As empresas do agronegócio listadas na Bovespa trabalham com boa perspectiva de desempenho até o fim do ano, apesar de terem encerrado o segundo trimestre com dívidas maiores e margens um pouco mais apertadas, mesmo sob um cenário de crescimento das receitas. A demanda pelos produtos do setor de alimentos, por conta das festas de fim de ano, é tradicionalmente mais forte na segunda metade do ano, o que deve sustentar um desempenho positivo, segundo analistas ouvidos pelo Valor.
O segundo trimestre coincidiu com o pico histórico dos preços das principais commodities agrícolas, como milho e soja, base da produção de boa parte das empresas do setor listadas na bolsa e que afeta com especial ênfase o grupo de carnes, que inclui Sadia, Perdigão, Marfrig e Minerva.
Segundo cálculos do Valor Data, em um universo de 23 companhias analisadas, o custo do produto vendido subiu 137% entre o segundo trimestre de 2007 e o mesmo período deste ano, para R$ 15,5 bilhões. Ainda que sejam excluídos os dados do JBS-Friboi - frigorífico que, após uma série de aquisições, cresceu a ponto de responder por quase 40% da receita líquida do segmento no período -, o custo das companhias analisadas subiu 61%, para R$ 9,1 bilhões.
Como comparação, o custo do produto vendido de empresas de outros setores da bolsa subiu bem menos. Uma amostra de 209 companhias, que exclui Vale e Petrobras, registrou aumento de 18,6% nos custos, para R$ 89,5 bilhões.
"O trimestre foi marcado pelo aumento dos custos no agronegócio. Ficaram mais caras as matérias-primas básicas, mas mesmo as embalagens, com o encarecimento do plástico, também apresentaram alguma pressão para o setor", diz Rafael Weber, analista da Geração Futuro. "Não foi um trimestre ruim, mas no segundo semestre o cenário deve melhorar. O setor de alimentos vende produtos de maior valor agregado nessa época, e isso vai ocorrer no momento em que os preços de milho e soja estão em queda", afirma.
Em decorrência, principalmente, dos maiores custos, o resultado líquido do setor de agronegócio sem o JBS passou de um lucro de cerca de R$ 400 milhões no segundo trimestre de 2007 para um prejuízo de R$ 311 milhões no mesmo período deste ano.
A receita líquida das 23 empresas analisadas foi de R$ 18,5 bilhões no segundo trimestre, volume 119% maior que o do mesmo período de 2007 - sem os dados do JBS, o crescimento foi de 58,5%, para R$ 11,8 bilhões. A margem bruta das companhias caiu de 24,4% para 18,2%.
Mais uma vez a variação da margem bruta pode ser creditada, em grande parte, ao JBS. A companhia brasileira comprou, em 2007, a Swift, terceiro maior frigorífico dos Estados Unidos, por US$ 1,4 bilhão. "Lá, com custos em dólar, a margem é menor, mesmo que o mercado seja de produtos de maior valor agregado", diz o analista Rafael Weber. Excluído o JBS, a margem bruta, indicador que revela quanto das vendas feitas pelas empresas sobra depois de descontado o custo das mercadorias, passou de 24,5% para 23,4%.
A dívida total bruta (sem JBS) cresceu 51,2%, para R$ 14,4 bilhões. A relação entre dívida bruta e patrimônio líquido, também sem os dados do JBS, passou de 81,2% para 96,7%. "As dívidas aumentaram, mas grande parte foi para aquisições, crescimento. E para crescimento há boas perspectivas, caso a demanda seja mantida", afirma o analista.
"O segundo semestre é sempre melhor que o primeiro, mas o segundo trimestre já não havia sido ruim, ao menos para o cenário que existia, de custos muito elevados", diz Andrés Kikucki, analista da Link Investimentos. "O setor de alimentos tem um bom terreno para expansão também porque as empresas têm anunciado projetos fora das regiões Sul e Sudeste, que apresentam grande potencial."
Alguns dos grandes reveses enfrentados por novatas na Bovespa são de empresas do segmento do agronegócio. A Agrenco, ligada à cadeia de processamento de soja, fez oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) em outubro de 2007, mas sequer entrou no levantamento porque ainda não publicou o balanço do segundo trimestre. A empresa tem enfrentado problemas de liquidez e aumento da dívida, teve três dos ex-controladores presos por acusações que vão de corrupção a sonegação fiscal, segundo a Polícia Federal, e entrou com pedido de recuperação judicial no fim de agosto. No momento, a companhia negocia com potenciais interessados em na compra do controle.
A produtora de biodiesel Brasil Ecodiesel, abatida pela disparada do preço da soja, matéria-prima que é a base da indústria nacional do combustível, pelo custo da ociosidade das usinas e também por provisões para uma série de perdas, reportou um crescimento de prejuízo de 495% no segundo trimestre, para R$ 82,5 milhões. A companhia, que chegou à Bovespa em novembro de 2006, anunciou em agosto um plano de renegociação de débitos que somam R$ 205,8 milhões.
"Os problemas enfrentados pela Brasil Ecodiesel foram mais dela do que um movimento generalizado no mercado", diz o analista Andrés Kikucki, da Link, ainda que o pano de fundo para todo o segmento de agronegócios da bolsa tenha sido o de aumento de custos com a disparada dos preços das commodities agrícolas. "Não dá para avaliar todas as empresas em virtude dos problemas de algumas."
Mesmo que sejam feitas as ressalvas para separar o que foi problema exclusivo de Agrenco e Brasil Ecodiesel e o que houve de revés para o mercado em geral, o fato é que casos como os das duas companhias adicionaram uma desconfiança extra nos credores. "O financiamento para a próxima safra [2008/09] tem estado mais apertado. Casos como o da Agrenco afugentaram os credores", disse um analista ouvido pelo Valor.
Veículo: Valor Econômico