Varejo: Pão de Açúcar espera estudo para avaliar parceria com Carrefour.
Costurar esse trabalho que foi feito não é fácil"O empresário Abilio Diniz espera que, em 2 de agosto, data da reunião do conselho de administração da Wilkes, holding que controla o Grupo Pão de Açúcar, o Casino explique por que a criação do Novo Pão de Açúcar (NPA) e a combinação com os ativos do Carrefour não são uma boa ideia. Essa resposta abriria a possibilidade de negociar com o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, que chama a proposta de "expropriação" de seu direito de assumir o controle da maior varejista do país em 2012. Diniz não acredita em um desfecho diferente da aprovação da operação. "Ele [Casino] vai ter que negociar."
Diniz, ao lado da filha Ana Maria Diniz, recebeu o Valor ontem na sede da Estáter, consultoria financeira que o ajudou a costurar a proposta de associação com o Carrefour, ao lado do BTG Pactual e do BNDES, para uma entrevista de duas horas.
O conselho do Carrefour já aprovou a associação no dia 3 de julho. A demora de um mês para levar a proposta à Wilkes deve-se à decisão da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) de encomendar estudos a três consultorias para avaliar a operação. O grupo precisa de tempo para analisar a questão, afirma Diniz.
As avaliações das consultorias devem ser enviadas aos conselhos consultivo e fiscal da CBD e aos acionistas da Wilkes, antes do dia 2 de agosto. "Não adianta dizer que é um negócio muito honesto. Honesto é que nem virgindade, ou é ou não é. O 'management' [da CBD], o conselho consultivo e o conselho fiscal vão se pronunciar", afirma Diniz.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Por que existe essa demora de quase 30 dias para a realização da reunião de acionistas da Wilkes, em 2 de agosto? E a proposta a ser avaliada será a mesma já aprovada pelo Carrefour?
Abilio Diniz: Esse negócio foi demorado e difícil de fazer. E eu não estava acostumado a trabalhar com essa estrutura. Tudo o que fiz foi com o Pão de Açúcar, mas nessa proposta não usei ninguém da companhia. Eu fiz com a Estáter e alguns advogados porque eu não queria gerar contestação. Quanto à proposta, será exatamente a mesma.
Valor: Essa demora não pode ter impacto no negócio? O sr. não teme que esse período de espera possa ter impacto nas ações do Pão de Açúcar? A ação está caindo...
Diniz: Não, todos os acionistas já entenderam a questão. A ação está caindo por conta da insegurança. E quanto a esse período, ele é preciso porque eu tenho que dar prazo para eles [a CBD] avaliar a proposta. O grupo contratou consultores como McKinsey, Accenture e Ebeltof. Eu não quero que a companhia acredite no Abilio só. O negócio tem que ser honesto. A CBD tem que dizer aos acionistas se isso é um bom negócio ou não.
Valor: O artigo a ser questionado pelo Casino, número 2.1.1 do acordo de acionistas, trata do controle de Wilkes, que precisa ser preservado. O Casino diz que isso não aconteceu.
Diniz: E qual foi a medida que tomei agora que prejudica o controle?
Valor: Até agora nada, mas se for aprovada, ela fere o artigo...
Diniz: O que eu fiz? Fiz um trabalho extenuante. Costurar esse trabalho que foi feito não é fácil. e entendo por quê. É que as coisas lá [no Carrefour] não estão dando certo. E o que se passou na cabeça do Abilio? Eu levo essa proposta até o momento que sinta que esse negócio é viável. Pensei: "Deixa eu ver se esse negócio para em pé". Até terça-feira da semana passada, quando estava na França, quando recebemos a proposta, eu não tinha certeza de que esse negócio pararia de pé. As discussões de detalhes do negócio é uma coisa completamente maluca. Quando a coisa se arrasta demais você fica até com dúvida. O que será que está por trás, porque é que não estão aceitando?
Valor: Por quê?
Diniz: Eu queria ter comunicado o Jean-Charles e ter levado para o Jean-Charles antes desse momento. Eles [O Carrefour] fizeram duas reuniões de "board" e tinha que passar pelo menos na primeiro, para ter certeza de que [a operação] poderia acontecer. Se não ninguém se responsabilizaria por isso lá. É que a situação está complicada por lá, há muita pressão. Eu queria falar com o Jean Charles antes, mas fui aconselhado a esperar passar pelo "board" do Carrefour para ter algo concreto antes de chegar no Jean-Charles. Consultei sobre isso e me disseram: "Fica tranquilo, não abaixa a caneta". E hoje penso que pela forma como o Jean-Charles reagiu à proposta, acho que fiz a coisa certa.
