Uma nova cadeia citrícola em formação

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O mercado internacional de suco de laranja mudou, e os reflexos de um longo período de demanda mais retraída impulsionam a cadeia produtiva de São Paulo, a mais importante do Brasil e do mundo, em uma direção diferente daquela que acentuou as divergências entre citricultores e indústrias nas últimas décadas. De um ano para cá os preços subiram graças a sérios problemas na oferta, mas o processo de ajuste a um cenário de consumo menor e mais exigente perdura.

 

Em meio às turbulências provocadas por disputas de preços da matéria-prima - amplificadas por investigações sobre um suposto cartel entre as principais empresas exportadoras da commodity - e estoques de suco em importantes consumidores como os Estados Unidos e a Europa nas alturas, a caixa de 40,8 quilos da laranja destinada às indústrias caiu a um de seus níveis mais baixos em meados do ano passado.

 

No mercado spot paulista, a caixa desceu para quase R$ 3, ante um custo de produção e transporte que, para grande parte dos citricultores, era superior a R$ 10. As indústrias resistiam em fechar contratos de um ou dois anos para receber a fruta, centenas de produtores deixaram a atividade e Citrosuco e Citrovita, segunda e terceira maiores companhias do segmento, iniciaram as conversações para unir operações, ganhar escala e superar a Cutrale na liderança das exportações mundiais de suco.

 
 
Hoje a caixa vale quase R$ 15 no mercado spot, conforme levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), mas os problemas continuam. Até porque, em boa medida, é por causa desses problemas - sobretudo os fitossanitários, que elevam o custo de produção - que os preços subiram tanto.

 

Com geadas e a disseminação da doença conhecida como greening, a Flórida, Estado americano que reúne o segundo maior parque citrícola do planeta, acaba de colher, na safra 2009/10, 134 milhões de caixas de laranja, 25% menos que a média dos dez ciclos anteriores. O mesmo greening afeta a produção em São Paulo, maior produtor do mundo, que colhe uma safra (2010/11) de 185 milhões de caixas, 11% menor que em 2009/10 e bem abaixo das quase 350 milhões de meados desta década.

 

Há sinais de crescimento na próxima temporada nos dois polos, por causa do salto dos preços, mas a tendência de longo prazo é de estabilidade ou queda, segundo alguns especialistas. Para Maurício Mendes, presidente da consultoria AgraFNP e membro do Grupo de Consultores em Citrus (GConci), o mercado caminha, assim, para volumes mais magros o suficiente para garantir preços médios melhores e mais sustentados na exportação de suco e na produção da fruta.

 

Novas técnicas de plantio já são capazes de multiplicar a produtividade em áreas menores, o que facilita o controle de doenças e agiliza correções na oferta em casos de guinadas da demanda. É laranja da mão para boca. "O Brasil é mais eficiente que a Flórida em custo, e normalmente os ajustes tomam por base os mais competentes", diz Mendes. Com a oferta perseguindo a demanda mais de perto, é de se esperar, também, ciclos mais curtos de altas ou baixas de preços.

 

Na medida que expulsa os menos eficientes, quebras da produção de laranja em São Paulo e na Flórida, como as observadas em 2010/11, ajudam a acelerar esse redimensionamento da oferta. Mas, como o processo ainda não está maduro, também abrem espaço para disputas ferrenhas pela matéria-prima. Foi o que aconteceu no mercado paulista no primeiro semestre.

 

A corrida das indústrias antecipou a colheita e, segundo Margarete Boteon, do Cepea, colaborou inclusive para esvaziar a oferta disponível no spot, onde hoje há poucos negócios. A resistência das empresas em fechar contratos de um ou dois anos se dissipou e novos acordos de compra foram firmados, por valores estimados no mercado entre R$ 13 e R$ 16 por caixa. Parte dos contratos mais longos foram reajustados, mas produtores dizem que muitos ainda brigam por preço melhor.

