Ritmo atual de lançamentos e aumento do crédito estimulam a compra em vez do reparo
A rápida evolução tecnológica que tem pautado os lançamentos de eletroeletrônicos, eletroportáteis e mesmo de eletrodomésticos de linha branca, combinada à facilidade na obtenção de crédito no varejo, criaram uma situação inusitada em um dos mais tradicionais ramos de serviço do país. As assistências técnicas sofrem com a baixa demanda por conserto de aparelhos que estão fora da garantia. Quando algo quebra, muitas vezes, o consumidor prefere comprar outro produto, em vez de investir em um conserto que pode chegar à metade do valor de um similar, novinho.
Há cinco anos, segundo o Sindicato dos Empregados e Trabalhadores em Empresas de Conservação e Assistência Técnica de Eletrodomésticos e Eletroeletrônicos do Estado de São Paulo, as demandas por consertos fora da garantia e dentro da garantia eram de 60% e 40%, respectivamente. "Hoje, podemos estimar que 95% da demanda é de produtos dentro da garantia", diz João Carlos Fernandes, presidente do sindicato, que reúne cerca de 5 mil filiados.
Pesquisa feita pela empresa Sophia Mind, do site Bolsa de Mulher, com exclusividade para o Valor, confirma a disposição para comprar no lugar de consertar. O levantamento indicou que 68% das entrevistadas preferem comprar outro liquidificador, por exemplo, a mandar o aparelho para o conserto (ver texto ao lado).
Quando se trata de produtos na garantia, diz Fernandes, as assistências técnicas são remuneradas pelos fabricantes. "Mas nesse caso o preço do serviço é tabelado", diz ele, diferentemente do que acontece em consertos fora da garantia. Segundo ele, nos últimos anos, o total de pessoal empregado no ramo - cerca de 20 mil no Estado - caiu 15%. "Mas o nível de contratações voltou a crescer no último ano, por conta do aumento da demanda por produtos na garantia".
O Grupo SPTV, dono de 34 lojas na Grande São Paulo, litoral e interior paulista, confirma que os consertos deixaram de ser maioria nas ordens de serviço. "Há oito anos, pelo menos 80% da demanda era por conserto de produtos", diz Walter Andrade, gerente do Grupo SPTV. Hoje, diz ele, essa proporção está "meio a meio". Mas a demanda por consertos varia de acordo com o produto, ressalta. O caso mais crítico é o de DVD. "Se o problema está no leitor ótico do aparelho, é melhor comprar outro", diz Andrade, lembrando que as assistências sofrem de um lado com a falta de peças e, de outro, com as promoções do varejo incentivando uma nova aquisição.
Segundo as assistências técnicas, a obtenção da peça de reposição está cada vez difícil. Os fabricantes ampliaram o mix e aceleraram o ritmo de lançamentos, justamente para incentivar o consumo. "Estamos no mesmo nível de Estados Unidos, Coreia e Japão em nível de lançamentos, o que faz com que a indústria se dedique pouco a peças de reposição, uma vez que muitos produtos saem logo de linha", diz Fernandes. Ironicamente, o próprio presidente do sindicato das assistências técnicas foi vítima da falta de peças. "Mandei um telefone Nextel para o conserto e demoraram quatro meses para dizer que não tinha jeito".
A queixa não é de agora. "As assistências reclamam que não podem prestar um serviço adequado por não terem peças", diz Selma do Amaral, assistente de diretoria do Procon-SP. "Mas, por lei, o fabricante deve garantir peça de reposição dentro do período de vida útil do produto", afirma.
As fabricantes se defendem. Segundo a Samsung, não há falta de peças no mercado. "Cerca de 15% do estoque que gira é fabricado aqui no Brasil", diz Paulo Lessa, gerente sênior da área de serviço ao consumidor da Samsung. O restante, diz, chega em até 40 dias às assistências técnicas. "Em celulares, por exemplo, caso a assistência não seja capaz de atender em uma semana, a loja empresta um aparelho ao cliente", diz ele, mas o número de aparelhos é limitado.
Desde 2006, a multinacional tem um programa para transformar assistências multimarcas em lojas exclusivas da Samsung. Até 2009, eram 16 no país e a meta para este ano é chegar a 20 pontos. "A demanda por assistência de produtos da marca aumentou cerca de 30% no ano passado, seguindo o crescimento do consumo, e as lojas exclusivas podem prestar uma melhor qualidade de serviço, além se servirem como show room", diz Lessa. Segundo ele, nesses pontos, a Samsung faz o monitoramento on-line de todos os pedidos, da chegada à loja à entrega ao cliente.
Para o Grupo SPTV, no entanto, não vale a pena ser exclusiva. "Essas lojas têm preferência no recebimento das peças, mas a clientela fica muito restrita", diz Andrade. Fernandes, do sindicato, concorda. "Para sobreviver hoje, tem que ser multimarca", afirma. E, nesse caso, diz ele, vem aumentando a prestação de serviços das assistências para seguradoras que fornecem a grandes varejistas, como Fnac e Carrefour, a extensão da garantia. Mas aí é hora do consumidor ficar preocupado, diz Selma, do Procon-SP. "É preciso ficar atento às letras miúdas do contrato e saber, exatamente, o que está segurado".
Veículo: Valor Econômico