A recente valorização do real pode quebrar de vez o tripé de sustentação das exportações de manufaturados, que já sofrem com a demanda mundial fraca e preços em queda. Com o dólar perto de R$ 2, o exportador brasileiro perdeu competitividade para "roubar" mercado dos concorrentes - o que é fundamental em tempos de consumo estagnado. A rentabilidade das exportações brasileiras está próxima do menor patamar desde a década de 80. Em abril, a margem média dos exportadores encolheu 6% em relação a março e 23% comparada com outubro de 2008, aponta cálculo preliminar da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Uma das maiores exportadoras de móveis do país, a Artefama , voltou a ganhar mercado nos Estados Unidos aproveitando que o dólar estava em R$ 2,30, conta o presidente da empresa, Álvaro Vaz. "Nesse momento, estamos reconquistando o mercado americano. Se o dólar ficar abaixo de R$ 2,20, os chineses vão retomar esse espaço", disse.
A participação dos EUA nas vendas externas da Artefama atingiu 20% este ano, acima dos 10% a 15% em 2008. O mercado americano chegou a absorver metade das exportações da empresa três anos atrás. Segundo Vaz, a demanda do país segue muito baixa, mas com preço competitivo é possível ocupar o espaço de outros fornecedores.
Em maio, a tendência da rentabilidade do exportador é de novo recuo. O real ganhou força frente ao dólar este mês graças à entrada de capitais no país, atraídos por juros altos, reservas significativas e um dos cenários políticos mais estáveis entre os emergentes. Ontem, o dólar se recuperou um pouco e fechou a R$ 2,09. Ainda assim, representa queda de 3,6% contra o fim de abril e 10% ante dezembro.
Sem a ajuda dos robustos preços que predominaram no período pré-crise, a diferença cambial vai direto para o bolso do exportador, reduzindo sua capacidade de oferecer descontos a clientes já reticentes na hora de comprar. Em abril, com dólar a R$ 2,20, a rentabilidade da exportação era a mesma de julho de 2008 - na época, a moeda americana estava em R$ 1,60, mas os preços dos produtos eram 25% mais altos, em média, que os atuais.
"Ao contrário do que ocorria antes da crise, os exportadores não conseguem compensar o câmbio com os preços", disse Fernando Ribeiro, economista-chefe da Funcex. Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o principal problema é a perda de competitividade. "É impossível atuar em um mercado em recessão sem preço competitivo", disse.
A participação das exportações nas vendas totais da Fiação e Tecelagem Cedro e Cachoeira recuaram de 15% em 2007 para 10% em 2008 e estão em cerca de 7% hoje, informa o presidente da companhia, Aguinaldo Diniz Filho. Ele conta que as vendas externas caíram significativamente no quarto trimestre do ano passado por falta de demanda, mesmo com o câmbio a R$ 2,30.
O empresário acredita que a queda da participação das exportações deve se agravar com o real forte. A saída encontrada pela tecelagem foi redirecionar seus produtos para o mercado interno. "Um dólar de equilíbrio é importante, porque a alta carga tributária não permite que o país seja competitivo com o câmbio a R$ 1,6", disse Diniz, que também preside a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
As exportações brasileiras de manufaturados recuaram 29,5% de janeiro a abril em relação ao primeiro quadrimestre de 2008, apesar do câmbio, em média, ainda competitivo no período. O desempenho está em linha com a queda global das trocas de produtos industrializados, que sofreram um forte revés após a falta de crédito provocada pela crise.
Para Ribeiro, da Funcex, a valorização do real corroerá as margens dos exportadores de manufaturados, mas não deve ter impacto relevante nas vendas externas totais ou no superávit brasileiros, porque o mercado já estava fraco. Nas commodities, o cenário é positivo graças à demanda da China. As exportações de produtos básicos cresceram 9% no primeiro quadrimestre do ano.
Mais sensíveis ao impacto cambial, os fabricantes de móveis, têxteis e calçados estão entre mais prejudicados. Nesses setores, os empresários tinham a expectativa de elevar a exportação com a ajuda do câmbio, apesar da menor demanda provocada pela crise, já que os volumes vendidos pelo Brasil não são significativos comparados com as compras totais dos mercados americano e europeu.
Segundo Ulrich Kuhn, presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis do Vale do Itajaí e diretor de exportação da Hering, o setor têxtil estimava queda de 20% nas exportações antes da mudança no câmbio. Ele afirma que a valorização do real tende a reduzir ainda mais a exportação e alterar a tendência de queda das importações de matérias-primas vindas da Ásia.
Na avaliação do empresário, com a instabilidade, alguns setores dentro do ramo têxtil poderão ser mais prejudicados do que outros, citando como exemplo o segmento de cama, mesa e banho do Estado de Santa Catarina, que tem maior exposição de exportações do que a confecção. "Para estes, não há solução. Será preciso se readequar a um novo tamanho de mercado mundial."
Para Milton Cardoso, diretor-executivo da Vulcabras e presidente da Associação Brasileira da Indústria Calçadista (Abicalçados), o real forte prejudica a exportação, mas o mais complicado para o comércio exterior é a oscilação significativa do câmbio. "É uma desorganização absurda nas empresas", disse.
A Vulcabras, explica o executivo, estabeleceu o dólar a R$ 2,2 como meta para o semestre e segue nesse patamar. "Só depois vamos saber se perdemos ou ganhamos dinheiro." Cardoso contou que as exportações da empresa tiveram queda significativa no quadrimestre, mas não revelou o percentual. Ele não responsabiliza a falta de demanda pelo resultado, mas as barreiras da Argentina.
Veículo: Valor Econômico