Salário não pressionará preços no 2º semestre

Leia em 5min 40s

O mercado de trabalho continua a contribuir para o forte crescimento da atividade econômica neste ano, despertando preocupação quanto ao impacto inflacionário da alta expressiva do emprego e da renda. Esse risco, porém, não parece exagerado, segundo alguns analistas. A combinação de inflação mais alta com juros mais elevados não deve permitir reajustes salariais muito acima da inflação ao longo do segundo semestre, um período em que a economia deve desacelerar e a confiança dos empresários, diminuir. Além disso, o custo do trabalho na indústria continua no terreno negativo, em queda de 0,7% nos 12 meses até julho, pois a produtividade continua a avançar a um ritmo superior ao dos salários. Por fim, os salários dos novos contratados continuam inferiores aos dos demitidos, embora a diferença esteja se estreitando, de acordo com números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). 

 

A acomodação no ritmo de expansão da renda observada em meses recentes sugere que o risco inflacionário do mercado de trabalho é relativamente pequeno, segundo alguns analistas. Entre março e julho, o crescimento da massa real de salários acumulada em 12 meses ficou entre 5,7% e 5,9%, abaixo da variação de 7% a 7,2% em igual intervalo de 2007. Segundo cálculo da Rosenberg & Associados, a maior contribuição nos meses recentes tem sido o aumento das contratações com carteira assinada. No incremento de 5,9% registrado na massa de rendimentos em 12 meses até julho, a ocupação avançou 3,6% enquanto a renda aumentou 2,2%, um ritmo superior ao verificado até junho (2,16%), mas abaixo do apurado em períodos anteriores. Para se ter idéia, nos 12 meses até julho de 2007, quando a massa real crescia 7,1%, a renda aumentou 4,05% e a ocupação, 2,9%. 

 

Na avaliação de David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a expansão da massa real de rendimentos já dá sinais de acomodação e existe uma tendência de desaceleração no segundo semestre. "O temor do aumento da inflação e a dificuldade das empresas em repassar preços vão ajudar a segurar os reajustes salariais neste semestre", afirma. Para ele, a escassez de mão-de-obra especializada em determinados setores gera pressão de custos no curto prazo. 

 

O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, estima que a taxa de ocupação tenderá a crescer até o fim do ano, mas recuará em 2009, como reflexo da redução no ritmo de crescimento da economia brasileira e da elevação na taxa de juros. "Grandes economias dão mostras de que terão crescimento no máximo modesto e isso também vai afetar a economia doméstica", acrescenta. Em julho, a taxa de desemprego no país foi de 8,1%, ante 9,4% em igual mês de 2007. 

 

Romão observa, porém, que a diferença entre as taxas deste ano e as verificadas nos mesmos intervalos de 2007 está se reduzindo. É um sinal de que o índice de desocupação está próximo do seu ponto de equilíbrio, segundo ele. Em junho, quando a taxa ficou em 7,8%, a diferença sobre o mesmo mês de 2007 foi de 1,9 ponto percentual. Em maio, a diferença ficou em 2,2 pontos percentuais. "A tendência é que, com a desaceleração da economia, sobretudo no quarto trimestre, a diferença diminua e a taxa de desocupação encerre dezembro a 7,3%, mesmo patamar de 2007", diz. Com esse resultado, a taxa média de desemprego no ano ficaria em 8,1%, contra 9,3% no ano passado, e com perspectiva de elevação para 8,7% em 2009. 

 

Vários indicadores, porém, tornam clara a robustez do mercado de trabalho. Nos 12 meses até julho, por exemplo, a população ocupada cresceu 3,3%, mais que os 2,2% registrados pela expansão da população economicamente ativa (PEA). A Rosenberg & Associados diz que, "em termos de política monetária, o conjunto dos dados do mercado de trabalho dá algum sinal de estabilidade, mas ainda mostra um aquecimento considerável". Para a consultoria, isso "é mais uma indicação de que devemos continuar com uma postura monetária rígida, pois existe a possibilidade de realimentação do aquecimento da demanda advindo do mercado trabalho em alta e, também, pelos riscos advindos dos reajustes salariais, que são palpáveis". 

