Para cada produto, um bilhão

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Dentro da Nestlé, a ordem é criar divisões que faturem mais de R$ 1 bilhão ao ano. Saiba como a gigante dos alimentos atinge essas metas e o que faz para continuar crescendo

 

Por Eliane Sobral

 

No fim de junho, um enorme barco partirá do porto de Belém do Pará para um destino incerto, mas com uma missão muito clara. A embarcação, que percorrerá o rio Amazonas, atracará de cidade em cidade em busca de clientes que vivem à beira do rio. E não são passageiros, como pode parecer: são consumidores. A dona do barco?
 


É a tradicional marca Nestlé, que, a bordo, venderá de leite a biscoitos, de chocolate a café, de sopa a suco, para a população ribeirinha. Para isso, ela conta com consagradas marcas gravadas na mente das pessoas, como Leite Moça, Nescau, Alpino, Calipso, Maggi, Molico, entre outras. “Buscaremos o cliente onde ele estiver”, diz Ivan Zurita, presidente da Nestlé, à DINHEIRO. Esta é só mais uma entre várias estratégias adotadas pela companhia para atingir as metas repetidas como um mantra por Zurita.

 

“Um negócio para ser considerado importante dentro da companhia tem que ter receita de, no mínimo, R$ 1 bilhão. E são poucas as unidades aqui dentro que ainda não alcançaram essa cifra”, diz Zurita. O executivo, que há sete anos comanda a empresa no Brasil, explica que a cifra mágica se justifica pela importância e pelo tamanho do mercado brasileiro.

 

E repete: “Tem que faturar, no mínimo, R$ 1 bilhão para ser alguém.” Há dois momentos nessa história contada por Zurita. O primeiro deles é fazer com que uma linha de produto atinja o faturamento de R$ 1 bilhão. Ok, ele entrou no clube. O segundo passo é o mais complexo: gerir e manter azeitada essa máquina bilionária para que marcas consagradas continuem crescendo continuamente. E a Nestlé, dona de um faturamento de R$ 16 bilhões, tem alcançado essa façanha.  Mais de dez unidades da companhia faturam mais de R$ 1 bilhão por ano.
 


A receita para atingir esses resultados é baseada em alguns pilares: proximidade com varejistas e fornecedores para torná-los fiéis aliados, logística de guerra e uma agressiva política para superar a concorrência em cada um dos 28 setores em que atua. A política comercial praticada pela companhia é o primeiro pilar dessa estratégia.

“É uma das melhores parceiras do comércio”, diz Roberto Moreno, diretor do Grupo Sonda de supermercados. No ano passado, diz ele, quando a crise econômica global secou o crédito nas praças de todo o mundo, a empresa descontou duplicatas de terceiros para socorrer os pequenos e médios varejistas e renegociou prazos de pagamento com os maiores.

 

Teoricamente, diante de seu poderio de fogo, a companhia não precisaria ter postura tão amigável com seus clientes. A Nestlé é uma marca âncora. Ou seja, sua presença é obrigatória para atrair consumidores para o ponto de venda. Poucas marcas têm esse poder. Uma pesquisa do Programa de Varejo (Provar) da USP mostra que 74% dos consumidores da classe A citam a Nestlé quando o assunto é chocolate. Nas classes B e C esse percentual sobe para 95%.


 
O professor e coordenador do Provar, Cláudio Felisoni, dá uma pista do que isso significa. “Se o consumidor entra na loja e não encontra Nescau, ele diz que o supermercado não é diversificado. Para o varejista, ter as marcas Nestlé significa mais consumidores na loja e estoques menores. Ou seja, eles precisam, e muito, ter os produtos da companhia nas prateleiras”, explica.

 

Outra estratégia comercial adotada pela empresa é manter seu próprio exército de revendedores e assim se aproximar dos seus clientes. Isso também garante que as marcas da empresa estejam sempre bem posicionadas nas gôndolas Brasil afora. “Essa proximidade é importantíssima num mercado tão competitivo como é o de alimentos”, resume o consultor Fernando Fernandes, da Booz Company.

 

E não importa também o meio de transporte que a companhia vai utilizar para alcançar o consumidor final. “Na Suíça nos chamam ‘the marketing subsidiary’ (a subsidiária do marketing)”, diz ele, com uma ponta de orgulho no olhar. Foi a matriz brasileira que “inventou” a venda porta a porta para alcançar a população de baixa renda.
 


Para vender para as classes de baixa renda, a nestlé construiu fábrica (acima) no nordeste e inaugurou a venda porta a porta

 

O projeto piloto surgiu em 2006 e tinha apenas 800 revendedoras andando pela periferia paulistana com carrinhos estilizados com o logo da companhia. Hoje, o sistema está em 17 Estados, tem mais de sete mil revendedoras, 210 micro-distribuidores e representou R$ 1,3 bilhão do faturamento total da companhia no Brasil no ano passado. Isso, porém, não surgiu da noite para o dia.

