Professora de Harvard vê risco em anúncios voltados para criança

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Pesquisadora americana diz que excesso de publicidade pode causar distúrbios comportamentais e alimentares.Susan Linn destaca, porém, que propaganda não é a única causa dos problemas, que incluem até sexualização precoce de crianças e jovens

 

A publicidade e o marketing para as crianças, atualmente, estão entre os principais fatores que levam a distúrbios alimentares -como a obesidade e a anorexia-, à sexualização precoce, a comportamentos agressivos e a problemas familiares. O alerta é da professora e pesquisadora de Harvard, a americana Susan Linn, que está no Brasil para o 2º Fórum Internacional Criança e Consumo -que termina amanhã. "Hoje, elas [as crianças] são bombardeadas por uma série de estímulos para que consumam cada vez mais", afirma. De acordo com a pesquisadora de Harvard, em 1983, o gasto com publicidade voltada para crianças nos Estados Unidos era de US$ 100 milhões por ano. Atualmente, afirma Linn, esses valores chegam a US$ 17 bilhões por ano. Em entrevista à Folha, a especialista conta sobre os impactos da propaganda sobre crianças e adolescentes.


 
FOLHA - Qual o impacto da propaganda na vida das crianças?
SUSAN LINN - O marketing está relacionado à saúde pública e a problemas sociais. Ele não é a causa [única desses problemas], mas é um fator e leva a distúrbios de alimentação, à sexualização, a problemas relacionados com a violência juvenil e também a problemas familiares. Segundo pesquisas, as crianças que têm mais valores voltados para o lado material [que associam a felicidade à aquisição de produtos] são menos felizes.

 

FOLHA - O fórum foca a relação entre a propaganda para crianças e a necessidade de redução do consumo, ampliando o debate -antes muito focado nos impactos no indivíduo. Por que essa mudança?
LINN - Hoje em dia, qualquer pessoa precisa estar preocupada com a saúde do planeta e com o aquecimento global. Quem tem esse tipo de preocupação tem que estar atento ao consumo, porque é ele que tem que mudar. Isso está muito claro. Os hábitos começam com a criança e hoje em dia elas são bombardeadas por uma série de estímulos para que consumam cada vez mais.

 

FOLHA - Por que é importante discutir a publicidade para crianças?
LINN - Nos Estados Unidos, em 1983, gastava-se US$ 100 milhões por ano em marketing voltado para crianças. Hoje em dia, os gastos nessa área já chegam a US$ 17 bilhões por ano. É um aumento de 170 vezes em um período de 25 anos. Isso somado a uma combinação de mídia extremamente sofisticada para fazer todo esse marketing.

 

FOLHA - Como se pode estabelecer um diálogo entre empresas e governo para a regulação?
LINN - As corporações sempre vão brigar por seus interesses, mas, por outro lado, precisa haver o compromisso com a saúde pública. Sempre vai haver o conflito entre esses dois lados. Uma das coisas que o país precisa fazer é tomar uma decisão sobre qual a importância da criança. Países como a Suécia decidiram valorizar a criança e por isso têm todo um trabalho relacionado à televisão e à regulamentação das propagandas. O que acontece é que a sociedade como um todo não está fazendo isso. Ela optou por não valorizar as crianças.

 

 
"Mídia pode subsistir sem afetar criança"

 

Também no Brasil para o fórum, Cecília Von Feilitzen, pesquisadora e coordenadora do International Clearinhouse -observatório que estuda a relação entre mídia e infância- traz ao país a experiência sueca, onde é proibida a publicidade para menores de 12 anos. O modelo é semelhante ao projeto de lei 5.921/2001, que tramita na Câmara dos Deputados. Se aprovado, ficam proibidos no Brasil todos os tipos de publicidade em todos os horários e em qualquer tipo de mídia.


 
FOLHA - Como funciona a regulamentação na Suécia?
CECÍLIA VON FEILITZEN - Não é permitido fazer propaganda nem antes nem depois da programação infantil. Nem para adultos nem para crianças. Durante a programação [em geral, sem ser a infantil], pode haver propagandas, mas não para crianças.

 

FOLHA - Outras mídias também possuem regulamentação?
FEILITZEN - Não. O que existe é uma lei geral relacionada ao marketing. A propaganda tem que ser bastante ética e levar em consideração que as crianças não têm muita experiência, que elas não têm tanto senso crítico quanto o adulto.

 

FOLHA - Como foi a aceitação dessas leis?
FEILITZEN - [Na Suécia], desde o começo não há propaganda na TV para crianças. Não tivemos, até hoje, que fazer esse tipo de publicidade. A mídia pode subsistir sem ter de afetar a criança diretamente por meio da propaganda. Na Suécia temos essa preocupação com a qualidade da programação infantil. [Também] passamos a programação infantil em um horário em que as crianças possam assistir junto com seus pais.

 

FOLHA - A propaganda gera impactos diferentes de acordo com a idade da criança?
FEILITZEN - Há muita diferença entre as formas de influência sobre a criança. Aos 12 anos, elas podem compreender totalmente qual é o objetivo de uma propaganda. Mas a propaganda tem que ser claramente diferenciada [dos programas infantis] para ela perceber.

 

FOLHA - Quais os desafios para frear o consumo entre meninos e meninas?
FEILITZEN - A [diversificação da] mídia está cada vez maior. Há outras formas de consumo [como celulares e computadores], o que torna mais difícil a diferenciação entre conteúdo de mídia e propaganda. A indústria da propaganda percebeu que a família é muito influenciada pelo o que a criança quer. Os pais acabam direcionando [as compras] para a vontade dos filhos. Há uma grande pressão [para o consumo infantil], em toda a mídia.

 

Veículo: Folha de S.Paulo


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