Prepare-se para perder a sua identidade corporativa

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Atuando desde o início da década de 1980 com programas de preparação do executivo para o pós-carreira corporativo, processo de afastamento ou aposentadoria, foi possível constatar que o maior despreparo está no desafio provocado pela perda da "identidade organizacional".

 

Ou seja, boa parte dos profissionais da média e alta gerência das corporações não se apropria da sua história de vida ou biografia. Simplesmente confia que os planos de carreira das empresas poderão suprir esta responsabilidade que, em última análise, é indelegável.

 

Alguns, inclusive, confiam tanto nos sofisticados sistemas implantados nas corporações que descuidam até da sua vida pessoal, conjugal, familiar e social. Ou seja, priorizam de tal forma sua carreira que não se importam muito sobre a forma como são avaliados como cônjuges, pais, amigos ou cidadãos.

 

E o doloroso é que esta consciência, ou constatação, aparece na vida de muitos destes profissionais quando já não podem mais recuperar o tempo, sentimentos não vividos ou relações desfeitas. No nível pessoal existem vários casos em que esta fase da vida se torna ainda mais traumática. Surgem os típicos sintomas da depressão, que podem acarretar a completa perda da autoestima. Separações, suicídios, alcoolismo, entre outras manifestações são muito próprias desta etapa da vida dos ex-executivos.

 

O curioso é que, em sua maioria, estes mesmos profissionais não apresentam problemas financeiros, pois em relação a este tema houve uma preocupação. O grande desafio é de ordem comportamental.

 

Uma recente pesquisa foi realizada pela professora da PUC de Minas, Betania Tanure, publicada no Valor, com 325 executivos brasileiros, que foram demitidos no auge das suas carreiras. Pelos resultados, 85% destes altos executivos - na amostra 42 eram CEOs - a grande perda, por um processo de dispensa também considerado injusto, foi "não dispor mais do cartão de visitas e do poder que lhe proporcionava a identidade corporativa."

 

Este resultado me leva a pensar em duas provocações. Uma deles é que, tornar-se um "ex" é muito pior que ser um "vice" - o segundo ainda pode desempenhar um papel importante na eventual substituição do titular. Já o "ex" corre o risco de ficar o resto da vida se lamentando pelo que deixou de ser. A outra é que, muito antes de anotar seu novo telefone no verso do cartão de visita do cargo anterior, com o devido e constrangedor pedido de desculpa, crie uma nova identidade e faça logo um novo cartão. Pelo menos você demonstra que se apropriou da sua história com todas as implicações que isto possa acarretar.

 

O que muitos executivos não percebem é que as empresas não vão modificar seus procedimentos no sentido de assumirem uma responsabilidade que não é sua. As corporações têm uma estrutura hierárquica, criam "personagens" para os indivíduos que se dispõem a se travestir desta vestimenta e a desempenhar seu correspondente "script".

 

E as pessoas se deixam envolver de uma forma tão intensa nesta dramaturgia que perdem completamente o senso de autocrítica daquilo que lhe pertence em relação ao que lhe está sendo "emprestado".

 

Fazem parte de toda esta dramaturgia empresarial, além do próprio nome da empresa, as salas vip, o cartão de crédito corporativo, os convites para festas e eventos refinados, os brindes, o carro, o motorista, as viagens de classe executiva, os hotéis cinco estrelas, as entrevistas nos meios de comunicação, a secretária exclusiva, entre outras coisas.

 

Para muitos, todo este "glamour" faz perder a sensação de realidade.

 

Outro efeito perverso deste perigoso conforto é quando estes mesmos executivos decidem empreender. De maneira geral, fica difícil aceitar que, ao criar um negócio próprio, pelo menos na sua fase inicial, a atuação poderá envolver tanto atividades meramente operacionais como também estratégicas.

 

Ou seja, é útil estar preparado para ser, em alguns momentos, "office-boy" para, logo em seguida, se transformar em presidente da sua própria empresa.

 

O intuito deste artigo é fazer com que muitos executivos, que hoje ocupam função considerada importante - ou até vital - nas organizações, não percam de vista que tudo o que lhes é proporcionado tem valor apenas enquanto o mesmo for útil à corporação.

 

Não espere para desenvolver identidades alternativas. Elas podem ser motivadoras hoje e vitais no futuro. Vale um último registro: as mulheres, que são demandadas em vários papéis, mesmo durante sua vida profissional conseguem encarar melhor este desafio.

 


Veículo: Valor Econômico


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