Valor: Mas se é para receber uma resposta negativa do Casino, não era melhor receber logo um "não" para evitar esse desgaste de imagem?
Diniz: Eu acho que sim. Mas há uma questão interessante aí agora. Para não ter negócio, o Jean-Charles vai ter que explicar por que não quer o negócio. Eu não vou romper contrato, mas ele terá de passar pelos rituais da governança corporativa e com o mercado observando. Quando falamos da operação, ele dizia que não era bom negócio de fusão com o Carrefour porque a Europa estava toda mal. Isso foi há uns seis meses. Eu disse que tudo bem, mas eu acho que a coisa não é assim porque o mercado já está "precificando" isso. Agora, quero deixar claro que não há qualquer cláusula que me impeça de negociar à vontade e quanto eu quiser.
Valor: O sr. não acredita que o ônus no final das contas ficou maior para o sr. do que para ele? Há uma simpatia do mercado em relação ao direto dele de exercer o controle a partir de julho de 2012.
Diniz: O que ele comprou foi o direito de, em 2012, pela troca de R$ 1 por uma ação da Wilkes, a possibilidade de consolidar [os resultados] da companhia [Grupo Pão de Açúcar] no Casino. Eu no final fiquei incomodado com o negócio e disse: "Não vou fazer. Eu quero continuar levando a companhia, que tem o meu DNA". Mas disse que aceitaria se eu pudesse administrar a companhia e acertamos. Eu disse há dois anos que teríamos que rever a nossa posição, que não daria para continuar do jeito que estava, principalmente depois das negociações de Casas Bahia e Ponto Frio. Nós não podemos aumentar endividamento porque isso os afeta. Quando eles consolidam o endividamento na empresa aberta dá mais de três vezes o Ebitda. Além disso, também estamos no limite e não podemos mais emitir ações preferenciais. Ele tem que dizer: "O negócio não é bom por isso e por isso". E se não quiser por causa de controle, então está bem, não vou discutir.
Valor: O sr. tentou mudar o acordo de acionistas?
Diniz: O que eu dizia para ele sobre a estrutura de capital: vamos deixar tudo como está. Vamos continuar com o "co-control" [o Casino não assumiria o controle a partir de julho de 2012]. Ele [Casino] continuaria do mesmo jeito. Naquela época, eu não tinha nenhuma coisa concreta na cabeça, mas queria conversar. Dar à companhia o direito de crescer. Poderíamos pensar em algo, converter tudo em [ações] ordinárias, dar voto para as preferenciais, sei lá. Ele [Naouri] precisa sentar e explicar para mim aonde ele perde dinheiro com esse negócio [proposta de combinação com o Carrefour]. Primeiro, precisa mostrar onde o negócio é ruim.
Valor: Esses três estudos sobre a criação da nova empresa que o Pão de Açúcar está pedindo às consultorias, o sr. vai mandar também para o Casino?
Diniz: Não sou eu, é a companhia [Pão de Açúcar]. Vão mandar para todo mundo, inclusive para mim.
Valor: Quando?
Diniz: Não sei. Eles pediram 25 dias. Isso é coisa para você perguntar ao Enéas [Pestana, presidente do Pão de Açúcar]. Eu não mexo com ele. O cara já está tenso demais. Vou contar uma coisa para vocês. Eles [Casino] ligaram para o Enéas no domingo à noite querendo conversar. Mas ele preferiu deixar para falar na segunda-feira, de dentro da companhia. Então, na segunda-feira, eles ligaram para o Enéas, que estava na plenária [reunião da diretoria com funcionários]. Ele só voltou no fim da reunião. Branco, com os olhos vermelhos, tenso, uma barbaridade. Eu perguntei: muito ruim? Ele disse: "Nossa, uma pressão..." E nós ali, todo mundo no palco, 400 pessoas... O que nós fizemos? Nós levantamos. Eu falei que era um momento de muito estresse e muita pressão. E disse: "Vamos dar as mãos e rezar todo mundo junto, pedindo a Deus que nos ilumine". Eu não gosto nem de falar que eu começo a chorar.