 

O valor médio dos salários dos novos contratados tem se aproximado dos rendimentos dos demitidos. No primeiro semestre, os salários dos admitidos equivaleram a 91,2% do dos desligados, de acordo com números do Caged, percentual superior ao 88,1% do ano passado. Em 2002, a relação estava em 79,5%. Romão diz, porém, que o rendimento médio real ainda é mais baixo que o de 2001. "Houve perdas salariais fortes desde 2002 e a recuperação ainda não foi completa", afirma. Para ele, a volatilidade das commodities tende a exercer mais pressão sobre a inflação brasileira que o ganho na renda real. 

 

A economista Marcela Prada, da Tendências Consultoria Integrada, diz que o comportamento do mercado de trabalho de fato merece atenção, causando alguma preocupação quanto ao impacto sobre os índices de preços. Ela nota, porém, que o custo do trabalho na indústria segue negativo no acumulado em 12 meses até junho, o que indica que a piora da inflação não se deve ao aumento do custo da mão-de-obra no setor industrial. O custo do trabalho caiu 0,7% no período, porque a produtividade cresceu 4,08%, mais que os 3,35% registrados pela variação da folha média de pagamento real, de acordo com a Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes). Os números de janeiro a junho, no entanto, exibem um quadro menos confortável, com o custo do trabalho em alta de 0,17%, fruto de um aumento de produtividade de 3,51% e de uma evolução de 3,69% dos salários reais. O aumento, porém, ainda é pequeno. 

 

Para Marcela, com o aumento da inflação e a expectativa de continuidade da alta dos juros nos próximos meses, os reajustes salariais não devem ficar muito acima da variação dos índices de preços no segundo semestre. Para ela, seria precipitado falar numa espiral de preços-salários. "Isso ainda não parece ser o caso", afirma ela, destacando, no entanto, a importância de se monitorar o assunto. Numa economia muito aquecida, com o mercado de trabalho pressionado, há o risco de que empresários concedam reajustes salariais elevados, na expectativa de que a demanda sancionará repasses de aumentos de custos para os preços. Esse não parece ser o cenário mais provável. Representantes de entidades sindicais, por exemplo, minimizam esse risco, lembrando que a economia é hoje muito mais competitiva.

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Lula, o presidente empresário

À vontade no comando da economia, ele interfere na Petrobras, na Vale e na criação da supertele. Ei...

Veja mais
Inflação mais elevada deve dificultar negociações para obter ganho real

Os ganhos de produtividade e a alta da inflação estimulam categorias importantes de trabalhadores a pedire...

Veja mais
Oferta de alimentos na AL supera demanda em 40%

Para a FAO, não haverá escassez, mas alta de preços afetará consumo A oferta de alimento...

Veja mais
Como driblar a inflação?

Nos últimos meses os preços dos alimentos foram os que mais subiram; veja como usar a criatividade no mome...

Veja mais
País terá R$ 2,4 tri em investimentos até 2011, prevê BNDES

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, informou ontem, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econ&ocir...

Veja mais
PIB do trimestre trará demanda menor

A economia brasileira encerrou o segundo trimestre com crescimento robusto, mas com sinais de acomodação d...

Veja mais
Apesar da alta dos juros, confiança da indústria é a 2ª maior desde 1995

Indicador medido pela FGV cresce 1,1% este mês, como resultado da elevação do emprego e da produ&cce...

Veja mais
Números da inflação irritam e preocupam empresários

"Não dá para curar a inflação com aspirinas." A declaração, disparada pelo pre...

Veja mais
Carga tributária irá a 25,38% do PIB

Orçamento Geral da União de 2009 prevê salário mínimo de R$ 453,00.   O Or&ccedi...

Veja mais