A batalha mais difícil de Abilio

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O dono do Pão de Açúcar nunca perdeu uma grande briga. Agora, luta contra o sócio francês Casino e propõe uma sociedade ao inimigo Carrefour para continuar dando as cartas no mercado de varejo brasileiro

 

Assim que concluiu a compra de 51% da Casas Bahia, em dezembro de 2009, o empresário paulista Abilio Diniz, 74 anos, fechou-se em uma sala e fez uma teleconferência para comemorar o negócio com o seu sócio Jean-Charles Naouri, presidente da rede francesa de supermercados Casino. Do outro lado do Atlântico, Naouri, 62 anos, presidente do Casino, chegou a dizer, na época, que abriria um vinho na primeira oportunidade que Diniz estivesse na capital francesa para celebrar o negócio. Dois anos depois, o idílio corporativo ficou para trás. Na terça-feira 27, após três horas de espera na Avenue Kléber, número 58, em Saint-Étienne, onde fica a sede do Casino, Diniz voltou para o Brasil em seu jatinho particular, sem ser recebido por Naouri.

 

Mas não voltou de mãos abanando. Um dia antes, ele havia se encontrado com Lars Olofsson, presidente mundial do Carrefour, e fechado os detalhes de um ousado plano para unir as operações do grupo Pão de Açúcar no Brasil com as do arquirrival do Casino na França, o que por si só explica o chá de cadeira que o sócio impôs ao brasileiro. “A operação, se aprovada, fortalecerá e consolidará o Pão de Açúcar na liderança do setor de varejo brasileiro”, afirmou Diniz à DINHEIRO (leia entrevista ao final da matéria).


 
O que Naouri não quis ouvir da boca do próprio Diniz são os detalhes da engenhosa estratégia de fusão que começou a ser desenhada em 2009, quando o empresário brasileiro iniciou uma aproximação com os controladores do Carrefour, segundo fontes que participaram da negociação. Ao longo de 2010, Diniz teve vários encontros secretos com os acionistas da rede francesa, que ajudaram a formular a proposta de união global. De forma resumida, seria formada uma holding batizada de Gama, que teria como sócios os atuais acionistas do Pão de Açúcar (família Diniz e Casino), o BNDESPar, braço de investimentos do BNDES,  e o banco BTG Pactual.
 


Estes dois últimos aportariam R$ 3,9 bilhões e R$ 690 milhões, respectivamente, por 21% do Novo Pão de Açúcar (NPA), empresa que seria listada na Bovespa e absorveria as operações do Carrefour no Brasil. O Carrefour da França deteria 50% do NPA. Os brasileiros, em contrapartida, passariam a ter uma fatia de 11,7% do Carrefour mundial, que poderia chegar até 18% ao longo do tempo. Nessa engenharia, Diniz passaria a deter, de forma direta e indireta, 17% do Novo Pão de Açúcar. A rede francesa Casino, 29%. “Não é uma proposta hostil, pois está sujeita à aprovação das duas empresas”, afirmou Pércio de Souza, sócio da butique financeira Estáter, que estruturou a fusão, representando Diniz. “Achamos que o resultado gera um valor enorme para as duas empresas. É uma operação ganha-ganha.”
 
 

Essa não foi a impressão inicial provocada pela divulgação das negociações envolvendo a criação do NPA. Desde que anunciou oficialmente a proposta de unir as operações do Pão de Açúcar com o Carrefour, Diniz está sob fogo cerrado. Em primeiro lugar, desagradou ao seu acionista francês. Quando tomou conhecimento das conversações de Diniz com o Carrefour, o Casino passou a dar vários sinais de que não aceitará o negócio. Na quarta-feira 29, comprou US$ 1 bilhão em ações do Pão de Açúcar e aumentou para 43,1% sua participação no capital total do grupo. Com a revelação de que o BNDES participava da transação, ainda que por intermédio de seu braço de investimentos, a fusão passou também a ser criticada por políticos da oposição.
 


PSDB, DEM e PPS apresentaram requerimento convidando o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para explicar em audiência pública se a operação envolverá uso de dinheiro público. Em nota, o BNDES alega que a fusão abre “caminho para maior inserção dos produtos brasileiros no mercado internacional”. O governo também saiu em socorro de Diniz. “Não há recursos do Tesouro nem do FGTS”, afirmou Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil, logo após a primeira reunião da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, da qual Diniz participou na quarta-feira 29, ao lado da ministra do Planejamento, Miriam Belchior. 
 


O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, defendeu o BNDES. “O BNDESPar compra e vende ações todos os dias, algumas inclusive de empresas que estão aqui”, disse em almoço na Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil, em São Paulo, na quinta-feira 30. “Se for bom negócio, o banco faz, se não for, não fará.” Na verdade, não seria a primeira vez que o banco estatal oferece seu apoio ao grupo liderado por Diniz. Em 1976, no governo Geisel, quando era ainda conhecido pela sigla BNDE (sem o S de Social, incorporado mais tarde), o banco forneceu o dinheiro para a primeira grande aquisição da rede, com a incorporação da Eletroradiobraz, maior do que o Pão de Açúcar, mas às voltas com uma grave crise financeira e de gestão.
 