Valor: Nessa plenária houve muitas perguntas sobre o negócio?
Diniz: Não, ninguém pergunta. Eu disse que estamos trabalhando e que eles devem trabalhar, não devem fazer conversa de corredor e devem confiar.
Valor: E se o acordo não sair? E se no dia 2 o Casino falar que não quer negócio? O que pensa em fazer, já que a convivência ficou difícil?
Diniz: Honestamente eu não trabalho com a possibilidade deles dizerem não. Uma pessoa quando diz "não" tem que explicar. E não é possível que seja tão irracional e irresponsável que não ajude a encontrar uma solução. Ele pode dizer: me dá a Malásia, me dá a Indonésia...
Valor: Ele diz que não quer nada além de controle.
Diniz: Escuta, você tem filhos? O que faz quando ele não quer comer de jeito nenhum? Vai ter que fazer. Eu não vou obrigá-lo, mas ele vai ter que explicar. E aí começam a surgir oportunidades de negociação. Ele vai ter que negociar. Eu nunca vi algo assim.
Valor: E onde há espaço?
Diniz: Mas ele não senta para negociar. Eles [Casino] nomearam o Jack Levy, do Goldman Sachs. Contratou o Levy para falar com o Pércio [de Souza, sócio da Estáter]. Eu pensei: agora temos um negociador. Mas não o achamos mais. Não tem interlocutor. O Pércio consegui falar com ele ontem [terça-feira].
Valor: O que ele falou ao Pércio?
Diniz: Falou que o Jean-Charles conversa com o Abilio se ele desistir do Carrefour e for para 2012. Aí não tem jeito.
Valor: E, no dia 2 de agosto, se ele abrir espaço para negociação? O que o sr. colocaria na mesa?
Diniz: Primeiro eu agradeço aos céus e acendo uma velinha para Santa Rita. Depois eu digo: "O que você quer?" Não vou eu apresentar as ideias. Agora, se ele disser que quer 50% da companhia, não. Ninguém aceita. Consolidação [dos resultados da GPA no Casino] ele não vai ter. O resto nós conversamos.
Valor: Na proposta aprovada pelo Carrefour, os acionistas da NPA teriam poder de voto restrito a 15%. E se tirar a restrição dos 15%?
Diniz: Duvido que o mercado aceite tirar os 15%. Estamos compromissados com isso. Todos nós sabemos que um dos motivos de a nossa ação ser de curto prazo é que ninguém fica no investimento com medo de 2012. O Casino vai vender? O que ele vai fazer? O que dá segurança para o mercado é eu ter mais preferenciais do que ordinárias. Eu estive com vários fundos, gente da pesada, que dizem que se eu quiser comprar o Casino ou recomprar o controle estão comigo.
Valor: O sr. pensa em comprar a parte do Casino?
Diniz: Até pensamos nisso, se ele quiser sentar na mesa. Em abril, quando ele disse, "Então eu vou para briga", eu falei que não queria brigar com ele. E disse: "Tem algo que a gente possa fazer? Algo que a gente possa negociar, mesmo comprar a sua parte, tem alguma chance". Então ele surtou quando eu disse que queria comprar a parte dele.
Valor: O sr. se arrependeu de ter fechado o acordo com Casino em 2005?
Diniz: Não me arrependo de nada que faço e tenho que aceitar as consequências. Eu não vendi o controle, eu vendi a consolidação. Aí dizem que consolidação é controle. Isso é semântica.
Valor: Se o sr. estava buscando uma maneira de viabilizar o crescimento sem se amarrar com o endividamento porque o Carrefour e não o Walmart, por exemplo?
Diniz: Walmart vende US$ 400 bilhões. É coisa de americano. O Carrefour tem uma marca e uma bandeira extraordinárias. O que precisa é "management". E outra coisa, está muito barato.
Valor: Mas e se no dia 2 o Casino falar não sem negociação? O sr. retira a proposta, vai para a arbitragem ou rompe o acordo?
Diniz: Eu não tenho essa programação. Tem um bando de advogados pensando nisso, mas não estou nem querendo ouvir nada disso.
Valor: Quem poderia entrar no lugar no BNDES?
Diniz: O BNDES vai continuar até o fim. O banco está muito tranquilo agora.
Valor: Mas o banco disse que só fica se houver acordo.
