Relator do Cade reprova união entre Perdigão e Sadia

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Conselheiro pede vistas e votação será retomada dia 15; empresa apresentará nova proposta.

 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça começou a julgar ontem a compra da Sadia pela Perdigão e deu uma forte indicação de que pode reprovar o negócio que criou a BRF - Brasil Foods.

 

O relator do processo, conselheiro Carlos Ragazzo, reprovou a operação e indicou que se o seu voto prevalecer a união entre as empresas deverá ser desconstituída em dez dias após a publicação do resultado do julgamento no "Diário Oficial". Segundo ele, a razão é que haveria risco de aumentos nos preços dos produtos vendidos pelas duas empresas aos consumidores, como carnes, frangos, perus e outros.

 

"A operação não envolve artigos de luxo. Trata-se de provimento de comida", disse Ragazzo durante o julgamento. Segundo ele, eventuais aumentos nos preços dos produtos vendidos pela BRF vão influenciar diretamente na inflação e podem comprometer a renda dos cidadãos.

 

Após o voto de Ragazzo, que durou mais de cinco horas, todos os conselheiros fizeram elogios à sua conclusão. Mas houve pedido de vista do conselheiro Ricardo Ruiz. "Eu tenho dificuldade para encontrar contribuição da minha parte para melhorar o voto do relator", disse Ruiz. "Eu não tenho dúvidas sobre a conclusão, mas são 500 páginas e vou pedir vista para ler o voto", completou.

 

Com o pedido de vista, a BRF terá mais uma semana para apresentar uma nova proposta para o Cade que impeça a reprovação do negócio. É como se o Cade colocasse a empresa em xeque. Ou a Brasil Foods apresenta uma proposta aceitável ou sua criação será reprovada. Essa proposta deve ser apresentada antes do dia 15, quando o julgamento será retomado.

 

O Valor apurou que a Brasil Foods está disposta a adaptar sua proposta no que for necessário, mas não fará nenhum acordo e pode ir à Justiça caso a operação seja reprovada. A empresa não teria tido a oportunidade de negociar a proposta inicial com o relator.

 

Em nota, a BRF disse discordar do posicionamento do relator e considerar o pedido de vistas positivo. "(...) com o pedido de vistas, os demais quatro conselheiros terão mais tempo para avaliar a questão." A empresa acrescenta que apresentou aos cinco conselheiros que analisam a operação uma proposta inicial de acordo. "A BRF está, como sempre esteve, à disposição do Cade para uma solução negociada e acredita numa análise justa e imparcial do caso", diz em nota.

 

Na sessão de ontem, a proposta inicial que a BRF apresentou foi rechaçada pelo relator. A companhia se dispôs a vender marcas menores, como Excelsior, a fornecer produtos para concorrentes e a dar acesso a canais de distribuição de seus produtos. A advogada da Sadia, Barbara Rosenberg, disse que a proposta poderia levar à criação da quinta maior indústria de alimentos do Brasil "da noite para o dia". A advogada não detalhou os termos da proposta. Apenas ressaltou que ela configura "a clara disponibilidade de solução negociada" por parte da empresa.

 

Mas Ragazzo considerou a proposta insuficiente. "A proposta está muito longe de minimizar os efeitos anticompetitivos da operação", afirmou. Para ele, o fato de a Sadia e a Perdigão assinarem contratos de industrialização sob encomenda com concorrentes não tira da BRF o poder de ditar os preços no mercado. "Não há transferência de tecnologia ou de ativos (para concorrentes)", apontou o relator. "É possível que esse contrato atrapalhe o concorrente, pois ele teria que pagar para obter os produtos", completou.

 

No caso de venda de marcas, Ragazzo advertiu que a Sadia e a Perdigão são as únicas classificadas como "premium" nos diversos setores em que as duas atuam. "Elas são a primeira e segunda preferência dos consumidores." As demais seriam marcas de combate. "Um remédio que não inclua as marcas 'premium' certamente seria insuficiente para evitar eventuais aumentos de preços", disse o relator.

 

Pouco antes de pedir vista, Ruiz disse que a proposta era inadequada. "Você não faz contratos com concorrentes", criticou o conselheiro. Para ele, deixar que a BRF forneça produtos a concorrentes seria como permitir a formação de um cartel.

 

Após o pedido de vista, os conselheiros Alessandro Octaviani, Marcos Paulo Veríssimo e Olavo Chinaglia fizeram questão de elogiar "a excelência do voto do relator". "Sou professor da USP, mas hoje fui seu aluno", disse Octaviani a Ragazzo. "Gostaria de aguardar a volta dos autos cumprimentando o relator pela excelência do voto", completou Veríssimo.

 

O recado para a BRF foi claro: ou ela apresenta nova proposta ou os conselheiros devem seguir o voto de Ragazzo e reprovar o negócio.

