Aporte do Pão de Açúcar para selar união com Casas Bahia será usado para ampliar rede de mil lojas
Nos seis meses em que o Grupo Pão de Açúcar (GPA) e a Casas Bahia renegociaram a fusão das suas redes, muita coisa mudou no mapa do varejo nacional de móveis, eletroeletrônicos e eletrodomésticos. Surgiu a Máquina de Vendas, união de Ricardo Eletro com Insinuante, que acaba de englobar uma terceira rede, a City Lar, somando 750 lojas em 23 Estados e no Distrito Federal. Já a Lojas Americanas, que tem cerca de 20% das vendas na categoria eletro, aproxima-se da Casa & Video, que planeja faturar R$ 1,3 bilhão este ano no mercado fluminense. Para tirar o atraso, o Pão de Açúcar e a Casas Bahia prometem contra-atacar.
Para selar a fusão com a família Klein, controladora da Casas Bahia, o Pão de Açúcar precisou fazer um aporte de R$ 600 milhões na Globex, a nova empresa que vai unir os ativos das três redes - Ponto Frio, Extra Eletro e Casas Bahia. Esse valor não estava nos planos do GPA em um primeiro momento. "Para crescer, a Globex vai precisar de caixa de qualquer jeito", disse ao Valor um interlocutor que participou das negociações. "Há um plano agressivo de expansão de lojas e a nova empresa vai conseguir preços mais competitivos [na negociação com fornecedores]", diz.
As 518 lojas da Casas Bahia vão se somar às 436 do Ponto Frio e às 44 de Extra Eletro. Apenas a bandeira dessa última, restrita ao Estado de São Paulo, deve desaparecer. Ao todo, serão 998 pontos de venda presentes em 11 Estados e no Distrito Federal. As novas lojas deverão ser inauguradas como Ponto Frio e Casas Bahia, que em 2008 registraram um faturamento conjunto de R$ 18 bilhões. O tamanho confere à nova empresa uma liderança folgada em relação à segunda colocada, a Máquina de Vendas, que faturou com as suas três redes R$ 5 bilhões no ano passado.
O valor que precisou ser aportado pelo Pão de Açúcar representou menos da metade da geração de caixa anual do grupo, de R$ 1,5 bilhão. É consenso entre analistas que o GPA é uma empresa pouco alavancada, com espaço para endividamento. "Talvez o grupo precise se endividar um pouco no começo, mas nada que comprometa os seus resultados", diz a fonte.
Na Globex, o Pão de Açúcar aportou R$ 250 milhões em certificados de depósito bancário (CDBs) e R$ 350 milhões de créditos do grupo junto a empresas controladas ou subsidiárias. Também entraram na conta R$ 89,8 milhões que se referem ao valor contábil da rede Extra Eletro. Esse montante, porém, já estava previsto quando foi anunciado o primeiro acordo, em dezembro. O controle da Globex, onde foi injetado todo este capital de R$ 689,8 milhões, continua com o Pão de Açúcar, que elevou em dois pontos percentuais a sua participação - de 51% para 53%.
Os demais 47% estão com a família Klein, que aportou na empresa 100% dos ativos da Nova Casas Bahia - resultado da cisão da "antiga" Casas Bahia. A nova empresa reuniu todos os ativos operacionais que entram na fusão, somando R$ 1,47 bilhão. Na "velha" Casas Bahia, ficaram os imóveis das lojas e dos centros de distribuição (cujo aluguel para a Globex subiu de R$ 130 milhões para R$ 140 milhões) e 75% da fábrica de móveis Bartira (os demais 25% estão na Nova Casas Bahia). A Bartira tem contrato de exclusividade com a Globex.
Do lado do Pão de Açúcar, as redes Extra Eletro e Ponto Frio somaram cerca de R$ 1 bilhão em valor contábil, daí o aporte de R$ 689,8 milhões para o grupo obter 53% das ações da Globex. A disparidade do valor contábil dos ativos era um dos pontos que mais incomodavam a família Klein. Na primeira negociação, a Casas Bahia considerou que seus ativos haviam sido mal avaliados: o valor contábil da empresa era de R$ 2,7 bilhões, mas foi equiparado ao valor de bolsa do Ponto Frio, de R$ 1,3 bilhão.