 

Cinco anos antes de a baixa renda se tornar a coqueluche da economia nacional, os executivos da empresa já estudavam os hábitos de consumo dos que ganham menos de cinco salários mínimos por mês. E, estudar, neste caso, não significou passar horas dentro do escritório lendo pesquisas e analisando relatórios.

 

A companhia despachou um grupo de executivos para acompanhar, literalmente, o público-alvo. Esses profissionais viveram  por quase um mês em casas de um quarto e cozinha em favelas e na periferia da capital paulista. “Não se pode mexer na fórmula de um produto para baratear seu custo e assim chegar à base da pirâmide. O desafio é vender o mesmo produto, com a mesma qualidade, a um preço que eles possam pagar”, costuma dizer o presidente da multinacional.

 
 
Desta forma, o produto que chega à população das classes C e D é o mesmo que frequenta as gôndolas dos supermercados mais estrelados do País. Em alguns casos, bastou reduzir o tamanho da embalagem – como a do Leite Ninho vendido em sachês nas regiões mais pobres – ou optar pela venda de embalagem fracionada, como a de biscoitos com menos unidades. Esse, dizem os consultores, é o lado mais ameno da marca. Há, evidentemente, uma outra face da empresa que usa o seu tamanho para ganhar mercado.

 

“Quando é incomodada por algum concorrente, a primeira providência é fazer promoções do tipo compre um e leve dois ou acionar a política de descontos para baratear o preço para o consumidor final. Se não dá certo, partem para a aquisição”, afirma um consultor de mercado. “Foi assim com a Garoto. A Nestlé não conseguia ser líder nas regiões Norte e Nordeste onde a Garoto dominava.

 

Foram lá e compraram a empresa capixaba”, diz. E a nova pedra no sapato da companhia suíça é a marca de sopas prontas Etti, da Hypermarcas. “A guerra de preços já começou”, avisa o executivo. Para o professor Cláudio Antonio Pinheiro Machado Filho, do departamento de administração da FEA/USP, o que diferencia a Nestlé Brasil das demais multinacionais é que a empresa consegue conciliar práticas globais traçadas pela matriz com as necessidades e características do mercado local.

 

Os cuidados com a marca fecham a estratégia desenvolvida pela empresa para se manter no topo do mercado e ter unidades faturando sempre acima de R$ 1 bilhão. “Eles têm uma tradição centenária no desenvolvimento de produtos de muita qualidade”, diz Fernando Fernandez, da Booz & Company. “Curiosamente, para os dias de hoje, apesar do tamanho e do amplo portfólio, a Nestlé não está na categoria de alimentos contestados. A marca está associada à questão da saúde muito antes desse tema virar moda.”

 

A área de cereais matinais da empresa é um bom exemplo desse fenômeno. A Nestlé precisou de apenas 14 anos para desbancar a liderança da tradicional marca Kellogg’s, que reinou sozinha e absoluta por quase meio século no mercado brasileiro. Hoje, segundo dados da AC Nielsen, a Nestlé tem 33% de participação, contra 29,8% da concorrente.

 

Enquanto o mercado cresceu 5,2% no bimestre março/abril, a companhia suíça cresceu 11%. E a liderança se repete em quase todas as 28 divisões que produzem nada menos que 141 marcas da companhia. As poucas exceções ficam por conta de linhas como Sollys, de sucos à base de soja, lançada em 2007. “É uma linha muito recente. É questão de tempo para chegarmos a R$ 1 bilhão”, diz Zurita.

 

Apesar da marca sólida, a companhia não está livre de contestações. Há duas semanas, a Nestlé entrou em cena de forma nada favorável e justamente com o chocolate Alpino, uma das maiores estrelas de seu portfólio. A confusão surgiu na divisão de bebidas. Consumidores denunciaram pelo Twitter que o achocolatado Alpino não continha o tradicional chocolate.

 

Em poucos dias, a polêmica se alastrou pela rede e foi parar na imprensa. Isso obrigou a Nestlé a publicar um extenso comunicado. Nele, informa que o rótulo do produto esclarece que ele não contém o chocolate, apenas tenta reproduzir suas características. Outro imbróglio envolvendo a marca aconteceu na semana passada.

 

Centenas de consumidores de produtos Nestlé, na Indonésia, comunicaram à empresa que deixarão de comprar produtos ligados à destruição de florestas tropicais, como o chocolate KitKat, que conta em sua fórmula com um tipo de óleo de dendê extraído de uma espécie de árvore da região. Com o desmatamento, várias espécies de animais, como o orangotango, estariam ameaçadas. A companhia se comprometeu a excluir de sua lista de fornecedores aqueles que estejam desmatando florestas tropicais. E assim a Nestlé continuará enchendo a sua cesta de produtos de R$ 1 bilhão.

 

Veículo: Isto É Dinheiro

 


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