 

No início do julgamento, o advogado Paulo de Tarso Ribeiro, que representa a BRF, defendeu que o objetivo principal da nova companhia é a exportação. Ele argumentou que, com o aumento das exportações, há também a elevação de sobras de carne e frango que são utilizadas para atender o mercado interno. Esse acréscimo no mercado interno levaria à redução nos preços aos consumidores brasileiros.

 

Já o advogado Thiago Brito, que defende a Dr. Oetker, afirmou que a fusão leva a altíssimas concentrações, que em alguns mercados chegariam a mais de 80%, e que o consumidor é muito fiel às marcas Sadia e Perdigão. Portanto, seria necessária a imposição de restrições.

 

Antes de iniciar o julgamento, os conselheiros negaram um pedido de vista do processo ao representante do Ministério Público no Cade, procurador Luiz Augusto Santos Lima. Ele alegou que não foi notificado para apresentar um parecer e pediu prazo para tanto. Mas os conselheiros verificaram que não há previsão legal para que o MP faça pareceres em processos no Cade. "Não é praxe e há um acordo com o MP de que o pedido (de parecer) seja feito até a entrada do processo em pauta", afirmou Ragazzo.

 

Contrariado, Lima advertiu os conselheiros que estudará medidas judiciais cabíveis. Uma delas pode ser entrar na Justiça contra o Cade. Se isso ocorrer, a decisão final do órgão antitruste pode parar no Judiciário, como ocorreu com outros casos, como o Nestlé-Garoto - negócio reprovado em 2004 e que está até hoje está sem solução.

 

Receio é que caso vire o próximo Nestlé-Garoto

 

Já custou R$ 1,5 bilhão. O julgamento do Cade ainda não terminou, mas só ontem já fez um prejuízo bilionário no bolso dos acionistas da BRF- Brasil Foods. As ações da companhia foram a maior perda do Índice Bovespa, fechando o dia em queda de 6,3%. A baixa levou o valor de mercado da companhia para R$ 22,8 bilhão, mesmo patamar da época da concretização da fusão de Perdigão e Sadia, em setembro de 2009.

 

O julgamento será retomado apenas no dia 15, mas o mercado já está em busca de um novo preço para o negócio, a fim de refletir uma possível incerteza sobre a continuidade da empresa tal como é hoje. Desde o fim de março, pouco antes de sair o relatório da Procuradoria do Cade, já indicando a indisposição de aprovar a fusão, a empresa perdeu R$ 4 bilhões de valor.

 

Os investidores acreditam que a fusão deve ir para a Justiça e se tornar a próxima versão da compra da Garoto pela Nestlé, que se arrasta até hoje no Judiciário após a negativa do órgão da concorrência. A questão a ser respondida nos próximos dias pelo mercado é que tamanho de desconto deve se atribuir a essa dúvida.

 

Analistas do setor de carnes e fontes da indústria também avaliam que se o Cade reprovar a fusão haverá uma repetição do processo de aquisição da Garoto pela Nestlé. "Ficarei surpreso se eles não levarem até as últimas consequências", disse uma fonte da indústria de carnes.

 

Ainda que reconheçam que o negócio reduziu a concorrência no mercado de industrializados de carnes, pratos prontos e margarinas, especialistas do segmento acreditam que não faz sentido desfazer a operação concretizada há dois anos, pois vários movimentos de integração das operações foram realizados. Mesmo restrições severas, como a venda das marcas Sadia ou Perdigão, são consideradas inviáveis pelos analistas.

 

Entre fontes da indústria existem sinais de que, se a BRF tiver de vender marcas e ativos, haverá interesse de compra. "Se houver obrigação de vender ativos e marcas, sempre pode haver uma oportunidade, até porque esse quadro pode tornar os preços [dos ativos] competitivos", comentou uma dessas fontes. "O tempo está do lado do comprador."

 

Um conhecedor do setor avícola acrescenta, entretanto, que tanto Sadia quanto Perdigão têm entre suas várias unidades fábricas antigas e, por isso, pouco atrativas.

 

O comentário geral entre investidores é que o tempo gasto pelo Cade - dois anos - para avaliar o negócio praticamente torna inviável desfazer a combinação das empresas. Não há como se retornar à situação que deu origem à operação: a Perdigão num bom momento, enquanto a Sadia agonizava financeiramente após perder R$ 2,6 bilhões com apostas em derivativos cambiais de alto risco.

 

Nem como desfazer a captação de R$ 5,3 bilhões feita pela então Perdigão, logo após anunciar a compra da Sadia, com objetivo de sanear as finanças das companhias combinadas.

 

Além disso, o tempo transcorrido teria permitido que as companhias compartilhassem segredos industriais - a despeito de terem acordado que somente a parte financeira seria integrada, enquanto as atividades operacionais seriam mantidas isoladas.

 

A BRF ainda é a maior da bolsa de proteína animal em capitalização. Em receita líquida, contudo, é menos da metade dos R$ 55 bilhões obtidos pela JBS em 2010.

 

Veículo: Valor Econômico

 


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