Trigo deixa de ser coadjuvante e passa a ter papel principal

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Um dos fatores fundamentais que justificam o aumento expressivo dos preços internacionais da soja e do milho nos últimos 60 dias foi a definição da La Niña no oceano Pacífico no início de julho.

 

E a La Niña instalada rapidamente após um El Niño, como é o caso em 2010, traz consigo, por vezes, aumento das temperaturas e escassez hídrica para uma parte do cinturão de produção dos Estados Unidos justamente em agosto, no momento mais importante para a definição da produtividade agrícola daquele país.

 

Resultado: na primeira semana deste mês, os preços da soja registraram o maior valor do ano na Bolsa de Chicago. Isso significa que o mercado está adicionando um prêmio de risco aos preços, diante de eventual quebra da safra norte-americana. Os olhos do mercado mundial continuam, naturalmente, voltados para a região agrícola que mais produz soja e milho no mundo.

 

Mas, ao mesmo tempo, eles foram obrigados a prestar atenção na Rússia e na revisão dos quadros de oferta e demanda de trigo. A fumaça das queimadas e o calor de 38C -algo nunca visto antes em Moscou- ganharam as manchetes dos jornais, enquanto os prospectos de produção de grãos foram se tornando cada vez mais pessimistas.

 

Lentamente, o foco foi desviado da até aqui boa safra norte-americana para a quebra da safra de trigo da região do mar Negro. A confirmação de que o estrago era maior do que o previsto foi, na semana passada, a suspensão, pelo governo russo, das exportações de grãos até dezembro. Foi o que bastou para os preços internacionais do cereal dispararem. Os mercados da soja e do milho vieram a reboque do primo pobre, o trigo.

 

A região do mar Negro produtora de trigo envolve Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. Nos últimos dois anos, essa região colheu safras recordes, próximas de 114 milhões de toneladas, em uma safra mundial estimada em 680 milhões. Neste ano, já se fala entre 80 milhões e 90 milhões de toneladas, apenas.

 

No ciclo 2009/10, esses países foram responsáveis pela exportação de 35 milhões de toneladas de trigo, ou 27% de todo o volume comercializado mundialmente. Não é pouca coisa -daí o impacto da quebra deste ano sobre as cotações.

 

Na ópera do mercado de commodities, o trigo vai deixando de ter o papel monótono e coadjuvante de 2009 para ser o ator principal e com voz de barítono em 2011. Isso porque, no final de 2009, os preços pouco atrativos do trigo desestimularam os fazendeiros dos Estados Unidos a cultivá-lo no inverno, fazendo com que a área plantada recuasse para a menor já registrada desde a década de 1970.

 

Isso abriu espaço para que soja e milho avançassem novamente e atingissem, juntos, um novo recorde em terras norte-americanas. Para 2011, o cenário pode se inverter, especialmente se os preços do trigo continuarem brilhando em carreira solo na Bolsa de Chicago.

 

Veículo: Folha de S.Paulo


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