Do produtor de milho à JBS, o rastro dos derivativos nos EUA

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O produtor agrícola Jim Kreutz usa derivativos para amortecer o impacto no caso de os preços de milho para ração animal caírem antes da colheita. Seu cunhado, o criador de gado Jon Reeson, também recorre aos derivativos para fazer o hedge do preço de seus bois. A cooperativa de produtores locais usa os derivativos para financiar um preço fixo para o diesel dos caminhões que levam o gado para o matadouro. E a unidade de processamento usa os derivativos para estabilizar os custos, do gás natural às moedas estrangeiras.

 

Longe de Wall Street, a reforma financeira do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que pode ser aprovada pelo Congresso ainda hoje, vai deixar uma trilha no amplo cenário da indústria americana.

 

Criado para resolver os problemas que contribuíram para causar a crise financeira, o projeto de lei vai afetar os caixas das lojas de rua, governos municipais, pequenas indústrias, compradores de imóveis e empresas de crédito, o que mostra a ampla natureza do projeto, a mais completa reforma das regras financeiras desde os anos 30.

 

Aqui na área rural do Nebrasca, as pessoas envolvidas com o negócio de levar a carne do pasto à boca estão ansiosas, especificamente com as cláusulas do projeto de lei que endurecem as regras para os derivativos. Alguns temem que os limites tornem os negócios mais caros e mais arriscados. Outros têm esperanças de que as mudanças estimulem a concorrência e que isso acabe por favorecê-los.

 

"Aqui nós gostamos de falar mal das grandes instituições bancárias por causa da crise das hipotecas, mas também sabemos que sem elas alguns desses mercados não funcionam", diz Mike Hoelscher, gerente do programa de energia da AgWest Commodities LLC, uma corretora de Holdrege, Nebrasca, que oferece serviços com derivativos para o setor agropecuário.

 

Os derivativos são instrumentos financeiros cujos valores "derivam" de uma outra coisa, tais como taxas de juros ou óleo para aquecimento. Os primeiros derivativos foram futuros agrícolas, que apareceram nos EUA no fim da Guerra Civil e se tornaram uma faceta padrão dos negócios das empresas em todo o país.

 

Durante a crise financeira, eles se tornaram notórios, uma vez que a American International Group Inc. e outros foram destruídos por apostas erradas em derivativos ligados a financiamentos problemáticos.

 

Obama e outros dizem que a reforma das regras financeiras vai evitar os empréstimos imprudentes que afundaram o sistema financeiro e deixaram a conta para os contribuintes. Eles dizem que as empresas não financeiras estão se preocupando desnecessariamente com a parte do projeto que trata dos derivativos.

 

O impacto total das medidas demorará anos para ser sentido, mas, em Nebrasca, os nervos já estão à flor da pele.

 

A nova lei exige que a maioria das operações com derivativos seja padronizada, negociada em bolsas, assim como as ações, e submetida às câmaras de compensação para evitar calotes. Diante do forte lobby, o Congresso isentou parcialmente as empresas que usam derivativos para fins comerciais.

 

A questão para os produtores rurais é se tais regras vão tornar as operações de hedge mais caras. Alguns alegam que as exigências impostas aos grandes operadores vão elevar os custos para os menores, como o dinheiro que os corretores terão de provisionar para participar de transações privativas com derivativos. Alguns corretores acreditam que as restrições aos grandes bancos e investidores vão reduzir o volume de recursos nas operações básicas que são as mais usadas pelos produtores.

 

Outros preveem o efeito oposto, ou seja, que o dinheiro sairá do mercado privativo para as bolsas e criará uma competição que favorecerá os produtores.

 

A incerteza reina em Giltner, uma cidade com 400 moradores neste Estado central dos EUA. À primeira vista, a paisagem de Giltner parece sem graça, um horizonte com plantações de milho e de soja a perder de vista. Mas os detalhes são mais sutis, com flores silvestres e riachos à sombra. Por toda parte, os sistemas de aço galvanizado para regar as plantas cobrem os campos como gigantescos bichos-pau.

 

Kreutz, um homem extrovertido de 36 anos, de cabelo louro escuro bem curto e pescoço queimado de sol, abandonou uma carreira em finanças e assumiu uma fazenda da família, de 1.100 hectares, depois da morte do pai. Enquanto trabalha no campo, ele checa os preços futuros dos produtos agrícolas no telefone inteligente.

 

Eis como ele opera: no começo do verão, digamos, ele vê que o preço na Bolsa de Chicago de um contrato futuro de milho com entrega meses depois está em US$ 3,56 o bushel. Se gosta do preço e quer assegurá-lo, ele liga para a AgWest e vende um contrato futuro para 5.000 bushels. O futuro é um derivativo, no qual o preço do milho é definido para entrega no futuro, embora o produto não vá trocar de mãos. Ao invés dele, quando a data de vencimento do contrato se aproximar, Kreutz e o comprador do contrato farão o acerto - de fato - com um cheque.

