Movidos a vitrines

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Era outubro de 2008, a crise financeira espalhava-se mundo a fora, carregada de uma robusta e interminável safra de notícias ruins. Mas, na distante Porto Velho, capital de Rondônia, o clima era de festa. No melhor estilo dessas comemorações que reúnem autoridades, empresários e uma ou outra celebridade local, 40 mil pessoas - o equivalente a 10% da população da cidade - saiu às ruas para assistir o corte de um imenso laço vermelho que simbolizava a inauguração do primeiro shopping center do Estado. Mais do que atrair olhares curiosos (e eles eram muitos) - ávidos para ver de perto a primeira escada rolante da cidade, o primeiro cinema e a primeira fornada de Big Macs -, o evento sugeria que o setor de shopping centers brasileiro passaria praticamente ileso pela crise global.

 

O que era um festejo no interior da região Norte do país se comprovaria depois como um sinal e se consolida agora com a previsão do lançamento de, pelo menos, 30 novos projetos em 2011 - o maior número na história recente do setor. Para o ano que vem, aguarda-se a abertura de 18 novos empreendimentos, a maior parte já em execução e que demandarão aporte superior a R$ 3,5 bilhões - considerando-se, nessa conta, o valor médio de R$ 200 milhões por unidade, segundo cálculos da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).

 

Ao longo deste ano foram abertos oito shoppings e até dezembro espera-se a inauguração de outros sete. "A partir de 2011, teremos o anúncio de mais de 30 empreendimentos", adianta Luiz Fernando Veiga, presidente da Abrasce. Uma conversa com Veiga esbanja otimismo, estado de espírito que o próprio comprova, logo em seguida, ao demonstrar dados estatísticos.

 

No primeiro semestre, as vendas aceleravam 5%, em média, mas em junho, isoladamente, o percentual pulou para 6%. No ano, o faturamento do setor deverá aumentar 8% sobre os R$ 64,6 bilhões apurados no ano passado. A taxa de vacância (lojas desocupadas), que historicamente dançava no patamar entre 5% e 6%, nos últimos cinco anos, despencou para uma média de 2,5% em 2009.

 

"Com tanta oferta, o natural, ou esperado, seria ter mais lojas desocupadas, o que não se confirmou", diz, para em seguida explicar que os dados comprovam que os lojistas estão acompanhando os movimentos de expansão do setor pelo Brasil.

 

O Porto Velho Shopping pode ser um bom exemplo da migração do capital dos grandes centros - em particular o eixo Rio-São Paulo - para regiões ainda não exploradas.

 

O negócio, que demandou R$ 150 milhões, é um investimento do grupo Ancar Ivanhoe, que enxergou, em desbravar o Estado de Rondônia, uma oportunidade de expandir e ainda levar os tradicionais parceiros para um novo mercado. "Nas pesquisas identificamos dados curiosos, como o hábito entre as pessoas da cidade de encomendar a um amigo que lhe trouxesse um Big Mac congelado de uma viagem para algum Estado vizinho, como Mato Grosso", comenta Ilton Nóbrega, diretor do grupo para a região Norte. "Não havia McDonald´s no Estado e obviamente isso só comprovou que investir ali era mesmo uma alternativa interessante."

 

O grupo Ancar conseguiu "importar" parceiros, como o grupo Cine Araújo, terceira maior rede de cinemas do país, que aportou R$ 4,7 milhões para abrir seis salas de cinema do shopping de Rondônia. "Nem precisei fazer ´business plan´, porque se há grandes grupos investindo mais de R$ 15 bilhões em duas grandes hidrelétricas, significa que ali haverá expansão", afirma Marcos Araújo, dono da rede.

 

"Vamos fechar o ano antecipando em dois anos a nossa meta de vendas de ingressos." O preço médio do ingresso é de R$ 9. E o grupo Araújo, que vende 6 milhões de ingressos nas suas mais de 90 salas espalhadas pelo Brasil, esperava comercializar, lá em Rondônia, 400 mil ingressos anuais apenas no terceiro ano de funcionamento.

 

O que acontece no Norte do país não é um fenômeno isolado. Mas que se replica pelo mapa verde e amarelo, ao longo de todo o seu território - tanto nas grandes capitais como também em cidades de menor porte, entre 200 mil e 400 mil habitantes, e que ainda não hospedam shoppings centers.

 

Com investimentos da ordem de R$ 160 milhões, a Shopinvest - empresa do grupo carioca João Fortes - e a catarinense Ghislandi, acabam de lançar o Shopping Park Europeu, na região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

 

O Estado é conhecido por ser uma espécie de "patchwork", uma vez que as cidades não têm mais do que 300 mil habitantes, nem mesmo a capital, a ilha de Florianópolis. Esse é o primeiro grande projeto da Shopinvest desde sua associação com a João Fortes, em 2007. E começa a ser executado em janeiro de 2010, com previsão de inauguração em 2011, na Via Expressa que liga o centro de Blumenau à BR-470.

