A estratégia da Nestlé para driblar a alta das commodities

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Quando Paul Bulcke mudou-se para o Peru em 1980, aos 26 anos, para ajudar a comercializar a sopa Maggi para a gigante de alimentos Nestlé, não foi moleza. A hiperinflação massacrava a economia do país, forçando a multinacional suíça a aumentar os preços todos os dias. Em alguns meses, a inflação batia nos 1000%. Então, o governo peruano congelou os preços em 1985, num momento em que as lojas estavam oferecendo descontos. "Nenhuma escola de negócios pode preparar você para isso", diz Bulcke, hoje com 56 anos e principal executivo da Nestlé. "O que você aprende lá é como religar os pontos muito rapidamente."

 

Bulcke está novamente usando as habilidades de resposta rápida que adquiriu na América Latina, desta vez para enfrentar a volatilidade nos custos dos alimentos e matérias-primas que afligem a maior companhia de alimentos e bebidas do mundo. Poucas corporações estão mais expostas às vicissitudes das rápidas mudanças nos preços das commodities agrícolas que a fabricante de produtos que vão do chocolate Crunch ao café Nescafé e à ração Purina para animais de estimação.

 

A Nestlé gasta mais de US$ 30 bilhões por ano em matérias-primas, incluindo cerca de 10% da safra mundial de café, 12 milhões de toneladas métricas de leite e mais de 300 mil toneladas de cacau. Os preços desses ingredientes não estão nada estáveis. "Você já viu os preços do açúcar? Os preços dos grãos? Os preços do leite?", pergunta Bulcke agitado. As cotações de quase todas as grandes commodities usadas pela companhia no mínimo duplicaram nos últimos quatro anos.

 

A Nestlé acredita que sua conta com matérias-primas aumentará em até US$ 3 bilhões este ano, a maior alta de todos os tempos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse este mês que a produção agrícola poderá levar anos para crescer o suficiente a ponto de reduzir substancialmente os preços mundiais dos alimentos.

 

Isso levou Bulcke, nascido na Bélgica, a elaborar uma estratégia que não depende da queda dos valores das commodities. Ele está trabalhando para reduzir os custos operacionais ao mesmo tempo em que eleva os preços e lança produtos mais sofisticados e capazes de gerar margens de lucro mais altas, nos quais os custos das matérias-primas respondem por uma parcela menor do preço de varejo.

 

Bulcke almeja uma sequência firme de aumentos graduais nos preços, independentemente da elevação ou redução dos custos dos ingredientes. Por exemplo, quando o preço do leite em pó atingiu o pico de aproximadamente US$ 5.500 a tonelada em 2007 e 2008, caindo posteriormente para US$ 1.800, a Nestlé não correu para reduzir os preços de seus produtos. Ela trabalhou assumindo que os preços do leite eventualmente retornariam para algo entre US$ 3.000 e US$ 3.500 a tonelada, diz Bulcke. Hoje, o leite em pó está de volta a algo perto de US$ 4.000.

 

Ações incluem aumento de preços, lançamento de produtos premium, com margem maior, e corte de custos operacionais
Para ter noção do rumo dos preços, a Nestlé fica em contato próximo com os 600 mil agricultores que lhe fornecem trigo, açúcar, milho e outros insumos necessários para a fabricação de marcas como Kit Kat, Lean Cuisine, Dreyer's e Nescau. Eles ajudaram a Nestlé a antever que o crescimento populacional e das economias dos mercados emergentes levaria a um "boom" nos preços das commodities alimentícias em 2005, explica Bulcke. Então, a companhia começou a aumentar gradualmente os preços, obtendo uma vantagem sobre os concorrentes. "Se você é o número 340 da fila que está batendo na porta do comerciante, ele começa a ficar cansado do aumento dos preços", afirma ele.

 

Mesmo assim, para segurar os clientes a Nestlé tenta combater os custos mais altos das matérias-primas treinando os agricultores sobre como melhorar o rendimento das colheitas, e obtendo economias internas. A companhia reduziu a quantidade de plástico nas garrafas da água Poland Spring em 35% nos últimos quatro anos, diminuindo sua exposição aos preços dos plásticos PET, que aumentaram 23% no ano passado.

 

Além disso, cortou o uso de materiais de embalagem em 518 mil toneladas métricas nas últimas duas décadas. No total, a Nestlé obteve economias de US$ 1,5 bilhão no ano passado e pretende aumentar esse número em 2011, o que deverá compensar metade dos aumentos dos custos, afirma Bulcke. Ela espera limitar a alta dos custos dos ingredientes este ano para algo entre 8% e 10%. A Nomura estima que sem o gerenciamento, esses custos aumentariam cerca de 12%.

 

A criação de produtos "premium" é outra maneira que a Nestlé está encontrando para minimizar o impacto dos preços das commodities. Ao embalar seu café de melhor qualidade em cápsulas individuais, para a sua cafeteira Nespresso, a Nestlé cobra cerca de dez vezes mais por xícara, do que os concorrentes pedem pelos grãos de café torrados. A Nespresso é hoje um negócio de US$ 3 bilhões que cresce mais de 20% ao ano, e a Nestlé lançou uma série de máquinas parecidas para tentar repetir o sucesso. Ela está colocando no mercado sistemas de preparo de altas margens para capuccinos e até mesmo chás.

 

Do mesmo modo, a Nestlé está lançando na Europa o Mövenpick, um sorvete gourmet com sabores como coco e citronela. Ele é vendido em porções bem pequenas ao equivalente a cerca de US$ 15 o litro. A companhia suíça transformou a sua água engarrafada Pure Life, de alta margem, na maior marca de água do mundo, uma evidência de que sua estratégia de se voltar para segmentos mais sofisticados do mercado pode funcionar até mesmo em mercados emergentes como o Paquistão. E com a aquisição em 2006 da Jenny Craig, a companhia de aconselhamento de dietas, a Nestlé diminuiu ainda mais sua dependência das commodities.

 

O foco no mercado mais sofisticado significa que quando a Nestlé precisa engolir preços mais altos das commodities, isso a afeta menos que as rivais. Significa que os insumos respondem por uma porcentagem menor de seus preços no varejo. "A marca própria é o custo da matéria-prima com preço mais alto", diz Bulcke. "Na medida em que os custos das matérias-primas aumentam, eles são atingidos muito mais duramente que os produtos de marca." Como os vendidos pela Nestlé.

 

Veículo: Valor Econômico


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