Por que a Pfizer disputa a modesta Teuto

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A gigante americana Pfizer é uma das empresas que brigam pela fabricante de genéricos de Goiás. A competição revela o aumento da importância do mercado brasileiro de medicamentos no cenário mundial

 

Com a tímida participação de 1,1% na venda de medicamentos para farmácias e distribuidores, a Teuto, primeira fabricante de genéricos do País, passou anos sem chamar a atenção de seus concorrentes. A empresa é lembrada por seu projeto megalomaníaco ? o maior complexo farmacêutico da América Latina, mas que funciona parcialmente - e por uma tentativa de reestruturação em 2005 que fez com que a empresa renegociasse suas dívidas. Recentemente, porém, a empresa de Anápolis (GO), com faturamento de R$ 280 milhões em 2009, foi alçada a um novo nível de relevância. Segundo o Estado apurou, pelo menos três laboratórios (Pfizer, Aché e GlaxoSmithKline) analisam a possibilidade de compra ou associação com a Teuto, que é assessorada pelo BTG Pactual.

 

A mais avançada nas negociações é a americana Pfizer, uma das maiores farmacêuticas do mundo, com vendas anuais de US$ 50 bilhões. Nesse caso, o processo está na fase de due dilligence (levantamento de dados financeiros). Procurada, a multinacional disse que "conversa com empresas do setor". A Teuto afirmou que "não comenta especulações de mercado".

 

Perto de perder as patentes de algumas de suas drogas mais bem sucedidas, como Liptor e Viagra, a Pfizer busca alternativas para compensar as perdas de receita. Juntos, os dois medicamentos faturaram no mundo cerca de US$ 3 bilhões em 2009. Nesse cenário, empresas como a modesta Teuto aparecem como peça importante na estratégia da americana.

 

A multinacional, que até pouco tempo considerava genéricos uma heresia, decidiu investir globalmente na aquisição de empresas do ramo. "A cada cinco anos, a empresa reavaliava sua opinião sobre genéricos e decidia não entrar nesse segmento. Mas, de dois anos para cá, está mais aberta a deixar que suas operações em países emergentes atuem em genéricos", diz Gustavo Petito, diretor de planejamento de negócios da Pfizer no Brasil. "A compra de empresas é uma das possibilidades de crescimento."

 

O problema é que a Pfizer está atrasada nessa corrida. Há duas semanas, perdeu a fabricante de genéricos alemã Ratiopharm para a israelense Teva. Três meses antes, disputou a brasileira Neo Química, que acabou sendo vendida para a Hypermarcas.

 

O Brasil, um dos mercados que mais crescem no mundo, responde por menos 2% das vendas da Pfizer. Mas o status da operação local melhorou na última década. Nos últimos dois anos, por exemplo, o País recebeu duas visitas do chefe mundial da área de farmacêuticos e uma do presidente mundial. "Hoje a matriz nos consulta quando quer tomar decisões", diz Petito.

 

Euforia cria corrida por aquisições no País

 

Múltis e grandes grupos locais se mexem para ganhar participação em um dos mercados farmacêuticos que mais crescem no mundo

 

A Teuto não desperta só o interesse da Pfizer. Pelo menos outros dois laboratórios participam da mesa de negociações. A britânica GlaxoSmithKline é um deles. A empresa tem se esforçado para entrar na área de genéricos no País, um segmento que cresce 23%, contra 14% do mercado de medicamentos em geral. No ano passado, a multinacional sondou, sem sucesso, a brasileira Aché com a intenção de uma aquisição. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Glaxo afirmou que "está sempre aberta a oportunidades de negócios" e que "tem conversado, sim, com várias empresas".

 

A Aché também está na disputa. Nesse caso, os atrativos da Teuto são um grupo de cerca de 100 registros de moléculas na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) - nesse grupo, algumas devem vingar e se tornar medicamentos nos próximos anos - e o modelo de distribuição pulverizado entre pequenas farmácias de bairro. Procurado, o Aché informou que "está sempre atenta a oportunidades de mercado".

 

A disputa pela Teuto é um símbolo do atual momento de euforia do setor farmacêutico, em que as estrangeiras querem aumentar sua presença no País e as nacionais, fortalecidas na última década com o crescimento dos genéricos, defendem-se desse avanço.

 

"Com a crise financeira, os maiores mercados de medicamentos do mundo estão estagnados", afirma o presidente do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo), Omilton Visconde Jr. "O aumento do consumo fez com que as oportunidades de crescimento se concentrassem no BRIC. E o Brasil, por ter uma regulação sanitária e uma lei de patentes mais sofisticadas, é o mais atrativo."

