A Convenção 158 da OIT e seus efeitos

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A interação entre os direitos humanos sociais relativos ao trabalho e o comércio internacional apresenta complexos planos de discussão. Comumente é questionada, de forma calorosa, se a liberalização do comércio internacional acarretará ou não o aumento do número de empregos nos países que a adotarem. De fato, presenciamos um intenso deslocamento de empresas ou setores inteiros de produção dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos em busca da melhoria da competitividade, ocasionando a redução dos postos de trabalho, manifestações públicas, lobbies no legislativo e pressão para o aumento do protecionismo. O que é importante ressaltar, entretanto, é que o livre comércio cria empregos ao mesmo tempo que os destrói. 

 

O comércio internacional promove a migração interna dos trabalhadores especializados das indústrias prejudicadas para os setores de maior competitividade, o que acarreta num refluxo de recursos. Esse deslocamento da mão-de-obra se torna necessário para explorar as vantagens comparativas e pode ser apresentado sob a forma de falência de empresas ou perda de empregos em algumas partes da economia e, por outro lado, abertura de outros setores e aumento na produção e investimentos e novos postos de trabalhos em outras áreas. O desafio principal é, portanto, ter agilidade em completar essa fase de alocação dos fatores de produção em áreas de maior vantagem comparativa. 

 

A rapidez aumenta as chances de implementação e consolidação dos direitos humanos sociais ligados ao trabalho. Nesse processo, são fundamentais as políticas de proteção social ou que se alcance a governança entre as instituições do mercado de trabalho para melhor gerir essa transição na medida correta, sem, contudo, retirar a competitividade dos setores por medidas populistas ou excessivamente protecionistas ligadas ao emprego, por meio de encargos sociais. Trata-se, portanto, da proteção efetiva ao trabalhador e não aos empregos. 

 

Assim, não pode ser confundida a necessidade de melhor governança e gestão dos dispositivos legais para seguridade social para proteção dos trabalhadores com o estabelecimento indiscriminado de segurança ao emprego em qualquer circunstância, até porque eficiência e segurança no emprego são "trade-offs", altamente nocivos para o processo de criação e destruição. Nesse sentido, a proposta do governo brasileiro pela aprovação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 158 é inadequada e, desta forma, entendo que a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional agiu com acerto ao rejeitar, no dia 2 de julho, por 20 votos a 1, a adesão do Brasil a esta convenção. Contudo, a matéria pode ser passível de rediscussão pelo plenário com fulcro na Constituição Federal , artigo 49, inciso I, e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), com base no regimento interno da Câmara dos Deputados, artigo 32. 

 

A critica que deve ser feita à proposta do governo é que ao estabelecer a impossibilidade pelo empregador de dispensar sem justo motivo os trabalhadores, evita-se e posterga-se o reajuste necessário demandado pela globalização. Tal projeto mantém o foco de proteção social equivocado, pois protege o "posto de trabalho" e não estabelece qualquer medida de proteção ao trabalhador para fins de readequação de sua força de trabalho em outros setores de maior competitividade ou vantagem comparativa. Prejudica ainda a competitividade nacional e incentiva a manutenção da produção e a locação da mão-de-obra em setores de baixa competitividade. O projeto também não acarreta qualquer efeito na diminuição da exclusão social ou dualização do mercado, eis que protege apenas os que já detêm o vínculo empregatício. Pelo contrário, pode até agravá-los, pois engessam as empresas nas hipóteses de adaptação ao mercado global. E, por fim, causa danos à eficiência das empresas brasileiras, seja pelo inevitável aumento da informalidade do mercado de trabalho após a adoção das medidas de proteção, seja pelo fato de acarretar o aumento dos encargos sociais decorrentes da contratação da mão-de-obra. 

 

A proposta do governo é medida paliativa e sem qualquer justificativa ou objetivo que vise preparar o Brasil para enfrentar os novos desafios da globalização em sua busca pelo desenvolvimento econômico social e efetiva implementação dos direitos humanos sociais ligados ao emprego. Denota, ainda, a complexidade das relações entre os direitos de segunda geração e o comércio internacional no âmbito da globalização pois, nesse caso, invertem-se as relações de causa e efeito entre os campos. 

 

A implementação da Convenção nº 158 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro, portanto, buscava proteção efetivada pelo Estado, de natureza prestacional ou por obrigações concretas a particulares, desvinculadas de uma análise macroeconômica, com o intuito de proteger o emprego, podendo acarretar a diminuição do comércio pelo enfraquecimento da competitividade. 

 

Jorge Gonzaga Matsumoto é advogado da área de direito do trabalho do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados 

 

Veículo: Valor Econômico


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