O aumento das importações brasileiras de leite UHT e de soro provenientes principalmente do Uruguai tem prejudicado o setor leiteiro de Minas Gerais e do país. Um dos principais reflexos do crescimento da oferta de produtos importados no mercado interno é a redução dos preços pagos aos produtores em plena entressafra. A queda dos valores complica ainda mais a geração de lucros para os pecuaristas leiteiros, que estão sem condições de investir na manutenção das atividades.
Em busca de soluções para barrar o ingresso predatório dos produtos no mercado doméstico e impulsionar a cadeia leiteira, representantes dos cinco maiores estados produtores de leite se reuniram ontem na Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). O objetivo foi fazer um documento para ser entregue ao ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, para reivindicar o maior controle das importações de lácteos.
De acordo com dados Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), no Estado, o preço médio bruto do litro de leite, em julho, caiu 7% (5,7 centavos por litro), recuando para R$ 0,75 o litro, em pleno período de entressafra. Minas Gerais é o maior produtor leiteiro do país, com cerca de 30% do volume total.
Segundo o presidente das Comissões de Leite da Faemg e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Sant’Anna Alvim, as expectativas em relação aos próximos meses são pessimistas, caso não sejam estabelecidas medidas para controlar a oferta do produto e proporcionar o aumento do preço do leite captado em Minas Gerais.
O principal impacto poderá ser o recuo da produção leiteira do Estado e o sucateamento dos laticínios e propriedades rurais. Já que os produtores estão comercializando o leite abaixo dos custos de produção.
Acordo bilateral - De acordo com Alvim, a liberação do mercado brasileiro de lácteos ao Uruguai faz parte de um acordo firmado no início do ano entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e José Mujica. O Uruguai se comprometeu a retirar as restrições sanitárias impostas à carne de frango brasileira em troca da livre exportação de lácteos ao Brasil.
Ao contrário do presidente do Brasil, o representante do país vizinho, para preservar o mercado local, estabeleceu cotas de participação para o ingresso da carne de frango brasileira no Uruguai. Os lácteos uruguaios têm acesso livre ao Brasil. A União Brasileira de Avicultura (Ubabef) confirmou que o limite de embarques para a carne de frango ao Uruguai é de 120 toneladas por mês, o que corresponde a apenas 4% do consumo no país.
Imposição - "O presidente Lula firmou o acordo com o governo uruguaio sem negociar ou ouvir os representantes do setor leiteiro. A negociação foi imposta e vem prejudicando significativamente a produção brasileira", disse Alvim.
Segundo o dirigente, o déficit na balança comercial de lácteos chegou a US$ 70,5 milhões no acumulado do primeiro semestre deste ano. O valor ficou 38,1% superior ao saldo negativo de US$ 51,1 milhões acumulado nos primeiros seis meses de 2009.
O leite uruguaio está chegando ao mercado brasileiro a preços inferiores em até 40% aos praticados pela indústria local, pressionando para baixo os valores pagos aos criadores.
Competitividade - "A produção do Uruguai, além de ser subsidiada, não enfrenta problemas como a brasileira que tem o câmbio desfavorável, com a moeda nacional sobrevalorizada em relação ao dólar, e alta incidência de impostos. Tudo isso contribui para a redução da competitividade da pecuária de leite brasileira", disse Alvim.
Somente no primeiro semestre de 2010, o Brasil importou 4,31 milhões de litros de leite UHT, aumento de 60% na comparação com igual período do ano anterior. Desse total, parcela de 61,4% veio do Uruguai, cerca de 2,65 milhões de litros. Em junho, o país comprou 1,136 milhão de litros de leite UHT do Uruguai, volume que corresponde a 26,3% do total importado no ano.
Outro problema enfrentado no mercado brasileiro e mineiro é que, ao ingressar no mercado local, o leite uruguaio não paga imposto. Já o leite mineiro, ao ser vendido para outros estados, é taxado em 12% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). "A questão tributária coloca o produto em desvantagem ao concorrente uruguaio dentro do território nacional", afirmou Alvim.
Soro - Outro problema que preocupa a CNA é a elevada importação de soro de leite. Por esse motivo, no último dia 4, foi encaminhado ao ministro Wagner Rossi um ofício no qual a entidade solicita a abertura de investigação sobre a elevada quantidade de soro de leite importada.
Em junho, o Brasil importou 4,117 mil toneladas de soro de leite, 73% a mais da média mensal de importação do ano passado, que foi de 2,384 mil toneladas. "O Brasil é autossuficiente na produção de soro, portanto, não existem motivos para comprar esse produto no exterior. Queremos saber para que o produto está sendo importado", disse o dirigente.
Segundo o representante da cadeia leiteira, a alta tributação vigente no Brasil prejudica os produtores nacionais, ampliando a desvantagem competitiva em relação ao Uruguai. No Brasil, os pecuaristas de leite pagam 9,25% de Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) em insumos como ração e sal mineral. Estes itens representam cerca de 40% do custo operacional total da produção.
No país vizinho, os mesmos insumos não enfrentam alta tributação. "O setor lácteo nacional é competitivo, mas as políticas econômicas e tributárias do Brasil impedem maior crescimento e colocam o setor em situações de desvantagem em relação aos concorrentes internacionais", alertou Alvim.
Uma das propostas da cadeia leiteira é o estabelecimento de cotas de importação para os produtos lácteos uruguaios. A medida seria semelhante ao acordo firmado com o leite em pó argentino em abril do ano passado e renovado em abril deste ano.
Veículo: Diário do Comércio - MG