 

Segundo a consultoria IMS Health, no ano que vem, o mercado farmacêutico brasileiro vai ultrapassar o da Inglaterra, enquanto os chineses comprarão mais remédios que franceses e alemães. Trata-se de uma inversão na lógica dessa indústria, em que os países em desenvolvimento sempre ocuparam uma posição marginal. Hoje, o grupo de 15 maiores farmacêuticas do mundo - incluindo Pfizer, Merck e Eli Lilly - tem menos de 10% de suas vendas originadas em países emergentes. Se quiserem crescer, porém, as empresas terão que revisar sua estratégia. Em 2013, o grupo de 17 países emergentes deve trazer vendas adicionais de US$ 90 bilhões - ou metade do crescimento do setor.

 

Emblemática. A compra da Medley pela francesa Sanofi-Aventis, há um ano, foi emblemática. O laboratório de Campinas foi alvo de interesse de fundos de investimento, como o Advent, laboratórios locais como o Aché, e multinacionais como a Teva. A Sanofi saiu vencedora depois de pagar R$ 1,5 bilhão. "Para a Sanofi, o Brasil é estratégico. Emergente é pouco", afirma o presidente da filial brasileira do grupo, Heraldo Marchezini. O mercado brasileiro é o sétimo maior do mundo para a Sanofi-Aventis e deve subir mais duas posições até 2011. O País abriga o segundo maior parque fabril da empresa fora da sede, na França.

 

O interesse das estrangeiras pelo mercado tem levado a uma escalada de preços dos laboratórios. A italiana Zambon, por exemplo, pretende comprar uma empresa com faturamento de aproximadamente 150 milhões de reais. "O problema é que os preços estão fora da realidade", diz Wilson Borges, presidente do laboratório no Brasil.

 

Diante desse cenário, a Eurofarma, um dos grandes laboratórios nacionais, decidiu fazer aquisições fora do País (apesar do assédio, a empresa não aceita a posição de alvo). Em meados do ano passado, a farmacêutica adquiriu a argentina Quesada, uma empresa de pequeno porte. Seus próximos destinos são países como Uruguai, México, Colômbia e Peru. "Queremos replicar nosso modelo na América Latina", diz Maurizio Billi, presidente da Eurofarma. No mercado interno, a Eurofarma espera crescer sem aquisições.

 

As fabricantes brasileiras de genéricos veem o fim de importantes patentes - 18 moléculas estarão liberadas para cópia até 2017 - como um acelerador de crescimento. Se a operação atual da brasileira Aché não crescesse nada, sua receita aumentaria em 40% até 2014 apenas com a venda de novos produtos livres de patentes.

 

É exatamente esse cenário que dificulta a consolidação entre os grandes laboratórios brasileiros. "A remuneração do capital dos acionistas do Aché é melhor que o seu rendimento no mercado financeiro. Por que eles iriam pensar em vender?", diz José Ricardo Mendes da Silva, presidente do Aché, um dos líderes do mercado.

 

Soma-se a esse mais dois empecilhos: os principais laboratórios nacionais têm controle familiar e os portfólios de muitos deles são parecidos. "Os negócios passíveis de acontecer são aquisições de empresas médias, com faturamento entre R$ 100 e R$ 500 milhões. Há mais ou menos vinte interessantes", diz Marcelo Gomes, diretor da consultoria Alvarez & Marsal.

 

Hoje, o único catalizador para uma aproximação entre as maiores empresas nacionais é a disparada da Hypermarcas. "Os empresários ficaram incomodados com a aquisição da Neo Química, e começaram a estudar a possibilidade de uma fusão para fazer frente à Hypermarcas", diz um executivo do setor. "Resta saber quem cederá. Quem será a Casas Bahia e quem será o Pão de Açúcar." Até que o impasse se resolva, a negociação da modesta Teuto deve continuar causando frisson.

 

OS COMPRADORES

 

Hypermarcas
Novata, causou incômodo ao comprar a Neo Química, em 2009. Comandada por Claudio Bergamo (foto), continua interessada em aquisições - segundo fontes do mercado.

 

Aché
O laboratório brasileiro também entrou na disputa pela Teuto. O que o atrai na empresa goiana é um grupo de 100 registros de moléculas na Anvisa e o modelo de distribuição em pequenas farmácias.

 

lSanofi-Aventis
A compra da Medley, no auge da crise, foi emblemática para o setor. O mercado local é o sétimo maior do mundo para a companhia.

