Mesmo que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, seja aprovada, as contas do governo continuarão no vermelho até 2021, de acordo com estimativas da Tendências Consultoria. Dados do Tesouro Nacional mostram que, entre 1997 e 2015, as despesas primárias da União passaram de 14% do Produto Interno Bruto (PIB) para 19,6%, taxa que deve se repetir neste ano. Reverter esse quadro exige um caminho árduo.
O aumento de 5,6 pontos percentuais nos gastos é explicado, em grande parte, pela Previdência Social e pelo crescimento dos gastos com pessoal — ativo e inativo —, apontados pelo governo e por especialistas como os maiores vilões do desequilíbrio fiscal. O avanço acelerado desses custos, nos últimos anos, fez com que o país registrasse deficits primários desde 2014, devido à desaceleração da economia e consequente queda na arrecadação.
O economista e especialista em contas públicas Raul Velloso atribui a forte expansão dos gastos públicos ao que ele chama de a “grande folha de pagamento”. “A maior despesa do governo é com pessoal, seja ativo ou inativo. Se somarmos tudo, hoje a folha representa mais de 70% das despesas da União, muito mais que os 39% de 1987, antes da promulgação da Constituição Cidadã (1988)”, destaca ele, lembrando que essas despesas são as que mais cresceram acima da inflação nos últimos anos.
Velloso ressaltou que os gastos com os benefícios e aposentadorias também deram um grande salto desde a Constituição e a maioria está indexado ao salário mínimo, reajustado acima da inflação nos últimos anos. “Desse jeito, não há espaço para o governo investir, que é o que realmente paga a conta. O resto, podemos dizer que é dinheiro mal gasto”, critica.
O economista não vê outra saída para essa situação a não ser a reforma da Previdência. Entre as propostas feitas por ele ao presidente Michel Temer e aos governadores, está o aumento das alíquotas de contribuição dos inativos que recebem acima do piso do INSS, de 11% para 14%, e do empregador, de 22% para 28%, para que seja criado um fundo para ajudar a custear as aposentadorias nos próximos anos.
As despesas com a Previdência saltaram de 4,9% do PIB em 1997 para quase 7,9% em 2015 — aumento de 3 pontos percentuais — e a rubrica Outras despesas obrigatórias saltou de 0,9% para 3,9% do PIB. Metade corresponde aos abono salarial e seguro-desemprego, além de benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que eram 0,7% em 1997 para 5% do PIB. Essa rubrica também inclui as despesas vinculadas de saúde e educação, subsídios e investimento.
Os gastos com a folha representavam 4% do PIB em 2015. Valor bastante expressivo, principalmente para um período recessivo da economia. Isso ajudou a manter o quadro de pessoal inchado e ineficiente, de acordo com analistas.
Estimativas do Ministério da Fazenda apresentadas a investidores estrangeiros nos Estados Unidos mostram que as despesas obrigatórias do governo chegariam a 23,2% do PIB em 2025 sem a PEC. A proposta, que já passou em primeiro turno na Câmara, deverá ser votada em segundo no próximo dia 24 para então ser encaminhada ao Senado Federal, onde também precisará ser apreciada em dois turnos.
Trunfo
Apesar de a PEC do Teto ser considerada o grande trunfo do governo, há consenso entre os economistas de que, sem a reforma da Previdência e outras medidas de ajuste fiscal que impliquem redução do tamanho do estado ou aumento de impostos, a proposta não terá eficácia alguma. Eles destacam que a Previdência consome sozinha mais da metade das despesas, e daqui a alguns anos o sistema se tornará impagável porque absorverá praticamente todo o Orçamento.
A evolução das despesas da União com benefícios previdenciários é expressiva. Em valores correntes, o gasto com a Previdência pulou de R$ 47 bilhões em 1997 para R$ 436,1 bilhões no ano passado, uma alta de 827,6%. Esse percentual é superior ao aumento das receitas, de 771,8% no mesmo período, que partiu de R$ 132,9 bilhões para R$ 1,116 trilhão. Para este ano, as previsões da Tendências são que essa fatura alcance R$ 507 bilhões, o equivalente a 8,1% do PIB, ou seja, 41% dessas despesas primárias.
“O grande vilão das contas públicas é a Previdência. Ela é uma despesa grande, que cresce acima da inflação, e isso faz com que o governo gaste mais com aposentadorias e pensões e menos com educação e saúde”, critica Klein. O especialista em contas públicas lembrou que a política de subsídios para empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social também contribuíram para o aumento explosivo das despesas obrigatórias nos últimos anos. Klein lembrou que a prática culminou com o pagamento das pedaladas em 2015, que elevou substancialmente o rombo fiscal de R$ 20,1 bilhões em 2014 para R$ 117 bilhões no ano passado. Para 2016, está estimado em R$ 170,5 bilhões pelo governo federal.
O economista Otaviano Canuto, diretor executivo no board do Banco Mundial, ressaltou que, apesar de a maioria dos gastos da Previdência ser atrelada ao salário mínimo, subindo acima da inflação há alguns anos, o problema não era percebido tão claramente entre 2004 e 2010 porque o PIB brasileiro crescia bem e era possível pagar a conta. Quando a atividade desabou, a conta ficou mais difícil de fechar.
Para Canuto, os mecanismos de vinculação ou de indexação de gastos acabaram criando uma pressão nas despesas. O diretor do Banco Mundial considera a aprovação da PEC do Teto positiva porque poderá ajudar na reavaliação dos gastos como um todo, principalmente os com a saúde e educação, melhorando a qualidade dessas despesas.
“O item óbvio dessa PEC é buscar espaço fiscal para acomodar os demais gastos, pois a Previdência ocupará a maior parte”, destaca. “O gasto com aposentadorias no Brasil é extremamente alto em comparação com países desenvolvidos porque a proporção da idade é muito menor. Aposenta-se muito cedo no Brasil. O país acabou sendo mais generoso que o resto do mundo. Só que generosidade custa caro”, acrescenta.
A economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, explica que a o deficit da Previdência é fruto da falta de planejamento para o fim do bônus demográfico, que está chegando — na próxima década, haverá mais pessoas aposentadas do que na ativa contribuindo para o sistema. “Enquanto a Previdência foi superavitária não se preservaram os recursos. Gastou-se tudo o que tinha quando a contribuição sobrava, desde a construção de Brasília até Angra 2”, critica. “Agora, com o sistema deficitário, as contribuições atuais não são suficientes para cobrir as despesas com a assistência social, que são necessárias, mas os recursos precisam sair do Tesouro.”
Segundo ela, com o passar do tempo, começou a não sobrar para seguridade social, para a saúde e assistência. Houve uma expansão de tantos benefícios que para se resolver o problema agora não vai ter jeito a não ser aumentar imposto para preservar os direitos adquiridos ou reformar a Previdência.
“Desse jeito, não há espaço para o governo investir, que é o que realmente paga a conta. O resto, podemos dizer que é dinheiro mal gasto”
Raul Velloso Economista, especialista em contas públicas
Fonte: Jornal Correio Brasiliense