Companhias que se expuseram a contratos de derivativos estão tentando aproveitar a queda do dólar - e a perspectiva de que esta trajetória se mantenha até o fim do ano - para uma segunda rodada de negociação com os bancos credores. A maior parte das empresas que registraram perdas com derivativos negociou pagamento, prazos e juros em outubro, após a disparada da moeda norte-americana em meio aos temores de uma crise sistêmica a partir da quebra do Lehman Brothers.
A moeda foi de R$ 1,562 em julho para R$ 2,158 em outubro. Continuou subindo no primeiro trimestre, atingindo R$ 2,37 em fevereiro (considerando cotações em fim de período), quando a curva se inverteu. Ontem, fechou a R$ 2,105, em dia de alta. Porém, muitas dívidas ficaram atreladas a pagamentos de R$ 2,40 a R$ 2,80 por dólar.
Sem detalhar as condições de renegociação, a Vicunha Têxtil informou ontem à noite que saiu do âmbito judicial para buscar definição amigável com a Merrill Lynch Investimentos. O banco havia dado entrada em procedimento arbitral e a empresa, com ação judicial. "Os procedimentos foram extintos e a composição se dará extrajudicialmente", informou.
"As empresas podem conseguir agora uma redução do montante devido, já que o volume em dólar foi multiplicado por 2,5 vezes à época para pagamento na moeda corrente brasileira, como manda o Banco Central", diz Peter Ping Ho, analista da corretora Planner. Ele acredita que é mais difícil obter desconto sobre juros, já que a oferta de crédito global continua reduzida e os juros acima dos padrões do primeiro semestre de 2008. "As taxas não dependem da empresa ou de bancos, mas do mercado. O desempenho da Libor, por exemplo, mostra recuo, mas não em níveis tão atrativos", diz.
O escritório César e Pascual Advogados considera que o momento atual é o melhor para renegociações - e está fazendo isso para nove clientes, com perdas que vão de R$ 7 milhões a R$ 80 milhões, entre empresas de autopeças e mineração. O advogado Luis Carlos Pascual tem conseguido discutir o montante da dívida, com desconto de até 50% em relação ao pico do dólar, e também as taxas. "Fizemos três negociações para empresas que aproveitaram a baixa de março, quando o dólar foi a R$ 2,17. Agora a queda é mais substancial e a maioria dos clientes deu autorização para negociação", afirma. "Nos casos ajustados sobre a Libor de outubro, os bancos chegaram a aceitar descontos de 30% a 50% na taxa."
Uma das primeiras companhias a informar renegociação foi a Cia Hering. A empresa já tinha feito renegociação em outubro, mas quando o cenário era pouco propício para melhorar as condições de pagamento, e ficou com 19 verificações mensais a fazer, considerando ajustes mensais de dólar ao nível de R$ 2,80 até outubro de 2010.
A primeira verificação foi feita em abril. "Como o câmbio ficou abaixo disso, o valor de mercado dessas verificações caiu e conseguimos liquidá-las em condições melhores", explica Frederico de Aguiar Oldani, diretor financeiro da Hering. A companhia só teria perdas se a moeda norte-americana ultrapassasse este patamar nas datas específicas de pagamento. De qualquer forma, a Hering optou por reduzir a exposição e antecipou o pagamento das nove verificações seguintes, numa melhoria de condições. "Pagamos para sair do risco", diz Oldani. Entretanto, a empresa continua com certa exposição, já que tem as parcelas de março a outubro de 2010. "Nada impede que negociemos as parcelas remanescentes. É uma possibilidade e os bancos em geral tem mostrado flexibilidade", diz.
Quem também iniciou uma segunda jornada este mês foi a Aracruz, numa combinação entre acerto da dívida e possível tomada de recursos. Conforme comunicado, a diretoria está autorizada explicitamente a negociar contratos financeiros com bancos credores. "A empresa sinalizou renegociação, através da subsidiária Alícia, mas não disse se está tentando juro ou montante", diz Ping Ho. Em período de silêncio por prévia de resultados, a companhia não deu entrevista.
Atualização de câmbio
Os dois contratos que acabaram nas mãos do advogado Dinir Rocha, do escritório Azevedo Sette, foram resolvidos fora dos tribunais. Enquanto uma empresa decidiu zerar posição com pagamento integral, outra conseguiu jogar a definição de taxas para o primeiro trimestre, obtendo condições bem mais favoráveis àquelas do calor da discussão.
"A empresa tinha que zerar posição com dólar a R$ 2,40, mas conseguiu usar a taxa desse ano", conta Rocha. "A saída foi sempre procurar resolver com o credor e evitar um ‘cross default’, ou seja, que a empresa ficasse inadimplente neste contrato e consequentemente em seus outros contratos financeiros", diz. Além disso, a maioria dos bancos incluiu cláusula arbitral nos aditamentos - ou seja, o processo correria não no judiciário, que é mais protetivo para as empresas, mas na arbitragem, que toma decisões técnicas.
No escritório De Rosa, Siqueira Advogados, há casos em andamento e outros já definidos por acordo prévio. Para o sócio Waldir Siqueira, as atuais projeções de câmbio tornam mais razoáveis a negociação fora da taxa cambial de pico. "Para quem já zerou posição e quitou, é difícil haver uma devolução de recursos, apesar de haver precedente. Mas para quem está em aberto, através de financiamento ou passivo, cabe renegociação."
O precedente a que o advogado se refere é a decisão do TJSP em novembro, suspendendo o contrato de derivativo cambial entre uma empresa de fibras têxteis de São José dos Campos e o Banco Safra. Procurado, o banco não concedeu entrevista, assim como o Itaú BBA, estruturador de muitas dessas operações. Esses bancos continuam com contratos em discussão - a Tok&Stok, por exemplo, optou por discutir em tribunal. A varejista "não se pronuncia a respeito de assuntos sub judice".
Veículo: Gazeta Mercantil