 

GlaxoSmithKline
A britânica tem se esforçado para entrar no mercado de genéricos brasileiro. Além da Teuto, sondou a Aché, com intenção de aquisição

 

'O assédio dos concorrentes não nos seduz'

 

A Cristália virou uma das empresas mais cobiçadas do setor porque é o laboratório nacional mais avançado em pesquisa. Mas seu dono, o médico Ogari Pacheco, resiste em vender o negócio que criou nos anos 70

 

Se existe um ponto comum entre os laboratórios mais agressivos do setor farmacêutico brasileiro é o interesse pela paulista Cristália. Nos últimos cinco anos, a empresa foi procurada por alguns dos maiores grupos nacionais e estrangeiros com presença no País. O último avanço foi da Hypermarcas.

 

Segundo o Estado apurou, a empresa de João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, propôs a compra do laboratório no início do ano, mas as conversas não foram para frente. "As finanças da Cristália são sólidas. Por isso, o assédio de quem quer que seja não nos seduz", diz Ogari Castro Pacheco, fundador e controlador da empresa. "Nem aceito os convites de jantar que recebo dos banqueiros de investimento." Procurada, a Hypermarcas não se manifestou.

 

Segundo executivos próximos ao Cristália, Pacheco avalia duas opções para o futuro de sua companhia. A primeira é abrir o capital. A segunda é uma fusão com outro laboratório. Nesse caso, o Aché é o mais cotado.

 

Com um faturamento de R$ 600 milhões no ano passado, o Cristália está longe do grupo dos maiores laboratórios do País. O que chama a atenção dos concorrentes, porém, é sua posição na pesquisa e desenvolvimento de novas drogas, uma área em que a indústria nacional engatinha. Em 2007, a empresa foi responsável por um feito histórico: lançou o primeiro medicamento cuja molécula foi totalmente sintetizada no Brasil. Trata-se do Helleva, rival do Viagra, da Pfizer, para disfunção erétil.

 

A versão brasileira deve vender R$ 20 milhões em 2010 ? contra mais de US$ 1 bilhão que a droga americana registrou no mundo. Mesmo assim, é um feito extraordinário diante de concorrentes nacionais que se limitam a produzir cópias de inovações estrangeiras.

 

O problema é que, para manter seu laboratório distante dos compradores, Pacheco terá de fazer mais do que apenas rejeitar as propostas de aquisição. Aos 71 anos, o empresário, que acumula a função de presidente, tem à sua frente a tarefa de garantir a perpetuidade da companhia. Com a ajuda de uma consultoria, a Cristália passa hoje por sua terceira tentativa de profissionalização na gestão. Nos próximos meses, dois vice-presidentes deverão ser contratados da concorrência. Eles disputarão o cargo de presidente durante um ano. Assim que o nome for definido, Pacheco passará a ocupar apenas a presidência do conselho (cargo que acumula hoje).

 

Todos os demais postos já são ocupados por executivos profissionais. Os parentes de ambas as famílias fundadoras ? os filhos de Pacheco e de seu sócio, João Stevanatto, que faleceu em 1997 ? já foram afastados da administração. "Um dia eu vou me afastar. Sei que é possível uma disputa pelo poder. Por isso, estou tomando a precaução de deixar a empresa estruturada", diz Pacheco. "Vai ser sofrido deixar o dia a dia da administração, mas tenho de fazer isso".

 

Inovação. Além de reorganizar a gestão, o Cristália precisa continuar crescendo para não desaparecer diante da consolidação do setor e o fortalecimento de seus rivais. Uma das frentes de investimento é o lançamento de novas drogas.

 

Em três anos, o laboratório deve colocar no mercado um medicamento para reduzir o acúmulo de gordura nas artérias. "Se os testes correrem bem, teremos um blockbuster (nome das drogas que faturam mais de US$ 1 bilhão) brasileiro", diz Pacheco.

 

Outro braço da estratégia de expansão está na área farmoquímica: o Cristália pretende aumentar a produção de insumos para a indústria farmacêutica. Hoje, os principais fornecedores de matéria-prima para os laboratórios brasileiros estão na Índia e na China. A Cristália espera atender, especialmente, os laboratórios estatais, como Farmanguinhos, por exemplo.

 

Com iniciativas como essa, a expectativa é que o laboratório cresça 15% nesse ano e 50% em 2011. É o que espera não só o empresário, mas também seus concorrentes.

 

Veículo: O Estado de São Paulo

 


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