 

Apesar dos aumentos, diz a especialista, tem gente ganhando e gente perdendo. "Tudo depende dos custos e da produtividade. Fatores como greening e irrigação interferem muito nesse cálculo". Mendes realça que por isso a localização do pomar é, hoje, muito mais importante do que há dez ou 15 anos. Em regiões tradicionais como Araraquara, no centro-norte paulista, o custo já subiu demais com os problemas fitossanitários. Em municípios mais ao sul como Itapetininga, o ganho pode ser maior. "De modo geral, o custo pode variar de R$ 8 a R$ 15 por caixa em São Paulo. Na Flórida é mais elevado, entre US$ 8 e US$ 9".

 

Nas contas da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), criada em junho de 2009 por Cutrale, Citrosuco, Citrovita, Louis Dreyfus - as "4 Cs", levando-se em conta que a LD entrou no ramo com a compra da Coinbra -, muitos citricultores paulistas estão recebendo, hoje, quase 10% mais que seus colegas da Flórida, mesmo com o custo maior no Estado americano, o que sustenta a tese de que o polo paulista prevalecerá diante do aperto da demanda internacional.

 

Ainda que não seja possível avaliar com precisão quantos produtores de São Paulo estão recebendo mais pela fruta nesta safra e quanto de fato significa esse plus, o departamento de gestão estratégica do Ministério da Agricultura prevê que o Valor Bruto da Produção (VBP, da "porteira para dentro") da laranja atingirá R$ 6,3 bilhões em 2010. Apesar da queda da produção, é o mesmo patamar de 2009.

 

Nas exportações, afirma Christian Lohbauer, presidente da CitrusBR, a receita também começou a aumentar. Entre vendas de suco de laranja concentrado, não concentrado e para outros fins, foram 665,6 mil toneladas, ou US$ 875,5 milhões de janeiro a julho. Em volume, há uma queda de 6,6% em relação ao mesmo período de 2009, e em valor a retração é de 6,4%. Mas a tendência para a receita total de 2010 é superar a do ano passado, porque muitos contratos de exportação foram ajustados para cima no segundo semestre de 2009, quando as cotações começaram a subir forte com as geadas da Flórida.

 

Ontem, na bolsa de Nova York, os contratos futuros com vencimento em novembro (segunda posição de entrega) fecharam a US$ 1,3905 por libra-peso, queda de 10 pontos em relação à véspera. Mas, segundo o Valor Data, a segunda posição acumula alta de 43% em 12 meses. Já há, contudo, pressões baixistas à vista, advindas da expectativa de aumento da produção da Flórida em 2010/11. Analistas reforçam que o aumento não representa uma tendência e decorre da baixa base de comparação.

 

Além de ampliarem os investimentos em logística e em novas técnicas para elevar a produtividade e de unirem operações para ganhar escala - como Citrosuco e Citrovita - , as indústrias exportadoras já diversificam os negócios para outros sucos, seja apenas no transporte ou no comércio. Nessa segunda frente, também há transformações. Ainda que a disseminação de novas bebidas concorrentes tenha gerado uma queda de 17% do consumo global direto de suco de laranja de 2001 a 2009, há mais espaço para que o produto seja usado como ingrediente, ainda que em teores menores.

 

A gigante americana Coca-Cola, por exemplo, hoje concentra toda a sua compra global de sucos em uma trading com sede em Zurique (Suíça). Não por coincidência, o diretor-geral da trading é Ademerval Garcia, presidente da antiga Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), que foi desativada na virada de 2008 para 2009 e depois substituída pela CitrusBR.

 

Para o processo estrutural em curso de ajuste da oferta à demanda mais curta, dizem especialistas, é melhor que citricultores e indústrias consigam aparar arestas e se preparar para um mercado mais justo agora que os preços estão melhores. Também é preciso aproveitar a boa fase do mercado doméstico, hoje pouco explorado pelas indústrias e pelos produtores de laranja para mesa, para escoar uma parte da produção. Em um ambiente de preços em queda, mostra a história do segmento, as conversações sempre são mais difíceis.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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