Diniz: Eu não vejo outra alternativa [só o acordo]. Mas o André Esteves [controlador e presidente do BTG Pactual] já disse que tem mais dinheiro e que tem uns fundos interessados. Eu não tenho problema nesse campo [financiamento]. Eu só preciso que o Jean-Charles caia na real. O mercado está apoiando essa operação. Estou apostando que a ação [do Pão de Açúcar] vai sair de R$ 66 para R$ 100.
Valor: O sr. não tem medo que esse clima afeta o Pão de Açúcar?
Diniz: Não. Nós conseguimos blindar a companhia.
Para acordo sair, hipermercados podem ter outro destino
Para criar a megavarejista Novo Pão de Açúcar (NPA), que uniria as operações do grupo Pão de Açúcar e do Carrefour, Abilio Diniz, principal acionista da empresa brasileira, precisa da aprovação do sócio francês Casino, comandado por Jean-Charles Naouri, que vem criticando firmemente a proposta. Para que as conversas evoluam, ofertas que agradem ao Casino estão sendo estudadas, conforme apurou o Valor com pessoas próximas à negociação.
Uma proposta que poderia ir para a mesa é a separação do negócio de hipermercados do Carrefour das outras operações, "já que Naouri diz que não gosta de hipermercados", diz uma fonte.
Nesse caso, segue o raciocínio, os hipermercados do Carrefour poderiam juntar-se aos hipermercados do Casino, criando uma operação separada. No Casino, o negócio de hipermercados representa 29% das vendas realizadas na França. No Carrefour, essa fatia é bem maior, de 62%.
Naouri tem dito - e não está sozinho nessa avaliação - que o modelo de hipermercados está ultrapassado com a mudança no perfil de consumo no mundo. Em várias partes do mundo, o consumidor tem preferido comprar em lojas menores.
Do lado brasileiro, uma fonte avalia que há espaço para lojas maiores e que os hipermercados do Carrefour localizados na Europa - alguns com 16 mil metros quadrados de área - poderiam ser transformados em minishopping centers.
O mix desse tipo de loja não abrigaria apenas alimentos, produtos de limpeza, eletrodomésticos e lojas de serviço, como farmácias e óticas. Uma parte importante dentro desse modelo de minishopping seria a venda de roupa e artigos para a casa que o consumidor, atualmente, costuma encontrar em lojas de produtos importados.
O Carrefour está tocando um programa de € 1,5 bilhão para reformular seus hipermercados. Batizados de Carrefour Planet, as megalojas estão sendo dotadas de butiques de produtos orgânicos, de moda, beleza, congelados, artigos para casa e de lazer, além de serviços, como cabeleireiro, consultoras de maquiagem e até creche para crianças. Algumas lojas têm mostrado resultados, mas há dúvidas entre os analistas se esse programa será suficiente para que o Carrefour volte a mostrar vigor.
No primeiro trimestre, enquanto as vendas do Carrefour cresceram 3,9%, as do Casino deram um salto de 18,8% - em grande parte devido à consolidação da Casas Bahia nas contas do grupo Pão de Açúcar.
Segundo informações apuradas pelo Valor no mercado, a rede Dia, terceira maior varejista de descontos do mundo, também seria um ativo que poderia ajudar a atrair o interesse do Casino na criação do Novo Pão de Açúcar. No Brasil, o Dia tem 409 lojas, todas no Estado de São Paulo, mas há um plano agressivo de abrir 50 lojas por ano no Brasil. No mundo, o Dia registrava 6,37 mil lojas ao fim de 2010 e vendas totais de € 9,6 bilhões.
Mesmo tendo ido para a bolsa espanhola, o Dia ainda poderia fazer parte de uma negociação com Naouri, já que a varejista de descontos ainda tem dentre seus acionistas o fundo Blue Capital, por exemplo, que é interlocutor do lado brasileiro nas negociações para a criação do NPA. Existe o receio, porém, que o Dia seja comprado, no ambiente da Bolsa de Madri, e acabe nas mãos de um concorrente internacional, como o grupo alemão Aldi, que ao lado da também alemã Lidl domina o negócio de varejo de descontos no mundo.
A resposta do Casino à proposta de criação do NPA deve ser dada em 2 de agosto, quando o conselho de administração da Wilkes, holding que controla o grupo Pão de Açúcar, reúne-se em São Paulo.
Veículo: Valor Econômico