 

No outono americano, quando Kreutz está pronto para entregar sua colheita à cooperativa local, o preço de mercado pode ter ficado 50 centavos de dólar mais baixo. Ele vai vender o milho que tem em mãos por esse valor. Mas vai compensar a diferença por meio do hedge financeiro. (Kreutz compra novos contratos futuros a preços mais baixos para cumprir o acordo anterior, ganhando 50 centavos de dólar.) No fim, ele vai ter atingido o preço alvo que fixou no começo do ano, menos a taxa de corretagem.

 

Se o preço subir no verão, como ocorreu durante a crise dos alimentos há dois anos, Kreutz terá que dar mais dinheiro ao corretor - uma chamada de margem - para manter sua posição. Ele recupera isso quando vende o milho que colheu por um preço mais alto, mas tem que arcar com o prejuízo para cumprir o contrato futuro que assinou antes. Assim, deixa de usufruir o ganho inesperado, mas consegue atingir sua meta de preço.

 

Kreutz faz esse tipo de operação dezenas de vezes por ano, com hedge para 70% de sua colheita de milho de 8.700 toneladas.

 

A poucos minutos da fazenda da família de Kreutz estão os currais de engorda de Jon Reeson. Reeson, de 43 anos, é casado com a irmã de Kreutz, Jane. Seus currais comportam até 1.500 cabeças, em sua maioria Aberdeen Angus, que crescem de bezerros de cerca de 270 kg para animais de quase 600 kg, prontos para o matadouro.

 

Reeson usa derivativos tanto para o preço que paga pela ração animal quando para o preço que recebe com a venda do gado.

 

O processo de engorda requer mais de 3,2 toneladas de comida para cada animal. Reeson não pode contar com preço especial da fazenda do cunhado, na qual tem uma participação. Então, quando vê um preço de que gosta, ele fecha um contrato futuro.

 

Quando o gado atinge o peso adequado, Reeson coloca os animais nos caminhões de Roger e Barb Wilson, que os levam até o matadouro. Os Wilson têm 7 semirreboques e 16 trailers, e um dos maiores custos que têm é o combustível para manter a frota na estrada.

 

Em 2004, a Cooperative Producers Inc., sua cooperativa local, lhes ofereceu um plano de proteção para 10.000 galões de diesel (37.850 litros) por cerca de US$ 2,50 por galão, com 90 dias para usá-los.

 

A cooperativa tinha uma opção. Poderia optar por se arriscar e torcer para que o preço do combustível caísse antes que a família Wilson usasse todo a quantidade acertada, o que lhe daria um ganho extra. Se os preços saltassem, entretanto, a cooperativa arcaria com perdas. "Isso é especulação", diz Gary Brandt, presidente da área de energia da cooperativa. "Mas isso não é o que cooperativas fazem. Isso é o que o Goldman Sachs faz."

 

Em vez disso, a cooperativa fez uma operação de hedge na Bolsa Mercantil de Nova York, comprando futuros de óleo para aquecimento, que é o mais próximo do diesel no mercado futuro. A cooperativa avançou ainda mais e também fez um hedge para a diferença entre o combustível negociado em Nova York e o entregue no Nebrasca.

 

Os Wilson entregam o gado de Reeson em um complexo baixo, de cimento cinza, em Grand Island, Nebrasca, onde caminhões chegam carregados de gado e saem com carnes. Nos últimos 12 meses, Reeson vendeu 1.125 cabeças para a unidade de processamento, que pertence à JBS USA, que fica em Greeley, Colorado, e pertence à brasileira JBS SA.

 

A JBS compra os animais de duas maneiras. Às vezes, ela paga em dinheiro pelo abate que vai acontecer na semana seguinte. Às vezes, compra para um futuro mais distante. A JBS faz hedge no mercado de derivativos para se proteger caso os preços caiam antes da entrega.

 

A empresa também vende os cortes de carne a futuro para as cadeias de restaurante, prometendo entregá-los por preços definidos meses antes. A JBS espera ter carne suficiente para cumprir os contratos. Mas, se houver falta, a empresa não quer correr o risco de ter que pagar mais pela carne para suprir os restaurantes.

 

Então, por segurança, ela usa o mercado de derivativos. Para fazer isso, precisa encontrar formas para fazer o hedge de diferentes cortes de carne: o filé mignon pode representar 1,5% do valor total do gado. Já o contrafilé pode equivaler a 3%. De uma certa forma, a JBS se protege ao reconstruir o gado atráves de operações de derivativos na Bolsa Mercantil de Chicago. "Nós tentamos reconstituir a carcaça financeiramente", diz o porta-voz da empresa, Chandler Keys.

 

A JBS faz o hedge da eletricidade para seus refrigeradores e para o gás natural usado nas caldeiras. Também faz operações de hedge cambial para estabilizar a receita de outros países. E faz cobertura para a frota de milhares de caminhões.

 


Veículo: Valor Econômico


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