 

Para o analista do Banco Santander, Marcelo Milman, o vigor do segmento de shopping centers no Brasil é reflexo de uma conjunção de fatores. Entre os quais, o especialista que acompanha o setor há mais de seis anos cita a melhora substancial na captação de recursos para alocar nesses empreendimentos.

 

"São negócios que exigem entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões, e antes havia dificuldades no mercado para se obter linhas de financiamento. Por isso era comum ver um empreendimento pulverizado entre tantos sócios", observa. Agora, além de facilidade nas linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e da queda nos juros, os investidores também se aproveitaram da boa maré no mercado de capitais, fazendo ofertas de ações em troca de generosas cifras de dinheiro.

 

No segundo trimestre, BR Malls, Multiplan e Iguatemi - que já haviam estreado recentemente na bolsa de valores - voltaram ao mercado e amealharam em torno de R$ 2 bilhões na Bovespa, com uma nova rodada de venda de ações ("follow-on offering"). Agora, aguarda-se o desembarque da Aliansce, quarta maior empresa de shoppings do país, que enviou prospecto para a abertura de capital na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ser listada na Bovespa. Mas ainda não fez a sua operação.

 

No ano, essas empresas varejistas acumulam alta superior a 150%, enquanto a valorização do Ibovespa está na casa dos 80%. A alta dos papéis mostra a recuperação, após sucessivas quedas drásticas no ano passado, e também melhoram a liquidez, após a segunda emissão. Hoje negociam algo como cinco milhões de papéis por dia, enquanto a média anterior não passava de dois milhões.

 

O analista do Santander observa que os recursos captados pelas companhias deverão ser destinados a novos investimentos. Até porque, diferentemente de outros setores, aqui e no exterior, BR Malls, Multiplan e Iguatemi não possuem alavancagem elevada. "Em outros países, por exemplo, as empresas de shopping centers estão mais endividadas, numa proporção de até dez vezes a geração de caixa, enquanto no Brasil, essa proporção é de apenas uma vez."

 

O mercado brasileiro, além disso, apresenta peculiaridades que alguns outros países não têm, como a baixa concentração de vendas do comércio nos shoppings. Enquanto no México 40% das vendas do varejo são feitas em shoppings, no Brasil esse percentual está em menos de 20%. Há, portanto, muito espaço ainda para crescer.

 

Aqui, a área bruta locável (ABL) é de 48 metros quadrados por mil habitantes. Já nos países da União Europeia essa proporção sobe quatro vezes.

 

Luiz Fernando Veiga, da Abrasce, observa também que o dinamismo do mercado brasileiro - que já atraiu importantes grupos internacionais - pode agora estimular o apetite de grandes cadeias varejistas, dispostas a investir em lojas-âncoras de futuros empreendimentos. A americana Target é um exemplo dessas varejistas.

 

Há uma outra característica interessante e genuinamente tropical. Ao contrário dos Estados Unidos - onde há grandes cadeias de lojas com um único controlador, a exemplo da GAP - no Brasil os operadores, como franquias, são regionais e de vários donos. Isso quer dizer que, se um lojista no Nordeste não vai bem, um do Sudeste pode compensar uma eventual perda. E vice-versa. Essa teia de pequenos lojistas, mais conhecida como "lojas-satélites" no jargão do setor, ajuda a compor uma receita homogênea, eliminando a dependência de ficar nas mãos dos grandes clientes - as poderosas lojas-âncoras.

 

Some-se a isso outro fator fundamental: os contratos entre lojistas e o shopping são de longo prazo (no mínimo cinco anos, com correção pelo IGP-M). E o valor a ser pago pelo lojista é variável, valendo sempre o maior de duas opções - ou o lojista paga ao shopping um aluguel mínimo definido no contrato ou paga um percentual sobre as vendas daquele mês. Como sempre vale o maior valor, o setor não foi tão afetado, no curto prazo, com queda no faturamento das lojas.

 

Mesmo que as vendas tenham caído, aqui e ali, no varejo durante a crise, Veiga, da Abrasce, observa que o aumento de poder de compra da classe C "segurou" o comércio. Hoje, como já se sabe, a classe média representa metade da população brasileira - que, com renda entre R$ 912 e R$ 1,4 mil, já compra quatro de cada dez computadores vendidos no país e tira da carteira sete de cada dez cartões de crédito em circulação.

 

"A classe C conquistou o seu espaço e não vai deixar de ir às compras", assegura Veiga.

 

Também começa a ganhar força no Brasil a aposta no conceito multiuso - empreendimentos com torres comerciais e residenciais em seu entorno. Em alguns casos, até mesmo universidades e hotéis passaram a fazer parte do complexo. "A ideia é ter tudo em um mesmo lugar", diz Nóbrega, do grupo Ancar.

 

O primeiro empreendimento do grupo a ter uma universidade foi o shopping Nova América, no Rio. A parceria iniciou-se há cinco anos e hoje mais de 4,5 mil alunos frequentam o campus "hospedado" no shopping. A experiência foi replicada em Cuiabá e, em breve, deverá ser exportada também para o recém-contemplado Estado de Rondônia.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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