Plano chinês para laranja preocupa os americanos

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Citricultura: Temor é que asiáticos repitam o sucesso do suco de maçã

 

A Flórida está preocupada com a concorrência estrangeira na produção de suco de laranja - e, desta vez, a ameaça não vem do Brasil. A comissão de citros da Flórida, órgão do governo estadual que define políticas para o segmento, encomendou uma investigação à Universidade da Flórida sobre o projeto desenvolvido pela China para se tornar uma potência na produção de laranja e outras frutas cítricas da mesma "família".

 

Para o professor Zhifeng Gao, que lidera o projeto na Universidade da Flórida, o Brasil também deveria prestar bastante atenção ao que ocorre na China. "No longo prazo, o projeto chinês pode afetar o mercado mundial de citros e também o Brasil", disse ele ao Valor. Com as produções concentradas nos Estados de São Paulo e da Flórida, respectivamente, Brasil e EUA lideram as exportações globais de suco de laranja há décadas.

 

A China lançou em 2002 um grande projeto de Estado para desenvolver a produção de cítricos. A meta é cultivar 2 milhões de hectares de citros até 2015, uma área dez vezes maior que a da Flórida, e produzir 30 milhões de toneladas, mais do que a oferta combinada de São Paulo e Flórida, segundo Gao. "O principal objetivo é aumentar a renda dos agricultores e promover o desenvolvimento econômico regional."

 

O interior da China é bem mais pobre do que a região próxima ao litoral, onde ficam alguns dos mais importantes centros industriais do país. Para conter a migração do campo para as cidades, o governo chinês vem adotando nos últimos anos uma série de medidas para desenvolver as áreas mais pobres do país. Dentro desse pacote, foram definidos 15 produtos agrícolas prioritários, entre eles os citros.

 

A Flórida despertou para o perigo do avanço chinês em meados do ano passado, quando um executivo do Departamento de Citros da Flórida, Bob Norberg, visitou o país para participar de um congresso. "Um dos palestrantes levantou os dois braços e disse: 'A China vai dominar o mercado de citros em cinco anos'", relatou Norberg há algumas semanas, na reunião da comissão em que foi aprovada uma verba de US$ 174 mil para custear os estudos da Universidade da Flórida, que levarão dois anos. "Disse para mim mesmo: isso não será nada bom."

 

Na primeira fase do projeto chinês, entre os anos de 2002 e 2007, a área plantada de frutas cítricas aumentou 38% no país, e a produção, 72%, graças ao apoio dos governos nacional e locais, por meio de financiamentos e assistência técnica. "A qualidade das frutas melhorou significativamente", disse Gao.

 

A China tem quatro grandes áreas produtoras de citros, e o suco de laranja é o ponto forte em apenas uma delas. Em geral, os chineses preferem consumir a fruta fresca, e o país tem conseguido algum sucesso em abrir mercados na Europa para o pomelo. No suco de laranja, a produção aumentou 900% de 2002 a 2007, mas a China responde por apenas 0,7% da produção mundial do produto, conforme os dados coletados por Gao.

 

Embora a China hoje seja apenas um traço no mercado internacional de suco de laranja, os receios são de que o país se transforme em uma potência, seguindo os passos do Brasil a partir da década de 60. Foi quando o país começou a formar, praticamente do zero, uma forte indústria no segmento depois que uma geada na Flórida abriu uma imensa oportunidade de mercado.

 

Hoje o Brasil é o principal produtor do mundo, respondendo por cerca de 55% do mercado global, com exportações sobretudo para a Europa. A Flórida domina cerca de 30% do mercado global, com a produção dirigida basicamente para o próprio mercado americano, graças a barreiras tarifárias protecionistas que impedem a entrada do produto brasileiro, que é mais competitivo.

 

"Um exemplo do potencial chinês é o que eles fizeram na produção de maçãs", afirmou Norberg na audiência da comissão de citros. "Em cinco anos, o país saiu de quase nada para uma grande fatia do mercado mundial de suco de maçã, respondendo por 75% das exportações mundiais."

 

Além da produção, o consumo é uma variável-chave para determinar o papel da China no mercado de suco de laranja no futuro. O consumo per capita do produto aumentou 361% na China entre 2000 e 2009, enquanto nos Estados Unidos caiu 26% no mesmo período, em boa parte devido à concorrência de outras bebidas. Os chineses ainda consomem relativamente pouco suco de laranja, com uma média de 0,22 litro por ano, e há bastante terreno para avançar, considerando-se que os americanos consomem 61,2 mais vezes que isso.

 

Brasil ainda espera elevar vendas ao país

 

A indústria brasileira de suco de laranja passou a encarar a China como um mercado com grande potencial importador no início dos anos 2000, e até hoje, apesar do projeto chinês de expansão de sua própria cadeia citrícola, acredita que será possível ampliar as vendas ao país asiático. O problema é que, há uma década, as empresas exportadoras acreditavam que esse potencial só se concretizaria em alguns anos, e hoje a expectativa é exatamente a mesma, o que reforça entre os mais pessimistas a impressão de que é realmente mais fácil os chineses tornarem-se concorrentes do Brasil do que compradores relevantes.

 

Christian Lohbauer, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), pondera que o projeto chinês de expansão da produção de citros esbarra em um "clássico e grande problema de falta de água", nas carências e na desarticulação dos citricultores locais e nas dificuldades em lidar com a proliferação de doenças. Além disso, os chineses são mais fortes na produção de tangerina, normalmente vendida in natura - e nesse caso quem tem que se preocupar é a Espanha -, do que em variedades como pêra, natal e valência, as mais utilizadas na produção do suco brasileiro.

 

Segundo Lohbauer, o frustrante ritmo de crescimento das exportações brasileiras para a China, que atualmente absorve entre 2% e 3% do volume total embarcado (ver matéria ao lado) não decorre do projeto do país asiático de fortalecimento de sua citricultura, mas, sobretudo, de hábitos de consumo e preços. "Os chineses gostam de bebidas quentes, e o chá é imbatível. Além disso, eles têm muita maçã e ainda não têm renda para consumir o suco que exportamos", afirma.

 

Lohbauer esclarece, também, que as exportações brasileiras para a China ainda são realizadas em tambores, não a granel, o que tira ainda mais competitividade do produto. As grandes indústrias que exportam suco a partir do Brasil - as nacionais Cutrale, Citrosuco e Citrovita, além da francesa Louis Dreyfus Commodities - não têm terminais na China que tornem viáveis os embarques a granel. Para suprir a Ásia, as indústrias só têm essa estrutura no Japão e na Austrália.

 

"Além disso, o consumidor chinês, por questões de paladar e preço, ainda prefere produtos com menores teores de laranja. Mas o futuro do consumo está nos países emergentes, o Brasil entre eles. Quem sabe se em cinco anos não conseguiremos ampliar significativamente as vendas para a China?".

 


Veículo: Valor Econômico


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