O entrave causado por milhares de contêineres apreendidos e abandonados diariamente nos portos do país poderá ser reduzido com o uso da tecnologia. A Receita Federal vai adotar o pregão eletrônico para leiloar as mercadorias que ficam retidas por meses - às vezes, mais de um ano - na alfândega. Até então, todos os leilões de cargas apreendidas eram realizados de forma presencial, com os interessados de frente para a mercadoria. Pelo decreto publicado sexta-feira pela Receita, agora a transação migrou para o computador.
Por enquanto, o uso do pregão eletrônico ficará restrito às compras feitas por empresas. Os leilões para pessoa física permanecem como estão. A mudança é bem recebida por especialistas e organizações do setor. Pelos cálculos do Centro Nacional de Navegação (Centronave), há cerca de 5 mil contêineres parados nos portos, à espera de uma destinação. Com o aumento das importações puxadas pelo real valorizado e a chegada das festas de fim de ano, a tendência é que a situação se agrave. "Vivemos um cenário próximo do caos. A Receita está se esforçando, mas não tem pessoal para dar conta da demanda", diz Elias Gedeon, diretor-executivo do Centronave.
De 2001 a 2008, segundo dados da Centronave, o porto de Santos, que responde sozinho por 25% de toda a carga movimentada pelo país, viu a circulação de contêineres crescer 144% em seus terminais. No mesmo período, a retro-área de Santos, usada para armazenamento, só avançou 49%. A extensão do cais para atracação cresceu 6%.
"Causa inconformismo saber que 5 mil contêineres retidos com cargas do processo produtivo acabam virando passivos incontornáveis e ocupando espaços nobres, que deveriam servir para guardar só o que presta, e não o que não presta", diz Sérgio Salomão, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Terminais Portuários de Uso Público (Abratec).
Há de tudo nos contêineres, de eletrônicos a vestuários, passando por veículos e produtos perecíveis. "Não é raro a gente saber que uma carga simplesmente estragou, porque passou a data de vencimento", afirma Aluisio Sobreira, vice-presidente da Câmara Brasileira de Contêineres (CBC).
De janeiro a outubro, a Receita Federal realizou 54 leilões em todo o país, arrecadando R$ 150,4 milhões com a venda de "cargas em perdimento", como são conhecidas as mercadorias abandonadas por importadores ou apreendidas na alfândega. Do total, 18 leilões foram realizados em São Paulo, com arrecadação de R$ 79,3 milhões.
O pleito das instituições que representam o setor é que a Receita terceirize para a iniciativa privada a realização dos leilões. Segundo Gedeon, da Centronave, uma proposta para isso foi formulada e entregue à Receita. Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou que não comentaria o assunto.
A realização dos pregões eletrônicos exige que a empresa interessada em arrematar mercadorias utilize certificação digital, um sistema de assinatura eletrônica que garante a autenticidade do usuário. Os lances feitos por meio do computador serão recebidos pelo prazo médio de uma hora e, durante a disputa, os concorrentes terão acesso ao lance mais alto oferecido, sem a identificação de quem fez a oferta. O fechamento do pregão ocorre na etapa seguinte, na fase aleatória, em que o pregão pode ser encerrado a qualquer momento dentro do prazo máximo de 15 minutos.
"Falta simplificar o processo administrativo aduaneiro dessas cargas e reduzir o prazo de procedimento de controle prévio", diz Thiago Miller, advogado especialista em direito marítimo e portuário. "Hoje, a Receita apreende a carga por 90 dias para isso, podendo ser prorrogado por mais 90 dias. E isso é só o controle prévio, ou seja, o ônus está causado, não tem saída."
Os leilões presenciais, dos quais pessoas físicas podem participar, costumam atrair muita gente. Em junho, cerca de 3 mil pessoas compareceram a um leilão da Receita Federal. Os lances envolviam dois automóveis Ferrari, um Porsche Cayenne e um Audi TT, além de diversas motos e outros produtos.
"Sabemos que é possível ser mais eficiente sem ter de fazer grandes investimentos. O pregão eletrônico é um exemplo disso", diz Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP). "A Receita Federal, antes de qualquer coisa, sabe que tem que vencer sua própria burocracia."
Veículo: Valor Econômico