Do ponto de vista de negócio, a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour, que já ganhou os apelidos de “Carrepão” ou “Carreçúcar”, cria uma companhia de R$ 65,1 bilhões de faturamento, a segunda maior empresa privada do Brasil, atrás apenas da Vale. Juntas, elas terão uma fatia de 33% do mercado de alimentos no País e mais de 2.386 pontos de venda. O americano  Walmart, que herdará a segunda posição, terá um terço do tamanho desse novo gigante do varejo brasileiro. Caso seja aprovada pelos sócios de Diniz, a união ainda precisa passar pelo crivo dos órgãos de concorrência do Brasil. “Nos Estados Unidos, o Walmart tem 32% de participação de mercado”, diz Cláudio Galeazzi, ex-presidente do Pão de Açúcar e atualmente sócio do BTG Pactual. “Na França, o próprio Carrefour detém 26% do mercado.”
 


De acordo com Galeazzi, um dos principais articuladores do negócio, a união das duas marcas vai causar sobreposição de lojas especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Podemos reduzir o número de lojas entre 5% e 7% , com o fechamento de algumas ou a mudança no formato de outras”, afirma Galeazzi. As sinergias, em sua visão, podem chegar até R$ 1,8 bilhão. Por enquanto, a outra ponta interessada na eventual fusão, os fornecedores do varejo, acompanha os acontecimentos a distância, mas já manifesta preocupação. “Essa fusão vai exigir que as indústrias se adaptem a uma nova realidade de mercado”, diz uma fonte do setor eletroeletrônico, que preferiu permanecer no anonimato. “Só sobreviverá quem tiver um diferencial a oferecer.”
 


Por trás dessa movimentação de Diniz está uma obstinada batalha do empresário para se manter no comando do Pão de Açúcar, empresa criada em 1948 por seu pai, o imigrante português Valentim dos Santos Diniz. Pelo atual acordo de acionistas, firmado em 2006, em junho de 2012, o Casino poderá exercer opção de compra de uma ação de Diniz e assim assumir o comando da Wilkes, a holding que detém o controle do Pão de Açúcar. Também a partir de 2012, o Casino poderá indicar o presidente do conselho da empresa.
 


Seria, então, a primeira vez que Diniz, que desde os 12 anos dá expediente no Pão de Açúcar, não estaria à frente do dia a dia da empresa. “Ele quer estar no comando”, diz Márcio Roldão, sócio da consultoria de gestão empresarial Avention, que já prestou serviços ao Pão de Açúcar. Outro executivo que conhece bem Diniz define desta forma o seu estilo de administrar. “Os diretores do Pão de Açúcar podem fazer o que quiserem, desde que façam do jeito dele.”
 


Ao longo de sua trajetória empresarial, Diniz protagonizou diversos embates para ficar exatamente onde está: sentado na cadeira de comando do grupo Pão de Açúcar. A primeira batalha envolveu a própria família. Na década de 1980, o patriarca da família Diniz dividiu os 38% de suas ações entre os cinco filhos. Abilio, o mais velho, ficou com 16%. Alcides e Arnaldo com 8% cada um. As outras duas irmãs de Abilio receberam 2% cada uma. Alcides nunca se conformou e travou uma dura queda de braço, vencida por Abilio. Alcides acabou se afastando dos negócios.
 


Outro episódio emblemático aconteceu em 2003, quando Diniz comprou 60% do capital do supermercado carioca Sendas. Dois anos depois, a venda de parte do Pão de Açúcar para o Casino despertou a cobiça da família Sendas, que recorreu à arbitragem pedindo que Diniz não só comprasse os 40% restantes da empresa como atualizasse os valores, tendo como parâmetro o negócio fechado com o Casino. Diniz não aceitou a proposta, comprou os 40% e encerrou a disputa, em 2008, sem desembolsar um tostão além do que havia sido acordado. O empresário teve também problemas com a família Klein, dona da Casas Bahia.
 

 
Logo após anunciarem o acordo de fusão, em dezembro de 2009, Michel Klein, presidente da Casas Bahia, ameaçou desfazer a fusão por considerá-la desfavorável aos seus interesses. Seis meses depois, Diniz e Klein posavam para as fotos anunciando os detalhes da renegociação do contrato das duas famílias, no qual Diniz concordou em fazer uma capitalização adicional entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões para os Klein. O novo desafio de Diniz é dobrar o grupo francês Casino para que aceite os termos da união do Pão de Açúcar com o Carrefour. Ele insiste que está agindo dentro das regras do contrato de acionistas.
 


