As chuvas que assolaram a região serrana do Rio de Janeiro, além de provocarem mais de 740 mortes, tiraram do mapa, em apenas uma noite, pelo menos, três empresas localizadas em Nova Friburgo. A Fermoplast, que fabrica botões, argolas, ganchos e fechos em plástico para confecção de lingeries e moda praia; a Ferragens 3F, que faz fechaduras, e a Nylonrend, de acabamentos para confecções, todas tragadas pela avalanche de água e lama que desceu dos morros.
As empresas desaparecidas sob a lama são mais uma face da tragédia que se abateu sobre os sete municípios fluminenses e que ainda não foi totalmente medida, nem mesmo em vidas humanas. Na terça-feira, quando o Valor esteve em Nova Friburgo, o cenário na região continuava de guerra. Uma das duas avenidas principais, às margens do rio Bengalas, estava coberta de lama, com pilhas de lixo em toda sua extensão.
Os empresários e comerciantes de Nova Friburgo tentam uma retomada. Pela manhã, quando o sol brilhava, a maior parte das lojas ficou aberta, porém vazia. Em seis empresas visitadas, os poucos funcionários que conseguiram chegar ao trabalho vestiam galochas e trabalhavam na limpeza da lama no piso, móveis, objetos, e o que se podia salvar de equipamentos e materiais.
Nas empresas destruídas em Nova Friburgo, o proprietário da Fermoplast, Ulisses Vieira, não tinha condições de atender, segundo sua irmã, Giselle Vieira. Na Nylorend, a proprietária Karina Machado tinha lágrimas nos olhos, enquanto empurrava a lama para a fora da loja, tentando salvar o pouco de produtos que ficaram intactos no alto das prateleiras: "Perdemos estoque, tecido, máquinas, enfim, tudo". Os donos da 3F não foram encontrados.
Nova Friburgo abriga um polo industrial de transformação do qual os mais importantes são o têxtil e o de metal mecânica. A indústria têxtil tem 600 empresas formais e centenas de informais que empregam ao todo dez mil pessoas. As fábricas de lingeries respondem por 22% da produção nacional.
Segundo Mauro Osório, doutor em economia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estudioso da economia do Estado, embora a região serrana seja conhecida pelo turismo, só Petrópolis tem no turismo sua principal fonte de renda. Nova Friburgo vive da indústria de transformação, em Teresópolis e seu entorno é a agricultura a principal atividade. Ainda assim, diz Osório, o peso econômico da região é pequeno, apenas 3,38% (ou R$ 10,5 bilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado fluminense.
Em reunião ontem na sede local da federação das indústrias do Rio (Firjan), representantes da indústria, comércio e serviços do centro-norte discutiram um plano para a recuperação da região. Eles pediram principalmente financiamento a juros menores e prazo maior e prorrogação do vencimento de impostos.
Os secretários do Estado de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno, e da Agricultura, Christino Áureo, estão fazendo levantamentos juntos às entidades e os produtores para saber as reais necessidades de financiamento. E já garantiram que mais de R$ 60 milhões em financiamentos do Tesouro estadual para a reconstrução das cidades. "Já separamos R$ 30 milhões e ainda estamos negociando mais dinheiro com fundos do governo federal".
O secretário Christino Áureo explica que o levantamento das perdas na agricultura ainda não está pronto. "Os técnicos precisam fazer um levantamento detalhado do que foi perdido". Ele conta que, além da produção de hortifuti, que teve a maior perda principalmente na região entre Teresópolis e Friburgo, houve também uma importante produção de leite e de floricultura interrompida.
A produção leiteira ocorre principalmente nos municípios de Bom Jardim, Sumidouro e Areal. Em Bom Jardim, por exemplo, não havia desemprego, toda população trabalhava na agroindústria. Além das áreas destruídas, houve graves problemas nas estradas, e, quem não foi atingido, acabou isolado. Segundo Áureo, entre 500 mil e um milhão de litros de leite deixaram de ser entregues durante a semana em que as estradas ficaram totalmente fechadas.
Outra importante produção regional é de flores, a segunda do país atrás apenas de Holambra, em São Paulo. Segundo o secretário, nela trabalham cerca de três mil pessoas. "Mesmo onde não houve calamidade ou inundações, a qualidade do produto foi afetada pelas chuvas. As flores não resistem ou têm sua vida útil reduzida", explica Áureo. O secretário acrescenta que a renda gerada por esta cultura no Estado está entre R$ 170 milhões e R$ 180 milhões. O secretário de Agricultura negociou com o Banco do Brasil adiamento de 180 dias do crédito rural, para as parcelas que venciam em janeiro, fevereiro e março.
Veículo: Valor Econômico