Danone vê na baixa renda a chave para o crescimento

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Duas vezes por semana, depois do trabalho, a webmaster senegalesa Demba Gueye se permite um lanche especial: um tubinho do iogurte líquido Dolima, que custa o equivalente a R$ 0,18. É um luxo, considerando seu orçamento diário para alimentação de menos de R$ 4 e o fato de que os pacotinhos de 50 gramas são "mínimos".

 

Mas a moça de 25 anos diz que eles são deliciosos. "Sou louca por eles."

 

O iogurte é uma tentativa da fabricante francesa de alimentos Danone SA de fechar uma lacuna em suas operações. A Danone se tornou uma das fabricantes de alimentos de crescimento mais rápido no mundo, graças a seus produtos saudáveis de topo de linha, como os iogurtes que levam sua marca, as águas Badoit e Evian e a comida para bebês Blédina. Mas o ritmo de expansão está se desacelerando nos mercados tradicionais da empresa na América do Norte e Europa Ocidental.

 

Por isso, a Danone está na vanguarda das multinacionais de países ricos que apostam boa parte de seu futuro nos consumidores de baixa renda do mundo. No ano passado, 42% das vendas vieram de mercados emergentes - ante 6% há dez anos. A Danone quer atingir a marca de 1 bilhão de clientes por mês até 2013, ante 700 milhões hoje.

 

Ela está agora tentando chegar àqueles consumidores que vivem com orçamentos ínfimos para alimentação. O iogurte Dolima, lançado em novembro, vende em média todos os meses mais de 30.000 tubinhos. Mensalmente, as vendas sobem a uma taxa de cerca de 10%. Na Indonésia, a Danone tem os pobres como alvo dos iogurtes para beber de R$ 0,18. No México, tem copos d'água de R$ 0,29.

 

"O objetivo é fazer negócios, não apenas com o topo da pirâmide", diz o presidente da empresa, Franck Riboud.

 

Outros grandes fabricantes de bens de consumo, de celulares a xampus, estão usando variações da mesma estratégia. A fabricante alemã de artigos esportivos Adidas AG, por exemplo, está testando um tênis de apenas um euro (R$ 2,20) para bengaleses descalços. A francesa L'Oréal SA vende sachês de xampu e creme facial em tamanho de amostra na Índia por alguns centavos.

 

Essas empresas pisam num território delicado. Elas precisam lidar com o fato de que os clientes em potencial, ainda que numerosos, têm recursos extremamente limitados. A decisão de vender produtos que os consumidores não têm condições de comprar sem sacrifícios pode criar grandes fracassos.

 

"O grande problema é que os preços são muito altos", diz Aneel Karnani, professor associado da faculdade de administração Ross, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. "As empresas superestimam o tamanho do mercado e acabam vendendo para a classe média, não os pobres."

 

Entre outros desafios estão cadeias de distribuição débeis e a dificuldade para conter os custos. A Adidas, por exemplo, não tem certeza de que pode cumprir sua meta de preço depois de pagar pela lona e pela borracha dos tênis.

 

Nos primeiros dez anos no comando da Danone, depois de assumir o cargo, em 1996, Riboud se voltou para os ricos.

 

Em particular, ele cultivou duas inovações altamente lucrativas: o iogurte digestivo Activia e o Actimel, um iogurte líquido que promete fortelecer o sistema imunológico. Os dois são vendidos pelo dobro do preço dos iogurtes comuns. Em 2006, ambos estavam alcançando vendas de mais de 1 bilhão de euros. No ano passado, as vendas do Activia chegaram a mais de US$ 3,6 bilhões. No total, a Danone teve um faturamento de US$ 20,9 bilhões.

 

Riboud começou a perceber que estava perdendo oportunidades no gigantesco e inexplorado mercado de produtos voltados para os mais pobres. Em 2004, os gerentes locais da Danone na Indonésia lhe apresentaram o diagrama de uma pirâmide, mostrando que da população de 240 milhões de habitantes só os 20 milhões do topo tinham condições de comprar os produtos da Danone.

 

Então, ele decidiu criar um iogurte líquido barato e de fácil consumo para os compradores pobres e para as crianças. "Por que eu não deveria fazer negócio com eles também?", diz ter pensado.

 

O primeiro desses iogurtes foi lançado na Indonésia no fim de 2004, pelo equivalente a R$ 0,18 por uma garrafa plástica de 70 gramas. O iogurte se transformou num sucesso instantâneo, vendendo 10 milhões de garrafas nos primeiros três meses. Ele ainda é um dos produtos mais populares da Danone na Indonésia, onde a renda média per capita se situa ao redor de R$ 20 por dia.

