A recente apreciação do real está relacionada à perda de valor do dólar americano no mercado internacional e à alta dos preços das commodities, mas o diferencial entre os juros internos e externos também tem um papel importante no fortalecimento da divisa brasileira, segundo boa parte dos analistas. Para evitar uma valorização exagerada do câmbio, manter um ritmo forte de redução dos juros e comprar dólares aparecem como as principais sugestões dos economistas ouvidos pelo Valor.
Os mais incomodados com o movimento do real chegam a defender a adoção de controles na entrada de capitais. Já os mais ortodoxos não veem motivos para preocupação, acreditando ainda que o Banco Central (BC) não tem muito o que fazer para deter a trajetória do câmbio.
De um conjunto de 17 moedas de países emergentes analisadas pelo Valor Data, o real foi a terceira que mais se valorizou de 2 de março até ontem. O dólar americano caiu 17,73% na comparação com a divisa brasileira, de R$ 2,442 para R$ 2,009. No mesmo período, a moeda americana perdeu 19,98% do seu valor em relação ao won sul-coreano e 19,62% em relação ao dólar australiano. Na comparação com o yuan chinês, caiu só 0,24%
Para o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, a forte apreciação do real reflete em parte o movimento de desvalorização global do dólar, mas o nível do juro brasileiro também tem um peso relevante nessa história. O BC tem errado seguidamente na condução da política monetária, diz ele. A crise global agravou-se em setembro de 2008, mas a Selic só começou a recuar em janeiro, caindo de 13,75% para os atuais 10,25% ao ano. Isso manteve os juros reais (descontada a inflação) brasileiros entre os mais altos do mundo.
Belluzzo estranha a análise do presidente do BC, Henrique Meirelles, de que a entrada de dólar no Brasil não é resultado do diferencial de taxa de juros. "Eu não sei se ele diz isso por convicção ou por escapismo, mas é lamentável em qualquer hipótese." Ele defende cortes mais fortes dos juros e a adoção de controles na entrada de capitais. "Se não quiserem controlar capitais, por julgarem um sacrilégio, que pelo menos reduzam bastante a Selic e comprem muitos dólares para acumular reservas. Com juros baixos, o custo de carregamento das reservas fica menor", afirma ele, preocupado com o impacto sobre as exportações de um dólar abaixo de R$ 2.
O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, vê um peso bem menor para o diferencial de juros na recente valorização do real. Para ele, o movimento é basicamente consequência de um fenômeno global, ligado à depreciação do dólar à alta forte das commodities nos últimos meses. "O diferencial de juros era maior em dezembro, quando a Selic estava em 13,75%. Por que a moeda brasileira não se apreciou naquele momento?"
Schwartsman destaca que moedas de grandes produtores de commodities, como Austrália e Chile, se valorizaram bastante nos últimos meses, a despeito de terem juros bem mais baixos do que o Brasil. De setembro de 2008 para cá, o BC australiano cortou as taxas de 7,15% para 3%, e mesmo assim a moeda se apreciou com força. No Chile, onde o BC foi ultra-agressivo e baixou os juros de 8,25% para 1,25%, a moeda americana perdeu 7,02% em relação à divisa local. Na Coreia do Sul, dona da moeda que mais ganhou valor na comparação com o dólar, a política monetária também foi agressiva - os juros caíram de 5% para 2% desde setembro do ano passado. Para ele, não há muito o que o BC possa fazer nessa circunstância e nem há um grande mal num câmbio abaixo de R$ 2. "Num mundo com demanda fraca, as exportações de manufaturados não vão aumentar nem mesmo com um dólar a R$ 2,50."
O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, sócio da Quest Investimentos, atribui a valorização do real principalmente a um movimento global, em que a saída dos investidores do dólar os leva a buscar outros ativos. Com tem fundamentos sólidos e juros elevados, o Brasil aparece como um dos principais candidatos a receber esses recursos. "Esse quadro diminui a liberdade de o país influenciar o câmbio", avalia ele. Mendonça de Barros diz, porém, que os juros altos são de fato um dos fatores que atraem o capital estrangeiro para cá. Para evitar uma apreciação excessiva do câmbio, o BC deve buscar o menor nível possível de juros que seja compatível com a meta de inflação, opina ele, para quem acabaram os tempos em que a autoridade monetária trabalhava com uma "gordura" na Selic por causa da volatilidade na economia. Se for muito conservador nos juros, o dólar seguirá em queda, afetando a atividade econômica, por prejudicar as exportações e estimular as importações, adverte.
O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, considera indesejável um câmbio abaixo de R$ 2, mas vê limites à atuação da autoridade monetária. Há espaço para mais cortes dos juros - ele estima uma Selic de 9% no fim do ano ou até menos -, mas é preciso levar em conta a meta de inflação. Como Mendonça de Barros, ele vê com bons olhos a compra de dólares para as reservas, ao mesmo tempo em que condena os controles de capitais. "Eles costumam ser ineficientes, pois os investidores aprendem a driblá-los rapidamente."
Veículo: Valor Econômico