Clima e demanda fazem o produto superar em quase cinco vezes a inflação de 3,22% até julho
A disparada no preço do leite está batendo o ritmo da inflação neste ano e azedando o orçamento das famílias brasileiras. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15) registrou elevação de 3,22% entre janeiro e julho, a bebida subiu quase cinco vezes mais: 15,25%. De seis derivados do produto observados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), todos ficaram mais caros em 2010. Além do clima, que influenciou a produção, o mercado doméstico aquecido — impulsionado pelo consumo da crescente classe média — pressionou fortemente a indústria e empurrou os valores para cima. Nem os ganhos de produtividade nos currais conseguiram aplacar a pressão sobre os produtos lácteos.
Nos últimos dois meses, o preço dos alimentos começou a sofrer uma desaceleração, o que representou um alívio no bolso do consumidor. Com o leite não foi diferente. Em junho e julho, o IBGE registrou recuo no custo do produto, mas, diante das altas anteriores no decorrer do semestre, as quedas foram mínimas e não deram conta de reduzir os custos efetivamente. “O preço está recuando, mas a expectativa é de que pare e passe a subir, porque o inverno é uma estação seca e a produção cai”, explicou o professor André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O gado perde sua principal fonte de alimentação natural. Para o animal continuar a produzir o leite, o pecuarista tem de entrar com complementos.”
Obstáculos
Se em janeiro era possível comprar uma embalagem com 24 litros de leite por R$ 48, em julho, mesmo com o “recuo” recente no preço, o desembolso subiu para R$ 55,32. Para uma família de baixa renda que disponha de apenas um salário mínimo para viver, o impacto é forte — a compra consumirá quase 11% do orçamento. Tamanha alta, segundo Braz, deveu-se a problemas climáticos no início do ano. Nas três principais regiões produtoras do país, houve quebra de safra. Em São Paulo, as fortes chuvas prejudicaram as condições de pastagem e do transporte, aumentando a quantidade de perdas na produção. Em Minas Gerais, a seca também comprometeu a qualidade do pasto. Na Região Sul, o problema foi o calor intenso. Com um rebanho de origem europeia, o gado passou a produzir menos.
Os preços também foram influenciados pelo forte consumo no primeiro semestre. Em um país de população jovem, com quantidade elevada de crianças e onde o tradicional pãozinho francês tem como companheiro o café com leite, a emergente classe C tornou-se um componente a mais, e explosivo, para os preços de produtos como as bebidas lácteas. O militar Mário Ribeiro, 46 anos, é um desses consumidores que impulsionaram a forte demanda pelo produto. Com três filhos jovens, sua família bebe 30 litros por mês. “O ideal seria comprar o leite no período em que ele está mais barato, para estocar. Mas, em casa, é difícil. Não tenho como guardar grande quantidade”, lamentou. Paulo César Moreira, 59 anos, também militar e amigo de Mário, confessou, em uma lanchonete de Brasília, ter o hábito de tomar achocolatados. Mas reclamou: “O preço do leite está salgado. Faz tempo que subiu e não baixou mais”.
Veículo: Correio Braziliense