 

Dois anos e meio depois, a Danone se uniu a Muhammad Yunus, o bengalês que depois ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu programa de microcrédito que empresta dinheiro a empreendedores pobres. Depois de se encontrarem em um almoço, Riboud e Yunus criaram uma joint venture em Bangladesh chamada Grameen Danone Foods Ltd.

 

A ideia era vender um iogurte barato, de R$ 0,14, chamado Shokti Doi - que significa "iogurte forte". O produto, enriquecido com vitaminas e minerais, seria vendido de porta em porta por mulheres da região que receberiam comissões.

 

Para o presidente da Danone, um executivo de 54 anos que evita gravatas e anda numa vespa, a criação do Shokti Doi era algo como uma missão pessoal. Seu pai Antoine, que o precedeu como diretor-presidente da Danone, havia estimulado nele um interesse em empreendimentos que tivessem uma chance de ganhar dinheiro e ajudar os pobres.

 

Em um ano, porém, a Grameen Danone trombou com um obstáculo: os preços do leite dispararam, a abertura das fábricas foi adiada e as vendedoras não tinham como se sustentar somente com a venda do iogurte. Hoje, uma parte expressiva das vendas do Shokti Doi vem do comércio urbano, não de vilas rurais, como se planejava.

 

A Danone enfatiza que nenhuma de suas iniciativas para a baixa renda é caridade. "A Danone não é uma ONG", diz Riboud. "Aprender a fazer um produto nutritivo que possa ser vendido por oito centavos sem prejuízo nos ajuda quando adotamos uma estratégia de volume, mesmo em mercados maduros."

 

A empresa manteve o projeto de Bangladesh, que ela afirma oferecer lições valiosas para outros segmentos de suas operações. Em janeiro, ela construiu uma nova fábrica na Tailândia usando como modelo a operação de Bangladesh, por uma fração do custo de uma nova unidade.

 

"Esses são laboratórios em que aprendemos", diz Bernard Giraud, diretor de sustentabilidade da Danone. "Não podíamos fazer um investimento clássico num negócio como este porque o retorno não é imediato e o risco é alto."

 

Em 2008, Giraud sugeriu que a empresa tentasse uma segunda iniciativa do tipo. Uma subsidiária da Danone comprou uma participação de 26% num laticínio senegalês chamado La Laiteria du Berger.

 

Quase todos os produtos de laticínio no Senegal são feitos com leite em pó importado barato. La Laiteria usa leite fresco comprado de fazendeiros no norte de Senegal, perto de Richard Toll, uma cidade dominada pela plantação de cana-de-açúcar. Bagoré Bathily, um empreendedor senegalês de 36 anos que estudou na Europa, lançou a empresa em 2006 para dar aos rebanhos nômades um mercado para seu leite.

 

O iogurte de Bathily, feito numa fábrica local, fez sucesso com os senegaleses ricos e os estrangeiros na capital Dacar, assim como suas caixas de leite fresco.

 

Mas leite fresco é caro no Senegal - R$ 0,55 por quilo, o mesmo preço que a Danone paga a produtores na França - porque as vacas brancas e magras do país produzem no máximo apenas três litros por dia, em comparação com até cinquenta das vacas francesas.

 

Em julho passado, as vendas da La Laiterie haviam se estabilizado e a sociedade estava aquém das expectativas de Riboud. Num encontro em Richard Toll em dezembro, Riboud provocou Bathily por causa do faturamento de 826.000 euros da La Laiterie no ano passado. "Você tem de adicionar outro zero a suas vendas", disse. "Na Danone, nossa contabilidade é em milhões."

 

A única maneira de fazer isso, disse Bathily, é vender aos senegaleses que gastam apenas R$ 2 por dia em comida. "Cinquenta gramas de iogurte não enche tanto quanto cinquenta gramas de arroz, que são mais baratos."

 

No fim de 2008, Riboud havia despachado a gerente de produto Isabelle Sultan a Senegal para ajudar Bathily a deixar os produtos da La Laiterie ao alcance dos senegaleses de baixa renda. Sultan propôs vender o iogurte de uma nova maneira: um saquinho de 50 gramas que as pessoas podem rasgar para tomar o iogurte. Bathily estabeleceu o preço em 50 CFA, o equivalente a R$ 0,18. Um desenho de moeda anuncia o preço no saquinho num verde brilhante, sem a marca Danone.

 

Depois, eles deram aos iogurtes da La Laiterie uma imagem local, batizando-os de "Dolima", ou "Dê-me mais" em uolofe, a língua local.
 

 

Veículo: Valor Econômico

 

  


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