Philip Faraci, presidente e executivo de operações da Eastman Kodak confessa já ter duvidado da capacidade de sobrevivência da centenária companhia, responsável por moldar a indústria da fotografia mundial. Contratado em 2004 para coordenar a entrada da companhia no mercado de impressoras residenciais, Faraci acompanhou todo o processo de reestruturação da Kodak, desenhado para levá-la do mundo da fotografia tradicional para a nova era das tecnologias digitais. "Chegamos a ter criação de gado para garantir que a gelatina usada nos filmes [feita a partir dos ossos dos bovinos] era de boa qualidade", comenta Faraci, em entrevista exclusiva ao Valor.
Uma estrutura grande e centralizadora não era compatível com os novos tempos, e durante a reestruturação foram demitidas mais de 28 mil pessoas, a maioria ligada à fabricação de filme nas 14 plantas espalhadas pelo mundo. Hoje, só uma está em operação. O processo que levou quatro anos para ser concluído teve um custo de US$ 3,4 bilhões. Pelo caminho, a Kodak também se desfez de unidades de negócio consideradas menos estratégicas, como a de produtos de imagem para a área de saúde, e entrou em outros mercados, como o das impressoras gráficas e de jato de tinta residenciais. "Hoje somos uma empresa voltada ao mercado digital, o processo está completo", diz. Segundo Faraci, 80% dos produtos hoje são digitais.
Mesmo com todas as mudanças, o filme continua sendo o carro-chefe da Kodak. No balanço do segundo trimestre de 2009, a unidade mais tradicional da companhia foi a única a dar lucro. O resultado positivo em US$ 51 milhões, no entanto, não foi suficiente para compensar as perdas das outras três unidades de negócio, e a operação amargou um prejuízo de US$ 191 milhões, contra um lucro de US$ 200 milhões no mesmo período do ano passado. "Em dois a três anos o filme será uma parte muito pequena do negócio, diz Faraci.
Com quase 130 anos de história a Kodak foi surpreendida pelo sucesso que uma de suas invenções fez pelas mãos dos concorrentes: a fotografia digital. Em 1975, o engenheiro Steven Sasson criou nos laboratórios da companhia a primeira câmera digital do mundo, com 0,01 megapixel de resolução (800 vezes menos do que o modelo mais vendido no Brasil hoje) e o tamanho de uma torradeira.
Durante anos ela ganhou na área apenas com o licenciamento de tecnologias - segundo Faraci, até hoje muitos fabricantes ainda pagam royalties à Kodak. Foi só em 2004 que o mercado digital tornou-se alvo concreto de sua estratégia. Naquela época, já eram vendidos o mesmo número de máquinas digitais e tradicionais nos Estados Unidos (12 milhões) e companhias mais jovens haviam tomado o lugar da Kodak na preferência dos consumidores. Junto, minguaram também os negócios de papel e impressão fotográfica.
Entre 2004 e 2008, a receita da Kodak caiu de US$ 13 bilhões para US$ 9 bilhões. No mesmo período, ela passou de um lucro de US$ 69 milhões para um prejuízo de US$ 727 milhões - em 2005, o valor chegou a US$ 1,6 bilhões. Suas ações, que chegaram a ser contadas a US$ 49 em 2000 valiam US$ 2,97 na sexta-feira.
Só no ano passado, o valor de mercado da companhia caiu US$ 4,5 bilhões, resultado da redução da demanda com a crise econômica e da desconfiança do mercado quanto a capacidade de recuperação da Kodak. "O que aconteceu conosco foi o que aconteceu com todo mundo. No começo do ano passado [depois de finalizada reestruturação] tivemos lucro", diz Faraci, que acredita que a empresa está pronta para crescer e ser rentável no ano que vem, quando as nuvens negras da crise econômica já tiverem se dissipado. As opiniões dos analistas sobre o futuro da companhia, no entanto, são divergentes.
Ulysses Yannas, analista da consultoria americana Buckman, Buckman & Reid, concorda que a Kodak esteja no rumo certo da recuperação. "Acredito que a crise tenha adiado em dois anos o planejamento, assim o que estava planejado para 2010 virá em 2012", diz. Neste caminho, Yannas acredita que as impressoras de jato de tinta terão um papel importante por utilizarem uma tecnologia diferente da adotada por companhias como Hewlett Packard (HP) e Epson, e serem mais baratas que as das concorrentes. "Quando as vendas se expandirem para o resto do mundo [hoje são concentradas em três países] a relevância será grande", avalia.
Já a agência de avaliação de risco Standard & Poor's (S&P) tem uma avaliação mais pessimista. Em relatório do começo do ano, ela rebaixou a nota de crédito da Kodak de "B" para "B-". "A nota reflete nossa preocupação com os ganhos da companhia e a previsão de fluxo de caixa. A desconfiança é baseada na contínua e rápida deterioração do tradicional negócio de imagem da empresa, dúvida sobre o potencial de geração de lucro da área de imagem digital, potencial de queda na área de imagem para entretenimento, déficit no fluxo de caixa, vulnerabilidade a pressões econômicas e seu perfil financeiro alavancado". O receio é que a companhia não tenha recursos suficientes para honrar compromissos financeiros de mais de US$ 600 milhões programados para outubro de 2010.
Por isso a Kodak está em busca de reduzir mais custos operacionais. Em uma nova reestruturação anunciada em janeiro, a empresa pretende cortar entre 3,5 mil e 4,5 mil empregos. A um custo de US$ 300 milhões, o processo tem o objetivo de gerar uma economia de US$ 350 milhões por ano.
Para Philip Faraci outra iniciativa ajudará a empresa a cumprir seus objetivos. Denominada de "2009 Program", ela prevê uma mudança na estrutura da companhia com a racionalização e centralização de atividades administrativas, de marketing, de vendas e de pesquisa e desenvolvimento, entre outras.
"Já tínhamos esse projeto, mas para ser implementado mais à frente. Mas com o cenário econômico achamos que era o momento certo", diz. O executivo, que se reuniu com cem parceiros de vários países da América Latina recentemente, afirma que eles receberam muito bem a nova estrutura. "Eles ficaram muito animados porque isso vai facilitar o relacionamento deles com a Kodak", diz. De acordo com Faraci, em alguns momentos a companhia perdeu diversas vendas por conta da falta de integração entre suas diferentes unidades de negócios. "Tínhamos uma cultura centralizadora e queríamos controlar todas as etapas do processo. Agora estamos nos tornando parte de um ecossistema, deixando de trabalhar sozinhos. Não me preocupo mais com a sobrevivência da companhia", diz.
Kodak luta para superar desafio digital
Depois de cortar 28 mil empregos em quatro anos e abandonar áreas menos estratégicas, como a de saúde, o comando mundial da Kodak acredita ter avançado bastante no processo de revitalização da centenária marca de fotografia. "Não me preocupo mais com a sobrevivência da empresa", diz ao Valor Philip Faraci, presidente mundial da Kodak.
Surpreendida pelo advento da fotografia digital, que sufocou seus negócios tradicionais de filme, papel e revelação fotográfica, a Kodak tem investido em outros segmentos, como a impressão de grande porte. Analistas do setor, porém, se dividem sobre a capacidade da empresa de voltar aos tempos áureos. Enquanto alguns deles preveem uma recuperação até 2012, outros têm dúvidas sobre a eficácia das medidas.
Veículo: Valor Econômico