Capacidade ociosa ajuda cenário de inflação até 2010

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Visto de hoje, o cenário para a inflação até o fim de 2010 é bastante benigno, especialmente devido às perspectivas pouco animadoras para a utilização da capacidade instalada na indústria e para o emprego. Para 2009, a maior parte dos analistas projeta um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) próximo ou abaixo do centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5%. Para 2010, a média do mercado aponta uma inflação de 4,3%, mas cresce entre os analistas a percepção de que o índice ficará mais próximo ou até inferior a 4%, o que abriria espaço para metas de inflação inferiores aos 4,5% (que vigoram desde 2005) nos anos subsequentes.

 

A lenta recuperação da atividade econômica deve fazer as empresas operarem com elevada capacidade ociosa por vários trimestres, além de manter o desemprego em nivel mais elevado. Para ajudar no controle da inflação, o câmbio se valorizou nos últimos meses, aproximando-se da casa de R$ 2.

 
 
Com o agravamento da crise global em setembro do ano passado, a produção industrial despencou. No quarto trimestre de 2008, a indústria de transformação caiu 6,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, recuo que foi seguido pela contração de 14,6% no primeiro trimestre deste ano. Esse movimento derrubou a capacidade instalada, que em 2008 atingira níveis historicamente altos, levando alguns analistas e o Banco Central (BC) a ver gargalos de oferta na indústria - ou seja, uma fonte de pressão inflacionária. Depois de alcançar a média de 85,2% em 2008, o nível de ocupação na indústria de transformação ficou em 78,3% em abril deste ano, feito o ajuste sazonal, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que o comportamento da capacidade instalada, ao lado do desemprego em alta e da recente valorização do câmbio, fundamenta a sua previsão de um IPCA de 4,2% em 2009, bem abaixo dos 5,9% de 2008. "O fato de a atividade estar crescendo abaixo do potencial ajuda a manter a inflação baixa." O rápido desaquecimento da economia no quarto trimestre impediu que a alta do dólar (de R$ 1,55 em agosto de 2008 para mais de R$ 2,50 no começo de dezembro) se traduzisse em inflação elevada nos meses seguintes. Para 2010, Vale espera um IPCA ainda menor, de 4%.

 

O economista destaca outro ponto para explicar o recente recuo do nível de ocupação na indústria: o volume significativo de investimentos feitos nos últimos anos, o que eleva o potencial produtivo na economia.

 

O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, também chama a atenção para a maturação de muitos investimentos realizados até o terceiro trimestre de 2008, ainda que a formação bruta de capital fixo (que mede o que se se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) tenha despencado a partir de outubro. "Eu não vejo pressões inflacionárias relevantes até 2010", diz Lintz. De janeiro a abril, o IPCA acumulou alta de 1,72%, menos que os 2,08% do mesmo período do ano passado. Para Lintz, a retomada da economia deve ser lenta, uma vez que a demanda externa segue fraca e a interna tende a sofrer nos próximos meses com a provável piora do mercado de trabalho. Lintz projeta uma contração do PIB de 1,5% em 2009. Para 2010, aposta em crescimento de 2,8%.

 

O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, tem uma visão mais otimista para a atividade econômica, mas diz que o crescimento um pouco mais forte previsto por ele não deve provocar pressões inflacionárias relevantes. Para a LCA, o PIB vai crescer 0,7% neste ano e 4,3% no próximo, o que deve levar a capacidade instalada a uma média de 82,7% no ano que vem, abaixo dos 85,2% de 2008. "A grande folga de utilização de recursos existente na economia desencoraja repasses de preços."

 

O mercado de trabalho tampouco deve colocar em risco a trajetória favorável para a inflação até 2010, dizem os analistas. Segundo Romão, a taxa de desemprego média deve ficar em 8,9% neste ano, um ponto percentual acima dos 7,9% de 2008. Para Romão, o grosso das demissões já ficou para trás, mas não haverá uma recuperação suficientemente rápida da economia a ponto de provocar uma retomada consistente das contratações. Ele acredita que a taxa de desemprego ficará em média em 8,5% em 2010, voltando apenas em 2011 para o nível de 2008.

 

O economista-sênior da Itaú Corretora, Mauricio Oreng, vê um quadro mais difícil para o mercado de trabalho. Apostando numa queda de 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, Oreng estima uma desocupação média de 10,4% em 2009. Por apostar numa atividade econômica fraca e numa desocupação elevada, ele trabalha com um panorama inflacionário bastante tranquilo, com o IPCA em 3,9% neste ano e no próximo.

 

Para completar esse cenário positivo para os preços, o câmbio voltou a se valorizar, ressalta Vale. A moeda americana fechou sexta-feira em R$ 2,027, e vários analistas acreditam que ela pode cair abaixo de R$ 2 no curto prazo. O dólar mais barato pode não levar ao recuo dos índices de preço, mas alivia pressões de custo para muitas empresas. Quando a economia voltar a crescer, elas terão menos necessidade de reajustar preços.

 

A alta de 0,59% do IPCA-15, embora um pouco salgada, não é suficiente para mudar a percepção dos analistas que de a trajetória para a inflação é positiva. Oreng, da Itaú Corretora, diz que a elevação foi concentrada em poucos itens, devendo perder força daqui para frente. É a mesma avaliação da LCA, que destaca os aumentos nos preços de cigarros, produtos farmacêuticos, gastos com empregado doméstico e a tarifa de energia elétrica residencial como os principais responsáveis pela aceleração do IPCA-15.

 

Oreng mantém a sua projeção de um IPCA em 3,9% neste ano e Romão, de 4,5%. Lintz, do BNP Paribas, diz que a trajetória da inflação é estruturalmente para baixo, por conta da folga na utilização de recursos na economia e do câmbio valorizado. O que há são pressões de curto prazo, ainda em função da inércia e de estímulos à demanda, como o reajuste do salário mínimo.

 

A inflação só não tem caído mais rápido por causa da resistência dos preços de serviços (aluguel, condomínio, mensalidades escolares, conserto de automóvel), como observa Lintz. Nos 12 meses até abril, os serviços no IPCA tiveram alta de 7,21%, enquanto o índice "cheio" subiu 5,53%. Segundo ele, a alta mais forte desse grupo se deve ao aumento de 12% do salário mínimo, ao fato de rendimento do trabalho ainda mostrar uma trajetória positiva e ao forte peso da inércia em alguns itens - aluguéis e mensalidades escolares, por exemplo, são muito influenciados pela inflação passada. Daqui para frente, porém, esses fatores tendem a perder força, acredita Lintz, que projeta um IPCA de 4,5% em 2009 e de 4% em 2010.

 

Por tudo isso, os analistas avaliam que a taxa Selic poderá ficar até o fim de 2010 abaixo de dois dígitos. Lintz considera que os juros básicos devem terminar este ano em 9,25%, podendo cair mais um ponto percentual ao longo de 2010. "No momento, a inflação não é um problema. O problema é o crescimento." Romão, que vê uma recuperação mais forte da economia no ano que vem, estima uma Selic mais alta, de 9,5% no fim deste ano e do ano que vem - de qualquer modo, ainda abaixo de dois dígitos.
 


Veículo: Valor Econômico


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