentes na governança vai ser testada além dos discursos. 

 

O Brasil se sente confortável em relação ao que vem sendo negociado sobre supervisão e regulação do sistema financeiro. O BC e o Ministério da Fazenda acham que as lacunas por trás da dramática crise atual não existiam no país, e que todas as áreas de atividade financeira estão reguladas. Em contrapartida, o país coloca seu peso para entrar no Fundo de Estabilidade Financeira, órgão da maior importância na regulamentação financeira internacional. É sediado no BIS, o banco dos bancos centrais, e composto apenas pelos membros do G-7 e cinco outros países: Holanda, Suíça, Austrália, Cingapura e Hong Kong. 

 

Brasília mantém a pressão também pelo aumento de participação dos emergentes no FMI, que o fundo supervisione economias importantes como a dos EUA, e que facilite o acesso aos créditos. Quanto ao Banco Mundial, quer que forneça mais recursos para os países em desenvolvimento. 

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

BNDES amplia linhas, mas eleva juro médio de financiamentos

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reformulou seu pacote de oferta de crédito. ...

Veja mais
BC injetou US$ 61 bi para segurar câmbio

As intervenções do Banco Central, na tentativa de "segurar" a alta do câmbio, já somaram US$ ...

Veja mais
Sensor Econômico, do Ipea, mostra que empresariado está apreensivo

O setor produtivo brasileiro está apreensivo com os desdobramentos da crise financeira internacional. No entanto,...

Veja mais
Analistas projetam PIB em 1,7% e alta de 4,73% do IPCA de 2009

Inflação em alta e produção em queda. Esse é o novo cenário traçado par...

Veja mais
Crise exige um Cade mais ágil, diz presidente

Arthur Badin, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), arrancou risos dos 85 empres&aacut...

Veja mais
Empresas freiam os investimentos em marcas

Apesar de acreditarem que valorizar a marca é um instrumento estratégico importante, em meio aos impactos ...

Veja mais
Produtividade cresce só 1,2% e indica ajuste no emprego

A produtividade na indústria brasileira cresceu apenas 1,2% no ano passado, um resultado muito inferior ao ganho ...

Veja mais
Exportações com escala no Chile pagam menos imposto

Ao mesmo tempo em que recebe as más notícias da balança comercial de janeiro - déficit de US...

Veja mais
Alimentos elevam IPCA de janeiro

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia...

Veja mais