Os ganhos de produtividade e a alta da inflação estimulam categorias importantes de trabalhadores a pedirem reajustes mais elevados neste semestre. No entanto, a perspectiva de desaceleração da economia e a dificuldade das empresas em repassar preços tendem a dificultar a concessão de aumentos reais expressivos nos salários.
O diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lucio, que acompanha as negociações de data-base, acredita que a inflação mais alta do segundo trimestre, que por si só elevou os pedidos de reajuste salarial, deve dificultar as negociações de ganho real das categorias que têm data-base a partir de agosto. "Está mais difícil negociar. Mas não podemos esquecer que as empresas estão apresentando ganhos econômicos e de produtividade expressivos e os trabalhadores querem garantir uma parte desse ganho", afirma. Para ele, os ganhos reais deverão situar-se abaixo da média de 2 pontos percentuais sobre a inflação, que foi a observada nas negociações fechadas no primeiro semestre.
O diretor titular do departamento sindical da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Della Manna, acredita que os aumentos deverão ficar 1% ou 2% acima da variação dos índices de preços na segunda metade de 2008. "Não deve haver aumentos explosivos", diz ele, para quem é muito pequeno o risco de uma espiral preços-salários, em que as empresas dão aumentos salariais generosos, apostando que conseguirão repassar os custos mais elevados para os preços. O poder de formação de preços das empresas é menor hoje, porque a economia é mais competitiva, diz.
Um dos setores com maior pressão no mercado de trabalho é a construção civil, que passa por um momento de forte expansão. Com dissídio em maio, os trabalhadores do setor em São Paulo conseguiram um aumento de 8,51%, bem acima da variação de 5,9% registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) nos 12 meses até maio. O vice-presidente de relações entre capital e trabalho do Sindicato das Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP), Haruo Ishikawa, porém, diz que esses custos podem ser absorvidos pelas empresas do setor. Os preços de materiais e serviços têm subido bastante no segmento, num cenário de demanda aquecida e alta de custos de insumos, como a do preço do aço. Ishikawa afirma que as empresas do setor não têm grande liberdade para definir preços, porque, mesmo sofrendo menor concorrência das importações, o ambiente no segmento é de competição.
Os reajustes foram obtidos por uma categoria que não dá sinais de arrefecimento, em um período de economia bastante aquecida. Para os metalúrgicos, o cenário já não é o mesmo. A categoria tem à frente inflação mais forte (com o INPC de 12 meses até outubro projetado em 7,63%) e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo de 5%. Mas o cenário não intimida o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que pede às indústrias reajuste de 20%. O índice é a soma da inflação e do aumento da produtividade das indústrias em 12 meses. "A inflação está maior neste ano, mas a produtividade também. Além disso, as indústrias já reajustaram os preços, têm condições de conceder o aumento", diz o presidente do sindicato, Eleno Bezerra.
Posição semelhante tem a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo, que pede às indústrias do setor químico 7% de ganho real mais 7,61% de reposição da inflação (medida pelo INPC). O presidente da entidade, Danilo Pereira da Silva, diz que a categoria tem consciência de que a economia se desacelera, mas quer uma fatia dos ganhos obtidos pelas empresas neste ano com o ganho de 6% a 7% na produtividade.
Os bancários estão utilizando critérios de produtividade e rentabilidade para embasar a negociação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) pede em torno de 4% de ganho real, com reajuste total de 10,11%. Dificilmente a proposta inicial do sindicato é aceita pelo patronato, mas os pedidos atuais contrastam com as negociações feitas no primeiro em robustez. No primeiro semestre, as propostas iniciais não superaram cinco pontos percentuais sobre a inflação. (CB e SL)
Veículo: Valor Econômico