A IN 16, do Ministério da Agricultura, entrará em vigor em fevereiro e fiscalizará impurezas e qualidade da bebida
Uma Instrução Normativa, a 16, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), agitou, entre os dias 12 e 16 de novembro, o 18.º Encontro Nacional da Indústria do Café, em Natal (RN). Prestes a entrar em vigor, no dia 17 de fevereiro do ano que vem, a IN16 afeta diretamente a indústria do café torrado em grão e do café torrado e moído – incluindo o produto importado –, já que delega ao ministério a função de monitorar a qualidade do produto final, em relação ao teor de impurezas, umidade e qualidade da bebida.
Em última análise, quem sai beneficiado é o consumidor, que terá a garantia oficial de um órgão – com poder de fiscalizar e punir – de que o café disponível é puro, e está em condições de ser consumido como bebida com padrões mínimos de qualidade.
Selo de qualidade. Até a edição da IN16, quem se autofiscalizava em relação ao controle de impurezas no café era a própria indústria torrefadora, por meio do selo de qualidade da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), instituído há 20 anos justamente para coibir a fraude no produto final, com a adição de produtos como milho, soja, melado, palha, sementes de açaí e o que mais a imaginação achar que pode ser travestido de café na hora da torra e moagem.
Só que a Abic, com 1.113 associados, sendo 95% de pequenas e médias torrefadoras, consegue garantir a pureza, com seu selo de qualidade, de 70% do total de 19,3 milhões de sacas de 60 quilos de cafés comercializadas no País, diz o presidente da entidade, Almir José da Silva Filho. O que não quer dizer que o restante, que não tem o selo da entidade, seja de cafés com impurezas. "No nosso ‘mapa da fraude’ calculamos que 1,5% do café vendido no mercado interno seja misturado", diz Silva Filho.
Ainda segundo o presidente da Abic, a IN16 permitirá punir os infratores. "O que fazíamos era denunciar a fraude, mas não existia lei para multar os fraudadores. Lançar mão do Código de Defesa do Consumidor também é complicado, já que não havia definição legal sobre os níveis e tipos admissíveis de impurezas no produto final." Segundo a IN16, só poderão ser vendidos cafés com teores máximos de 1% de impurezas, 5% de umidade e classificação global de qualidade de bebida de 4 para cima – numa escala de 0 a 10, sendo 0 péssimo café e o 10 o melhor.
Impurezas e qualidade. Quanto à fiscalização e a punição à adição de impurezas os torrefadores foram unânimes em aprovar. O que aparentemente pegou várias empresas de surpresa foi o fato de que o Mapa também passará a fiscalizar a qualidade da bebida, proibindo a comercialização de cafés com nota abaixo de 4. "Há dois anos, o que a Abic e o Mapa nos propuseram foi editar uma Instrução Normativa para combate às impurezas, não à qualidade da bebida. Quem define a qualidade do café que quer comprar é o consumidor, não o ministério", diz um torrefador mineiro.
Outro torrefador, do Nordeste, exemplifica: "Há vinhos de vários tipos no mercado interno, desde os de excelente qualidade até aqueles com adição de açúcar. Há público para esses vinhos, todos produzidos conforme as normas sanitárias vigentes", continua. "Para o café puro, independentemente da qualidade da bebida, também haverá vários públicos. E quem deve escolher que qualidade de café quer comprar é o consumidor final. O ministério definir e classificar, por análise sensorial, a qualidade da bebida, como exige a IN16, é um critério muito subjetivo", concluiu.
O diretor-executivo da Abic, Nathan Herszkowicz, complementa, porém, que a IN16 foi formulada com absoluta participação da indústria. "Tivemos 13 reuniões com os associados para debater o assunto, durante o período em que a IN esteve em consulta pública", garante, acrescentando que por causa da experiência tanto do selo de pureza quanto do Programa de Qualidade do Café (PQC), o Mapa procurou a entidade para debater uma normatização e classificação para o setor de café torrado e moído. "Não é nada diferente do que já fazem as empresas que seguem as normas do PQC e do selo Abic."
