Na meio da floresta do Pará, dinheiro dá em penca

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Uma frutinha de pelugem marrom, que lembra o kiwi, mas apresenta polpa amarelada, rala, com uma amêndoa difícil de quebrar, tem provocado mudanças importantes na vida de 157 famílias no interior do Pará. Elas são as novas fornecedoras do murumuru para a Natura, a maior fabricante brasileira de cosméticos, que faz uso do fruto em um dos sabonetes premium recém-lançados pela linha Ekos. A atividade extrativista do murumuru está incrementando em até 50% a renda das famílias envolvidas, que são representadas por seis cooperativas.

 

O murumuru, que dá em penca, no alto de uma palmeira, andava esquecido no meio da floresta. As famílias não viam muita utilidade no fruto, típico da região amazônica, nem mesmo para alimentação. Pelo contrário: a árvore apresenta espinhos pontudos em toda a sua extensão, que incomodava os moradores, até então sempre prontos a derrubá-la. Seu espaço costumava ser ocupado por culturas mais rentáveis, como a do açaí. Até que a Natura resolveu pagar R$ 2,53 pelo quilo da amêndoa, negociado por meio de cooperativas. O primeiro contato aconteceu em 2007, mas o fornecimento só começou ano passado.

 

"Algumas famílias trazem o murumuru com a polpa, que acaba servindo de alimento para as galinhas", explica Márcio da Silva Ramos, presidente da Cooperativa Mista dos Agricultores Entre os Rios Caeté e Gurupi (Coomar), situada em Santa Luzia do Pará, a 200 quilômetros de Belém. Quando maduro, o murumuru cai do pé e os moradores costumam deixá-lo na floresta mesmo, em sacos, sob as palmeiras. A polpa, apodrecida, é mais fácil de ser retirada (manualmente ou pelas galinhas). "Daí eu deixo a amêndoa no sol e espero até oito dias para secar", diz Prisco Alexandre dos Reis, 54 anos, morador de Jacarequara, comunidade quilombola associada à Coomar, que se tornou fornecedora da Natura. A presença da empresa na região virou até moda de viola: "Eu não vou mais tirar malva, que me dá só prejuízo, quando a gente fica velho, fica cheio de reumatismo/ Agora eu já falei, vou andar atrás de tu, vou ganhar a mata, ajuntar murumuru/ A Shalla me falou que é pra mim cantar direito, ajuntar murumuru, que é pra fazer sabonete/ Quando tem murumuru, todo mundo quer juntar, levar lá pra Natura, olha o pé como é que está".

 

O autor é Antônio dos Santos Castro, violeiro oficial da região. Morador de Pimenteira, outra comunidade quilombola próxima a Santa Luzia do Pará, Castro explica que a malva é "uma fibra que cresce na roça, bem grandona" e que dá muito trabalho para apanhar. "Mas o murumuru é só esperar ele cair e pronto", diz o violeiro, de mais de 60 anos. A "Shalla" citada na canção é Shalla Silva, técnica florestal da Natura, uma das responsáveis pelo relacionamento com a comunidade. Assim como outros moradores, Castro, conhecido como "Baixinho", não via graça no gosto do murumuru. "É muito insosso", diz ele. "Melhor é o dinheiro mesmo, não?"

 

Embora pareça pouco, principalmente perto do preço do produto final (o potinho de 50 gramas do sabonete de murumuru em lascas custa R$ 29,70), os R$ 2,53 pagos por quilo vêm resolvendo a vida de muita gente. Como a da família de Elma Silva dos Reis, 22 anos, filha do "seu" Prisco. A renda mensal obtida pelos pais e pelos quatro irmãos de Elma cresceu 50%, chegando a R$ 1 mil mensais, desde que a Natura passou a comprar o murumuru. A quantia foi suficiente para permitir que Elma e o irmão mais novo, de 17 anos, se mudassem para Santa Luzia do Pará, a fim de completar os estudos.

 

"A Natura veio melhorar nossa renda", diz a jovem, que agora cursa o primeiro ano de magistério. "Quero me formar e voltar para dar aula aqui, a nossa comunidade está carente de profissionais para educar nossas crianças e os nossos jovens", afirma. Em Jacarequara, às margens do rio Guamá, as mais de 100 crianças contam apenas com uma escola que oferece o antigo curso primário (1ª a 4ª séries). "São só três professores e não temos pré-escola".

 

Aqueles que avançam nos estudos precisam vencer os 47 quilômetros, 15 deles em estrada de terra, que ligam a comunidade à Santa Luzia do Pará. "As crianças vão de caminhão, bancado pela Prefeitura, que diz que o ônibus não aguenta a estrada", diz Elma. O caminhão busca os estudantes às 11h e os deixa em casa às 20h. Isso quando não quebra. Nesse caso, as crianças precisam chegar em casa a pé, à noite e, não raro, com chuva. "É precária a situação".

 

Este ano, por conta de novos produtos, a Natura dobrou os recursos repassados às comunidades extrativistas. Serão destinados R$ 2,6 milhões a 1,7 mil famílias. No início de 2009, uma polêmica veio à tona envolvendo o murumuru. O Ministério Público do Acre questionou a empresa sobre o acesso ao conhecimento tradicional associado ao fruto. A dúvida era se a Natura o havia obtido por meio de um pesquisador que trabalhou com os índios ashaninka, do Acre, que cultivam a espécie. A prática poderia configurar biopirataria. A empresa declarou ter conhecido as propriedades do murumuru por meio de estudos internos, com base em bibliografias científicas existentes desde 1941.

 


Veículo: Valor Econômico


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