Marketing de remédio gera onda de ações contra Johnson

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O Risperdal da Johnson & Johnson (J&J) era, sob determinados aspectos, o sonho de um laboratório farmacêutico. No seu auge, em 2007, o medicamento antipsicose produziu US$ 4,5 bilhões em receitas. Mas também abriu um "armarinho de remédios" repleto de problemas legais. Há ações em curso contra a J&J em 10 Estados americanos acusando a companhia de ter estimulado o uso "extra bula" do Risperdal - ou seja, usos não aprovados pela Agência Fiscalizadora de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA). E em janeiro deste ano, o Departamento de Justiça dos EUA processou a J&J num tribunal federal em Boston, alegando que a empresa pagou propinas à Omnicare (OCR) - maior fornecedora americana de medicamentos para pacientes em "lares de idosos" -, para que comprassem e recomendassem o Risperdal e outros medicamentos.

 

Documentos de uma ação judicial iniciada pelo Estado da Louisiana, acusando a J&J de marketing "extra bula" lançam nova luz sobre o velho desejo da empresa de ampliar o mercado do Risperdal, propagandeando-o para uso em doenças não inicialmente listadas na bula: transtornos psicóticos associados à esquizofrenia. A J&J divulgou os documentos do processo, iniciado no tribunal distrital de Opelousas em setembro de 2004, depois que a Bloomberg pediu ao tribunal que os tornasse públicos. O caso está previsto para ir a julgamento em setembro.

 

Já em 1994, revelam os documentos anexos ao processo, a FDA ordenou que a Janssen Pharmaceuticals, controlada pela J&J e desenvolvedora do Risperdal, cessasse de emitir afirmações falsas e errôneas da superioridade do medicamento sobre concorrentes. Em 1999, por carta, a FDA advertiu a J&J que seus materiais de divulgação para pacientes geriátricos - como livretos, anúncios em jornais e cartas, exageravam os benefícios do Risperdal, ao mesmo tempo em que minimizavam seus riscos. A carta afirma que a J&J sugeria enganosamente ter-se descoberto que o Risperdal era eficaz em casos de transtorno bipolar e psicose em idosos. Meses depois, a J&J elaborou um plano de negócios tendo como alvo um aumento da participação de mercado do Risperdal em tratamentos para demência em idosos, visando US$ 302 milhões em vendas, segundo documentos no processo.

 

O Estado da Louisiana cita dezenas de arquivos internos da J&J em sua ação judicial, alegando que a companhia promoveu o marketing do Risperdal tendo como alvo idosos e crianças para usos "extra bula" não aprovados.

 

A J&J, com sede em Nova Jersey, nega envolvimento no marketing para usos "extra bula" e não reservou dinheiro para um acordo. A empresa afirma que vai enfrentar a ação judicial, na qual a Louisiana reivindica centenas de milhões de dólares em multas e reembolso do dinheiro público gasto com Risperdal. A Louisiana "não cita nenhuma evidência de que a Janssen distorceu informações ou envolveu-se na divulgação do Risperdal para usos extra bula," disse a J&J, em 30 de novembro de 2009, em documentos judiciais que pediam a um juiz do Estado da Louisiana que arquivasse o caso. Por e-mail, um porta-voz da Janssen disse à reportagem: "O litígio com a Louisiana deve ser decidido com base no corpo de provas, inclusive depoimentos, e não com base em excertos de documentos que podem ser citados seletivamente".

 

Pela lei dos EUA, os médicos tem liberdade para tratar os pacientes com qualquer medicamento, desde que a FDA considere-o seguro e eficaz contra ao menos uma doença. Mas é ilegal, para as empresas farmacêuticas, fazerem afirmações falsas ou promover medicamentos para fins "extra bula".

 

Os documentos judiciais revelam que a Janssen tentou vender Risperdal para transtorno bipolar, demência, transtornos de humor e ansiedade e outros usos não aprovados. Os representantes comerciais da Janssen divulgaram a medicação em lares de idosos, em unidades da Veterans Administration e em prisões, e também forneceram a médicos materiais sobre estudos envolvendo usos não aprovados. Com o passar do tempo, a FDA concluiu que o Risperdal mostrou-se eficaz em diversas doenças mentais. Em 2003, a FDA aprovou o Risperdal para transtornos bipolares. Três anos depois, a medicação foi liberada para tratamento de sintomas relacionados a autismo em crianças e adolescentes. Em 2007, a agência também liberou a medicação para o tratamento de crianças e adolescentes bipolares. O remédio nunca foi aprovado para tratar demência.

Ações judiciais relacionadas com o marketing de medicamentos para usos "extra bula" proliferaram nos últimos quatro anos, e as farmacêuticas aceitaram acordos pagando muito dinheiro. Em setembro, a Pfizer aceitou pagar ao governo e a vários Estados americanos US$ 2,3 bilhões devido à promoção "extra bula" de seu analgésico Bextra e outros medicamentos. No caso de antipsicóticos apenas, acordos desse tipo em ações contra a Pfizer, Eli Lilly, AstraZeneca e Bristol-Myers Squibb totalizaram indenizações superiores a US$ 2,5 bilhões desde 2006.

 

Ao longo do tempo, acordos da Lilly com o governo americano e mais de 40 Estados pelo marketing do Zyprexa para usos "extra bula" somaram mais de US$ 1,6 bilhão.

 

No total, a J&J tornou públicas mais de 5 mil páginas de documentos. Eles evidenciam que os executivos da Janssen sentiram forte necessidade de ampliar seus esforços de marketing pouco depois que o Risperdal recebeu aprovação da FDA. "Esquizofrenia gera só 35% das prescrições [de antipsicóticos]", escreveu Ivo Caers, um executivo de Janssen, em relatório de 1994 incluído nos documentos judiciais. "A expansão agressiva de uso Risperdal em outras indicações é, portanto, obrigatória."

 

Como outras farmacêuticas, a Janssen também contratou médicos para falar em programas de educação médica continuada. Mas, para impulsionar as vendas, a companhia os armou com slides exaltando a eficácia do Risperdal.

 

Um médico identificado como Randy numa transcrição disse a funcionários da Janssen que assinara uma carta concordando em falar apenas sobre usos permitidos do Risperdal. Mas Randy tinha uma maneira de contornar isso: "Eu sempre 'planto um figurante' na plateia, porque se vier uma pergunta da plateia, então posso falar sobre usos extra bula". Após essa observação, Andrew Greenspan, um executivo do departamento de Assuntos Médicos da Janssen, disse: "Esse é um bom conselho prático". (Tradução de Sergio Blum)

 

Veículo: Valor Econômico


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