De empresa familiar nascida no interior da França a uma multinacional com operações industriais em 17 países, a gigante Bonduelle cravou sua bandeira em solo brasileiro ao inaugurar nova fábrica de legumes em conserva em Cristalina (GO), a 120 km de Brasília.
Baixada a poeira da festa nas novas instalações de Goiás, a líder mundial no processamento de vegetais se prepara para garantir crescimento com base em futuros arrendamentos e aquisições de terras na região Centro-Oeste. A estratégia é uma forma de se proteger das fortes oscilações de preços agrícolas internacionais. "Queremos ter parte da produção para evitar fortes oscilações e desequilíbrios nos preços internacionais dos alimentos", disse o diretor-geral Pierre Deloffre ao Valor.
A aquisição de terras é vista como "forma de proteger" o negócio, e não é uma prioridade absoluta ou imediata da empresa. "Nosso negócio não é produzir commodities como soja, milho ou trigo. Mas temos que driblar a especulação", diz o diretor-geral de desenvolvimento Bonduelle, Benoît Bonduelle. Os fundos hedge, segundo ele, têm distorcido o comércio mundial de alimentos ao apostar em peso nas bolsas e ameaçar o abastecimento de matérias-primas industriais. "Hoje, não falta trigo. Tem, sim, muita especulação".
O governo decidiu, recentemente, limitar a compra de terras por estrangeiros. Mas isso não preocupa os franceses. "Não é nosso modelo, não vamos tomar riscos que não são nossos. É apenas uma forma defensiva. A melhor alternativa é arrendar", diz Pierre Deloffre. Na Rússia, a empresa arrenda 3 mil hectares de terras. Na Ucrânia, detém outros 1,5 mil hectares. "Lá, tivemos que assumir porque não achamos parceiros qualificados. Aqui no Brasil, ao contrário, teremos muitos produtores bons e os planos são reforçar essas relações de médio e longo prazos", diz Benoît Bonduelle. Um obstáculo para administrar terras, segundo ele, é a necessidade de rotação de culturas para evitar propagação de pragas. "E investir em terra demanda muito dinheiro".
Em Cristalina, a empresa operará em parceria com produtores de uma região que usa alta tecnologia e irrigação para produzir nos 12 meses do ano. Na Europa, produz-se em apenas cinco meses. A Bonduelle também avalia oferecer serviços de operações de máquinas no plantio e colheita das lavouras.
A nova indústria, que terá R$ 115 milhões em investimentos até 2018, será usada como plataforma de exportações para a América Latina e abastecerá mercados nos Estados Unidos, Canadá e Europa durante a entressafra no Hemisfério Norte. A planta, a 43ª da Bonduelle no mundo, dará agilidade à empresa para aproveitar "janelas de oportunidade" e exportar para qualquer lugar do planeta.
A produção global de 50 mil toneladas de legumes por ano será elevada quando a empresa avançar sobre novos mercados. Na Europa, a Bonduelle produz 50 tipos de legumes. Aqui, começará com ervilha e milho doce frescos, mas já testa a introdução de grão-de-bico e feijão branco. Em breve, a empresa agregará à sua linha produtos congelados de brócolis, cenoura, couve-flor e outros legumes.
Na América Latina, a empresa ainda pode investir em outras fábrica. Tudo dependerá da elevação do consumo de legumes. "Mas somos uma empresa familiar. Vamos passo a passo. Tem que ter dinheiro no bolso para avançar", diz Benoît Bonduelle. Como exemplo, ele lembra que o Brasil consome apenas 2,7 quilos de legumes por família ao ano. Na França, esse índice sobe a 15 kg por pessoa. "Se o brasileiro consumir algo parecido com isso, podemos investir mais", diz. Mas questões como câmbio, logística e tarifas aduaneiras pesarão sobre a decisão de novos investimentos. "Hoje, temos 20% dos negócios na América do Norte".
Em operação comercial desde 1994 no Brasil, o grupo quer dominar 10% do mercado doméstico e gerar 5% do volume de sua produção global aqui. A empresa prevê encerrar 2011 com faturamento de R$ 150 milhões, avalia o diretor industrial João Alves Neto. A Bonduelle, que atua em 80 países, desembolsará R$ 40 milhões para erguer o complexo de 15 mil m² em uma região que conta com uma área irrigada de 20 mil hectares por mais de 200 pivôs centrais. "Vamos comprar a produção em um raio de 10 km da porta da fábrica", diz o executivo.
Veículo: Valor Econômico