Nova companhia aumenta pressão sobre liderança da BR na distribuição de etanol

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A união da Shell e da Cosan, o maior investimento de uma empresa de petróleo em biocombustível feito até hoje, aumenta a pressão sobre a liderança histórica da BR Distribuidora em pelo menos um dos segmentos da distribuição de combustíveis. Apesar de ainda manter-se líder no mercado geral, na distribuição de etanol a subsidiária da Petrobras sente mais uma concorrente privada no seu calcanhar. A BR tem 32,5% do total, contra 29,2% da nova companhia. A BR já é seguida de perto pelas duas bandeiras do grupo Ultra (Texaco e Ipiranga), que somadas tem 29,6% do segmento de etanol.

 

A associação entre a multinacional e a brasileira causou surpresa, em termos, na sede da BR, no bairro carioca do Maracanã (zona norte). A empresa não quis falar oficialmente sobre o negócio, mas executivos ouvidos pelo Valor entenderam a união como um movimento coerente com as mudanças em curso no mercado brasileiro de distribuição. Após uma tendência à pulverização, quando a abertura do mercado de petróleo e derivados, no fim da década de 90, permitiu a existência dos chamados postos de bandeira branca, a tendência agora é a concentração nas não de empresas de maior porte. Ao mesmo tempo, a operação foi vista como o aproveitamento pela Shell de uma oportunidade de se posicionar bem no mercado de combustíveis renováveis, após ter reduzido substancialmente sua fatia no mercado de distribuição de derivados de petróleo no Brasil.

 
 
A Shell, lembram os executivos da BR, deixou de vez vários mercados latino-americanos de distribuição, como Colômbia e Uruguai, agindo de acordo com uma análise predominante entre as grandes empresas mundiais de petróleo segundo a qual a prioridade era a exploração e produção e que o refino e distribuição só era importante naqueles locais onde a empresa tivesse uma presença muito significativa. Foi durante esse período que por várias vezes surgiu no Brasil de que a área de distribuição da multinacional anglo-holandesa estava à venda. Naquela época, a Shell estava preocupada com a concorrência predatória de empresas beneficiadas por liminares para não pagar tributos e até com a venda de combustíveis adulterados.

 

Quanto à concorrência futura por parte da nova associação, os executivos da BR preferem aguardar os acontecimentos. Mas um deles lembra que o movimento mais significativo da Shell nesse caminho ocorreu em maio do ano passado, quando ela adquiriu, por US$ 75 milhões, a área de querosene de aviação (QAV) da própria Cosan. Com a compra, a Shell, ex-lider desse segmento, ficou com 40% do mercado, contra quase 60% da BR.

 

A nova empresa terá forte presença no Sul e Sudeste e poderá gerar algum tipo de manifestação por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). "O Cade deverá fazer uma análise criteriosa, mas trata-se de um mercado que já é bastante concentrado", diz o sócio-gestor da DLM Invista, Luiz Iani. "Pode haver uma ou outra restrição, mas o negócio deve ser aprovado. O setor roda com margem (lajida) em torno de 3% e precisa de escala para conseguir margens mais razoáveis."

 

A onda de consolidação resultou ainda em maior nacionalização da atividade. Enquanto a rede Texaco foi comprada pelo grupo Ultra, que também levou uma parte dos ativos de distribuição da Ipiranga - outra parte ficou com a Petrobras -, a Esso no país foi adquirida pela Cosan.

 

A entrada da Shell em biocombustíveis é vista também como uma importante cartada no comércio mundial de etanol. Já é a terceira petrolífera a participar da produção de biocombustíveis no Brasil em menos de um ano. Com essa parceria, a fatia de capital de multinacionais no setor sucroalcooleiro atinge 23%, ante os 18% estimados no fim do ano quando a Bunge comprou a Moema Participações. A tendência, segundo analistas, é de que taxas de importação e outras barreiras comerciais arrefeçam. A força das petroleiras devem será aliada no pleito de transformar o etanol em commodity.

 

A parceria vai alavancar a posição da Shell como distribuidora líder em biocombustíveis no mundo. A empresa há alguns anos investe em pesquisa de etanol celulósico, por meio da Iogen, empresa de pesquisa em biotecnologia da qual a Shell detém 50% de participação. Esse ativo também entrará na composição da nova empresa, assim como os 14,7% de participação na Codexis, outra companhia de pesquisa voltada para tecnologias limpas.

 

"Com essa parceria, vamos avançar na posição de primeiro na distribuição de biocombustíveis", disse Mark Willams, diretor mundial de Dowstream da Shell, que participou ontem de Londres da coletiva de imprensa em São Paulo por vídeo-conferência.

 

A primeira petrolífera a entrar na produção de etanol no Brasil foi a British Petroleum (BP), que adquiriu 50% de participação de uma usina em Goiás no segundo semestre de 2009. Em seguida veio a Petrobras, que no fim do ano passado comprou 40% de uma usina em Minas Gerais.

 

O forte posicionamento das petrolíferas se deve a perspectivas de crescimento substancial no uso de etanol, afirma Plínio Nastari, da Datagro. A começar pelo mercado americano que neste ano novamente colocará em votação o fim da taxa de importação de etanol - de 0,54 centavos de dólar por galão - que não inviabiliza, mas dificulta a entrada do etanol brasileiro no mercado americano, na medida em que a exportação só se viabiliza em condições muito favoráveis de câmbio e preços. A União Europeia também definiu o uso de 10% de biocombustíveis até 2020.

 

Cerca de 70% do patrimônio da Cosan, maior produtora de etanol do mundo com produção anual de 2 bilhões de litros, irá para a nova empresa. A dívida líquida da brasileira, de cerca de R$ 2,5 bilhões, também será incorporada à nova empresa. A área de lubrificantes ficou fora do negócio, assim como suas atividades logísticas desenvolvidas via Rumo Logística e a área imobiliária. Assim, Ometto estima que em torno de 80% do Ebitda (geração de caixa) da Cosan irá para a sociedade com a Shell.

 

A presidência do conselho de administração (ou órgão equivalente) será de Rubens Ometto Silveira Mello, atual presidente do conselho de administração da Cosan. Ambas terão 50% do negócio, afirma Ometto . O executivo estima que a empresa resultante terá faturamento estimado em R$ 40 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões virão do negócio de distribuição. "Trata-se de um setor com faturamento alto, mas margens menores do que as de produção de açúcar e etanol", pondera Ometto.

 

Além dos ativos, a Shell fará um aporte de US$ 1,625 bilhão ao longo de dois anos, recurso cuja aplicação ainda será objeto de planejamento, segundo Ometto. "Poderemos reduzir passivo, escolhendo dívidas que queremos manter. A distribuição já está bem posicionada, assim como a produção de açúcar e álcool", acrescenta Ometto. A Cosan também estima que a Shell possa fazer um aporte adicional de US$ 300 milhões ao longo de cinco anos, como contribuição baseada em ganhos futuros.

 

Ainda não há uma definição sobre qual marca será preponderante no negócio. O presidente da Shell no Brasil, Vasco Dias, garantiu que não haverá grandes sobreposições de postos. "A Esso e a Shell já conviviam sem canibalização. A sobreposição será mínima", afirmou.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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