O torrefador mineiro acrescenta, porém, que manter um classificador de café em sua empresa, como exige a IN 16, custará por volta de R$ 9 mil mensais, incluindo o salário e custos trabalhistas. "A ideia da IN16 era combater a fraude, e não gerar mais custos para a indústria", indigna-se.
Já a iniciativa do ministério ocorreu porque ele tem de cumprir a Lei 9.972, de 25/5/2000, que obriga à classificação de todo produto de origem animal ou vegetal destinado ao consumo humano. Para o fiscal federal agropecuário do Mapa, Osmário Zan Matias, o que o ministério fez foi formalizar o que a indústria já fazia. "Antes a falha não tinha consequências. A partir de fevereiro, terá consequências e penalidades", diz.
Classificador e degustador passará por curso no Mapa
Outro ponto polêmico que envolve a IN16 foi a obrigatoriedade de a indústria contratar classificadores de café torrado e moído licenciados pelo Ministério da Agricultura para definir se o café a ser comercializado pela torrefadora atende aos padrões mínimos exigidos pela nova legislação. Esses classificadores terão de passar por um curso no Mapa – o primeiro ocorrerá em Viçosa (MG), no dia 30. A previsão, segundo o coordenador geral de Qualidade Vegetal do ministério, Fábio Florêncio Fernandes, é habilitar, até o fim do ano que vem, 340 profissionais classificadores e degustadores de café torrado e moído. Para essas primeiras turmas, o Mapa convocará profissionais já especializados em café verde. "A ideia do curso não é ensinar o que profissionais do ramo já sabem de cor", diz Fernandes, mas padronizar a classificação e degustação, para que todos falem a mesma língua e se elimine o máximo possível a subjetividade da classificação e análise de qualidade." / T.R.
Análise sensorial e falta de estrutura preocupam
Nas rodas de conversa durante o 18.º Encafé o que mais deixava inseguros os torrefadores era o fato de ficar à mercê da subjetividade da análise sensorial da qualidade da bebida. Tal análise será feita por empresa credenciada pelo Ministério da Agricultura, cujos profissionais terão de passar pelo curso de classificador e degustador de café torrado e moído. Serão esses profissionais que definirão se o café posto à disposição do consumidor – cujas amostras serão recolhidas pelos fiscais do Ministério nas gôndolas dos supermercados – tem qualidade mínima de bebida de 4 pontos.
Durante o Encafé houve degustação de café nível 4, uma bebida bastante ruim. E o que é posto à disposição do consumidor, hoje, não é uma bebida muito acima disso. "Se o fiscal do Mapa desclassificar meu café por meio de uma análise que é essencialmente subjetiva a quem recorrer? O nível de tolerância é ínfimo", preocupa-se um torrefador, acrescentando que a intenção é tentar reverter, na IN, a desclassificação por qualidade da bebida.
Outra questão que ficou clara e o próprio Ministério da Agricultura admitiu é que o órgão ainda não está adequadamente aparelhado, e nem estará em fevereiro, para efetivamente começar a fiscalizar, classificar e multar quem produzir café fora dos padrões. Ainda não há classificadores e degustadores formados e credenciados para o torrado e moído e o Ministério busca parcerias de laboratórios já existentes para analisar os teores de impureza do produto. "Num país do tamanho do Brasil não é possível, realmente, começar desde já pela punição", tenta acalmar os ânimos o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov), do Mapa, Maçao Tadano. Segundo Almir da Silva Filho, presidente da Abic, ainda tentou-se adiar a vigência da IN16 por isso, sem sucesso. Do lado dos classificadores, outra dúvida: se profissionais que atuam com café verde poderão se credenciar para classificar e degustar café torrado e moído, já que, apesar da experiência na área, alguns não são agrônomos, como exige a nova legislação. Outro imbróglio a ser resolvido até fevereiro.
Veículo: O Estado de S.Paulo