Lula, o presidente empresário

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À vontade no comando da economia, ele interfere na Petrobras, na Vale e na criação da supertele. Eis seu novo modelo de desenvolvimento

 

Com a economia vivendo um de seus melhores momentos, o presidente Lula já se sente o "grande timoneiro" do crescimento e exibe, sem pudores, sua interferência direta nos grandes negócios empresariais. Prova disso aconteceu na quinta-feira 28, quando Lula falou no Palácio do Planalto para mais de 500 convidados - a maioria empresários. "O crescimento que está acontecendo no Brasil não é um vôo de galinha. É, na verdade, o de uma águia que descobriu que pode voar mais alto do que estava acostumada a voar." O presidente atribui essa maior autonomia de vôo ao ativismo de um governo federal que hoje se apresenta como indutor do desenvolvimento, escolhe setores estratégicos para aplicar os recursos, apóia negócios entre empresas, dá ordens na Petrobras e até consegue direcionar investimentos de uma empresa totalmente privada, como a Vale. É um novo estilo, que marca a fase atual de Lula. Se antes o espetáculo do crescimento viria apenas com a seriedade da política econômica, agora são as decisões palacianas, focadas no que Lula entende como o "interesse nacional", que podem acelerar o desenvolvimento.

 

O caso mais evidente foi a ordem para que a Petrobras desfizesse, mesmo pagando multa, a venda de uma mina de silvinita, que é a matéria-prima para a produção de potássio, para fertilizantes. O presidente decidiu que o Brasil deve ampliar sua produção de fertilizantes. Ponto final. E por isso vetou um negócio que já havia sido fechado. Na avaliação de um ministro, a venda "passou despercebida" no governo, que buscou reparar o erro. O governo acusa as grandes multinacionais de fertilizantes de não explorar as minas das quais já têm concessões para forçar a escassez e o aumento do preço do produto, e quer a presença da Petrobras no mercado para aumentar a produção nacional. Há duas semanas, o presidente Lula se deslocou a Barcarena, no Pará, para a inauguração de uma nova unidade da Alunorte, onde a Vale produz alumina, e anunciou uma usina siderúrgica em Marabá, para transformar em aço o minério que extrai na região.

 

A Vale é uma empresa sempre citada com carinho por Lula, que gosta de apontar onde a companhia, privatizada há 11 anos, deve aplicar os recursos de seus acionistas. Nesta semana, ele disse que a mineradora já se comprometeu a instalar mais duas unidades industriais: uma no Maranhão e outra no Espírito Santo. Em outro setor, também será uma decisão presidencial que permitirá a venda da Brasil Telecom para a Oi, criando a "supertele" nacional, com financiamento de R$ 5,86 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na Petrobras, que tem cerca de um milhão de acionistas privados, a interferência do governo se dá também na exigência de um conteúdo nacional nas plataformas e outros equipamentos. O presidente Lula lembra que foi isso que permitiu o ressurgimento da indústria naval, que terá investimentos de R$ 5,5 bilhões este ano e previsão de R$ 11,6 bilhões em 2011. Nas plataformas da Petrobras o índice de nacionalização já chega a 72%.

 

O ponto alto desta política que já vem sendo chamada no Planalto de "neodesenvolvimentista" foi o encontro com os empresários na quinta-feira, em que a estrela foi o economista Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Coutinho apresentou um mapa de investimentos de R$ 1,5 trilhão, entre 2008 e 2011, podendo chegar a R$ 2,4 trilhões. São projetos privados, em sua maioria, mas aumentou também de forma significativa o volume de recursos para as empresas. Nos últimos 12 meses completados em junho, o BNDES liberou R$ 79 bilhões, um volume recorde que deve crescer para R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões no ano de 2008.

 

O aumento da presença estatal na economia é criticado por economistas mais liberais, que dizem que, ao escolher setores, o governo não premia necessariamente os que seriam mais produtivos para o País. Coutinho diz que não é o caso. "Os mercados é que têm vigor num sistema empresarial. Mas o Estado precisa ser um sinalizador inteligente, eficiente. Desta combinação virtuosa é que nasce o progresso", disse à DINHEIRO após a cerimônia. Ele nega que a escolha dos setores seja feita pelo governo. "Os setores que têm competência e eficiência se afirmam. É um processo. O resultado é que a gente ajuda quem tem capacidade, quem tem competência."

 

Vários economistas vêem nestas medidas um aumento do estatismo no governo Lula - explicitado por algumas opiniões contra o capital estrangeiro durante a discussão sobre o petróleo do pré-sal. "Esta postura não me surpreende. Apenas preocupa que o lado estatista do governo comece a ter mais influência nas decisões estratégicas", avalia o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. O presidente Lula não parece se incomodar com as críticas. Ao contrário. Diz abertamente que considera a estratégia correta. "Se a gente deixasse, sem nenhuma interferência do Estado brasileiro, as coisas acontecerem apenas por conta da vontade do mercado, sabe o que iria acontecer? A Petrobras só iria fazer refinarias na região Centro-Sul ou as empresas só iriam querer construir coisas onde tivesse comprador", disse há duas semanas na inauguração da Vale. No setor empresarial, a estratégia é vista como natural. "Cabe ao governo induzir o investimento privado", diz o economista Júlio Gomes de Almeida, do Iedi. "O governo tem um papel de induzir, facilitar através do financiamento, da defesa comercial, o fortalecimento de setores que julgar de interesse do País", afirma.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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