Na nova conta, a família Klein deve ficar com uma parcela maior dos recebíveis. O valor do previsto no primeiro contrato, de R$ 1,067 bilhão, será acrescido de R$ 100 milhões a R$ 150 milhões ao ano.
A família também conseguiu elevar a sua participação direta na Nova.com, como foi chamada a empresa de comércio eletrônico que reúne a venda on-line das três redes, a operação de atacado (B2B) do Ponto Frio e uma empresa de soluções de e-commerce, a e-Hub. Na nova configuração, em que a Globex é majoritária da Nova.com, a família detém 24% das ações da empresa (contra 17% na versão anterior). "Os Klein temiam a concorrência predatória da loja on-line com os seus pontos da rede física", diz outra fonte. A direção da Nova.com continua com os executivos Eduardo Chalita e German Quiroga, entre outros, que vieram da Americanas.com.
Garantir liquidez à Globex era uma das preocupações dos Klein para garantir aos acionistas uma "porta de saída". Pelo novo acordo, tanto a família quanto o Pão de Açúcar precisam manter as ações (lock-up) por dois anos. Mas a partir do 11º mês será possível fazer uma oferta pública (primária e secundária) de ações da Globex, que deve atingir um mínimo de 20% de free float dentro de seis anos. A governança, outro ponto em aberto, não mudou muito em relação à primeira versão. Os Klein terão direito veto em questões como aquisição, conferido a minoritários.
"Eu e o Raphael [Klein] estamos loucos para que termine logo o call e a gente possa trabalhar na integração (...) e correr atrás do tempo perdido", disse na sexta-feira o presidente do Pão de Açúcar, Enéas Pestana, durante teleconferência com analistas de mercado para explicar os novos termos da fusão. Na ocasião, estavam presentes o presidente do conselho do Pão de Açúcar, Abilio Diniz, e o presidente da Globex, Raphael Klein - neto de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, e responsável por ir buscar na tarde de quinta-feira a assinatura do avô, em Angra dos Reis (RJ), para consolidar o negócio.
Tanto na nova quanto na "velha" Casas Bahia, Samuel Klein detém mais de 50% do controle. Mas o ex-mascate que nos anos 50 começou a maior rede de eletromóvel do país não está presente no organograma da Globex. Pelo menos não oficialmente.
No alvo, redes regionais de alimentos
Crescer em alimentos deve ser a meta do Grupo Pão de Açúcar de agora em diante. Especialmente no Nordeste e no Sul do país, áreas em que as suas bandeiras não têm forte presença. "Faz mais sentido neste momento reforçar a presença no varejo alimentar, uma vez que a liderança em móveis e eletroeletrônicos está consolidada, depois do novo acordo com a Casas Bahia", diz um especialista que assessora o grupo de Abilio Diniz.
Na opinião de uma fonte do setor supermercadista, o movimento faria sentido para barrar a expansão do Walmart. O grupo americano garantiu espaço no Nordeste e no Sul do país com a compra das redes Bom Preço e Sonae, respectivamente. "Há redes importantes que estão nas mãos de famílias nessas regiões", diz a fonte.
Entre elas, o Yamada, do Pará, o Grupo Mateus, do Maranhão, o Grupo Carvalho, do Piauí, o Bonanza Supermercados, de Pernambuco, e o Nordestão, no Rio Grande do Norte. Já no sul as opções seriam as gaúchas Zaffari e Unidão Supermercados, e os catarinenses Grupo Angeloni e Supermercados Imperatriz. "Nos anos 80, o Pão de Açúcar vendeu suas lojas em Santa Catarina, onde não teve sucesso", diz a fonte. "Para os supermercadistas em geral, é mais fácil explorar o Nordeste, chegando a um novo consumidor, do que tentar o Sul, mercado já consolidado, em que a concorrência é mais pesada", diz. No varejo alimentício, o Pão de Açúcar está em oito Estados e no Distrito Federal. No Sul, tem lojas só no Paraná.
Durante o GPA Day, encontro dos diretores do grupo com analistas e investidores, em maio, o presidente do GPA, Enéas Pestana, demonstrou interesse em reforçar a presença da empresa em alimentos. Citou o canal de "atacarejo", onde tem a bandeira Assai. "O atacarejo é a forma mais barata de expansão em varejo alimentício, porque requer menos investimentos", diz uma fonte. (DM)
Veículo: Valor Econômico