A negociação de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia passou a ter, para o Brasil, prioridade maior que as discussões de liberalização comercial na Organização Mundial de Comércio (OMC), anunciou ontem o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Discretamente, com pedidos de sigilo por parte dos europeus, para não criar expectativas, União Europeia e Mercosul terão uma reunião reservada na primeira semana de novembro, para avaliar como retomar as discussões interrompidas em julho do ano passado.
"Não vemos com clareza nenhum sinal de que os atores principais estejam engajados na Rodada de Doha", comentou Amorim, ao receber o ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel-Ángel Moratinos, mencionando a rodada de liberalização na OMC, iniciada em Doha, capital do Catar. "Temos de concentrar mais esforços no acordo Mercosul-União Europeia", declarou, lamentando a falta de avanços na OMC, num momento de crise, em que é necessário tomar medidas para evitar aumento do protecionismo. "Essas incertezas em relação à rodada nos obrigam a buscar esse acordo."
Moratinos concordou e anunciou a disposição dos espanhóis de incentivar negociações para um acordo ainda na presidência temporária da Espanha na União Europeia, no primeiro semestre de 2010. Europeus e integrantes do Mercosul já vem discutindo o assunto desde junho, quando realizaram uma reunião reservada em Lisboa e marcaram a próxima para novembro, quando assume a nova Comissão Europeia.
Os europeus dizem que só será possível retomar as negociações se ficar claro que se pode concluir um acordo em uma "janela de oportunidade" de seis a oito meses.
"Há vontade política do Brasil e Espanha", comentou Moratinos, lembrando que a Argentina, que presidirá o Mercosul em 2010, também diz estar comprometidas em buscar o acordo em pouco tempo. O governo brasileiro avalia que só será possível um acordo se os europeus mudarem de estratégia e deixarem de exigir o alto grau de concessões em matéria de redução de barreiras ao comércio de produtos industrializados. O Mercosul já aceitou limitar as cotas para produtos como carne e leite em suas reivindicações de abertura no mercado agrícola europeu.
Amorim disse que será possível um acordo se houver "pragmatismo" dos negociadores, como os europeus demonstraram ao fazer acordo com os países andinos, com quem negociaram "flexibilidades" variáveis conforme cada país. "Se houver necessidade de maior flexibilidade para um país em determinado momento, se ajudar na concepção do acordo, seria algo importante", disse Amorim, já indicando que sócios do Mercosul querem participar do acordo com menores concessões que o Brasil.
Segundo Amorim, há uma "conjugação de fatos" que podem facilitar um acordo, nas negociações que foram paralisadas desde o ano passado: a maior disposição da União Europeia a acordos com cláusulas especiais para alguns países, a crise mundial, "e a própria demora na conclusão de Doha".
Os brasileiros temem, porém, que a União Europeia volte à mesa exigindo decisões mais ambiciosas sobre propriedade intelectual e regras de proteção a investimentos, no modelo que se tentou sem êxito na fracassada Área de Livre Comércio das Américas. O fato de que os negociadores concordam em restringir as discussões aos temas de acesso de produtos aos respectivos mercados é um fator positivo, disse Amorim.
Moratinos afirmou que está muito otimista em alcançar um acordo cujos parâmetros serão estabelecidos "após o verão" europeu, neste semestre. Mas indicou que os europeus querem tirar a ênfase sobre venda e compra de mercadorias e estabelecer novos parâmetros de negociação. Os acordos do século XXI não podem se concentrar "na exportação ou importação de carnes ou produtos agrícolas", mas em cooperação para estimular investimentos e fundos especiais destinados a fomentar o desenvolvimento, disse.
Veículo: Valor