Contra inflação, cliente troca de marca

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Pesquisa do Data Popular mostra que classe C substitui supérfluos, como refrigerante e iogurte, e classe A busca alternativas nos básicos

 

A disparada recente da inflação mudou o hábito de compras do consumidor nos supermercados. Para driblar os aumentos de preços, as famílias de menor renda trocaram as marcas caras pelas mais em conta em itens tidos como supérfluos, isto é, o iogurte e o refrigerante. Já o consumidor mais abastado também migrou para os itens mais baratos, mas em produtos de limpeza e artigos da cesta básica, que estão fora do uso habitual.

 

"Essa é uma tendência super recente", diz o sócio diretor do Data Popular, Renato Meirelles. Pesquisa qualitativa feita pela consultoria no mês passado, com 20 grupos de consumidores de quatro regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre), revela que as famílias da classe C, com renda entre três e dez salários mínimos (R$ 1.635 e R$ 5.450) não abandonam o consumo de itens incorporados nos últimos tempos à lista de compras, tais como sorvetes, congelados, biscoitos, iogurte e requeijão, entre outros. Porém, a compra migrou de marcas mais caras para as de preço médio.

 

"A classe C troca o que não é prioritário", diz Meirelles. Em contrapartida, as compras de marcas de primeira de produtos básicos, como arroz, feijão óleo e sabão, por exemplo, foram preservadas, mostra a pesquisa. "O consumidor emergente manteve o padrão de compra dos itens nos quais ele não pode errar."

 

No extremo oposto, a pesquisa revela que as famílias da classe A, com renda mensal acima de 20 salários mínimos (R$ 10.900), não se importam em migrar de marcas caras para as mais baratas no caso de produtos básicos. No entanto, mantêm as compras de marcas premium nas categorias que lhe dão status social, como requeijão, iogurte, sobremesas, bebidas lácteas e geleias, por exemplo.

 

A reação ao aumento da inflação, que só nos primeiros dois meses deste ano acumula alta de 1,64% segundo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é nítida nas vendas de alguns itens. Gabriel Habka, supervisor comercial da rede Futurama, exibe os números dessa mudança de comportamento de consumo. As quantidades vendidas de refrigerante da líder Coca-Cola de janeiro para fevereiro caíram 4,7%, enquanto os volumes da marca Dolly aumentaram 4,8% na loja da Lapa, que tem um público da classe C. Movimento semelhante foi registrado na mesma loja para o arroz. Os volumes vendidos da marca mais cara, Prato Fino, caíram 8% de janeiro para fevereiro, enquanto os da marca Camil cresceram 8% em igual período.

 

''Estou protestando e mudando'' - A advogada Cristina Arfelli já substituiu marca de vários itens e trocou carne bovina pelo frango

 

Trocar de marca e até de supermercado são as alternativas usadas pelas amigas Janaína Moraes e Luciana Amaral Afonso para reduzir as despesas do apartamento que dividem, depois que a inflação empinou. "Troquei o sabão em pó Omo pelo Ariel, o açúcar mascavo Yasmin pelo Vita e o amaciante de roupa Comfort pelo Ypê", contou Janaína, que é consultora de vendas.

 

A amiga Luciana, que acaba de ficar desempregada e também trabalhava com vendas, disse que pode parecer uma economia pequena trocar de marca ou de supermercado. Mas, na prática, não é. No caso do amaciante e do papel higiênico, a diferença de preço é de R$ 1 por embalagem. Já no açúcar mascavo é de R$ 5.

 

As mudanças não se limitam a produtos. Janaína disse que já deixou de fazer compras no Pão de Açúcar e foi para o Sonda e o Dia% em busca de preços menores. Na semana passada, elas estavam na loja do Futurama. "Outro dia gastei no Pão de Açúcar R$ 60 só com itens para preparar lanches", lembrou Luciana, indignada com o valor desembolsado.

 

Protesto. "Estou protestando e mudando mesmo", afirmou a advogada Cristina Arfelli. Ela já trocou o papel higiênico Neve pelo Personal, o leite Molico pelo Dália e o sabão em pó Ariel pelo Tixan. A carne bovina também foi substituída pelo frango e pela carne de porco. "É um absurdo pagar R$ 80 por uma peça de picanha. Com esse dinheiro compro um par de sapatos."

 

Como a inflação retira poder aquisitivo e o bolso do consumidor é único, é racional que ocorra redução no consumo e substituição de marcas, disse o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo e sócio da Felisoni Consultores, Claudio Felisoni.

 

Um estudo feito pela consultoria com cerca de 500 consumidores em outubro do ano passado mostra que o índice de substituição é elevado para uma lista de cerca de 20 produtos adquiridos em supermercados em todos os estratos sociais. "A substituição é alta para todo mundo porque os produtos de marcas diferentes são muito parecidos entre eles", disse Felisoni.

 

Mas ele destacou que, apesar do forte ímpeto do consumidor para trocar de marca, há itens em que o nível de substituição é muito baixo. Esse é o caso dos artigos de higiene, como desodorante, com índice de substituição na faixa de 30%, no caso da baixa renda.

 

Talibãs.

 

Além da troca de marcas de itens industrializados, houve neste ano migração de compras da carne bovina para aves, suínos e peixes. Na rede Todo Dia, voltada para a classe C do Grupo Walmart, as vendas de aves, suínos e peixes cresceram na casa de dois dígitos no último mês. Enquanto isso, alguns cortes bovinos apresentaram retração de 5% a 10% no período.

 

"A nova classe média está procurando marcas de combate para manter alguns luxos", diz Habka, do Futurama. Meirelles, do Data Popular, pondera que há uma diferença qualitativa importante entre as marcas com preços mais em conta hoje em relação às do passado, apelidadas de talibãs. No passado, essas marcas eram de baixa qualidade, o que não é mais uma realidade, porque o padrão dos produtos teve uma melhora significativa.

 

Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados, diz que não tem dados detalhados sobre a migração de marcas, mas observa que houve queda nas quantidades vendidas após a alta da inflação.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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