Mesmo assim, a primeira reação do Casino não foi nem um pouco amistosa. Em duro comunicado ao mercado, publicado nos principais jornais brasileiros,  a rede francesa qualificou a proposta de “ilegal”, com o objetivo de frustrar o acordo de acionistas e de “expropriar do Casino os diretos de controle adquiridos e pagos no ano de 2005”. Uma fonte do Casino disse à DINHEIRO que o Carrefour tem um modelo de negócio decadente, baseado em hipermercados, e é  uma empresa sem rumo, inclusive na França. Em outras palavras: não interessa tê-lo sob o mesmo teto.  “O Casino não está em opção de venda, mas sim de compra.”
 

 
Desta vez, Diniz enfrentará um empresário tão obstinado quanto ele. Naouri é um dos homens de negócios mais poderosos da Europa. Nasceu na Argélia, na época colônia francesa, e entrou na universidade com 15 anos. Estudou em Harvard, nos Estados Unidos, e concluiu o doutorado em matemática em apenas um ano. Nos anos 1980, participou do governo socialista de François Miterrand, como chefe de gabinete do Ministério das Finanças. Fora do governo, foi trabalhar no banco Rothschild. Chegou ao Casino em 1997, quando a varejista se defendia de uma oferta hostil da rival Promodés. Em 1998, virou o maior acionista da empresa, com 42% de participação.
 


Mas só assumiu o comando em 2005. A partir daí, mudou sua estratégia e priorizou as pequenas lojas. Exatamente o inverso do que fez o Carrefour, que privilegiou os hipermercados. O que o mercado se pergunta é quais serão os próximos lances de Diniz, caso o sócio francês mantenha-se irredutível em sua intenção de não aceitar o acordo envolvendo o Carrefour. Nesse caso, o Casino exerceria o direito de assumir o controle do grupo Pão de Açúcar em 2012. “Acho difícil o Casino abrir mão da operação do Brasil, sobretudo em um momento em que a economia europeia não vai bem”, afirma Juan Quirós, ex-presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.
 

 
O melhor cenário, para Diniz, é o acordo ser aprovado da forma que foi proposto. Para convencer o Casino, o Carrefour poderia ceder algumas de suas operações em mercados emergentes, como Turquia, Polônia, Indonésia e Taiwan. Em novembro do ano passado, o Casino comprou a operação do Carrefour da Tailândia, por US$ 1,2 bilhão. Até a rede Dia% poderia ser colocada na mesa de negociação. Se isso não ocorrer, o empresário brasileiro poderia tentar pressionar o Casino a renegociar o contrato de acionistas ou vender sua participação acionária no Pão de Açúcar. 
 


Uma disputa nos tribunais, se acontecer, pode levar anos para ser resolvida e ser mais uma forma de pressão para a rápida resolução de um impasse. Ambos, no entanto, já se armaram para a batalha. O Casino recrutou o advogado criminalista José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo FHC. “Trata-se de um golpe de Estado corporativo”, disse Dias. Em resposta, o Pão de Açúcar contratou o jurista Márcio Thomas Bastos, ex-ministro da Justiça do governo Lula, para defendê-lo. “Abilio agiu estritamente no limite do seu papel. Não é proibido prospectar negócios”, afirmou Bastos. A disputa parece estar apenas começando. E tanto Diniz quanto Naouri já mostraram ser bons de briga.
 
 
 
'Em nenhum momento, quebrei qualquer acordo de acionista'
 


Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, o empresário Abilio Diniz diz estar surpreso com a reação do Casino e espera que a proposta seja analisada com seriedade e respeito:
 

 
Por que o sr. diz que a proposta é boa para todos os acionistas?
Trata-se de uma operação que, se aprovada, fortalecerá e consolidará o Pão de Açúcar na liderança do setor de varejo brasileiro. No mercado internacional, investidores brasileiros passam a ser acionistas relevantes da segunda maior varejista do mundo, dando ao Brasil destaque no comércio varejista global. Com a expansão de escala e os ganhos com sinergias, os consumidores do Pão de Açúcar e Carrefour terão serviços ainda melhores a preços mais competitivos. A proposta também implica ganhos aos acionistas, que farão parte de uma companhia maior, mais lucrativa e com governança corporativa mais moderna. Por fim, gostaria de lembrar que é apenas uma proposta para ser concretizada precisa ser aprovada por todos os acionistas da companhia, inclusive o Casino.
 


Por que o seu sócio Casino afirma que sua atitude é ilegal?
É uma acusação que me surpreende. Em nenhum momento, quebrei qualquer acordo de acionista. Ao contrário, sempre agi de acordo com a legislação brasileira, com a ética e no interesse da companhia. Nosso acordo de acionistas não proíbe negociações, sendo que qualquer decisão deverá ser tomada após as aprovações necessárias. Eu sempre conduzi todas as negociações desta forma. Em Casas Bahia e Ponto Frio, por exemplo, passei um bom tempo conversando com os respectivos empresários e só depois levei o assunto ao Casino. Espero que a proposta seja analisada com respeito e seriedade e, novamente, reforço que o Casino terá todo o tempo para analisá-la e discuti-la.
 
 
 
Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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