No vermelho há anos, fabricante de brinquedos sofreu novo baque: a suspensão de suas ações em bolsa
Depois de 65 anos de negociação na bolsa brasileira, as ações da fabricante de brinquedos Estrela - uma das dez pioneiras no mercado de capitais nacional - tiveram as negociações interrompidas na semana passada. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu o registro de companhia aberta da Estrela depois que a empresa deixou de entregar um relatório de atividades sobre o ano passado e as informações do balanço do primeiro trimestre. O caso é mais um golpe para a empresa, que vive uma crise que se estende por mais de uma década.
A abertura do mercado brasileiro, no início dos anos 90, foi só o começo dos infortúnios da companhia - que não foram poucos. De líder absoluta do segmento, a empresa passou a enfrentar a concorrência dos produtos chineses - importados legalmente ou contrabandeados - e se viu, no início dos anos 2000, à beira da falência. Foi preciso readequar a operação para não fechar as portas. No entanto, após uma década de esforços administrativos, a empresa ainda não conseguiu voltar a operar no azul.
Hoje, a Estrela é uma sombra da empresa que foi no passado. Dez anos atrás, a companhia faturava o dobro do valor atual - sem levar em conta a inflação do período. O número de funcionários - que, naquela época, chegava a 7 mil antes do Dia das Crianças e do Natal - agora não passa de 1,5 mil. A produção, que um dia foi 100% nacional, acabou transferida, em grande parte, para a China.
Segundo o presidente da Estrela, Carlos Tilkian, fabricar em território chinês é apenas uma das ferramentas que a empresa usou para combater a própria falta de competitividade. Diante da carga tributária e do câmbio valorizado, a Estrela mantém hoje um esquema industrial flexível - dependendo das condições macroeconômicas, até 80% da produção pode ser transferida para a China. "Aprendemos a trabalhar com a China, sem encará-la como inimigo. Selecionamos os fornecedores para trazer produtos de qualidade", afirma o executivo.
Outra medida para sair do buraco financeiro - os prejuízos dos últimos quatro anos somam quase R$ 150 milhões - foi agregar tecnologia aos produtos. Com a ajuda dos parceiros chineses, a empresa reinventou alguns de seus produtos tradicionais, com êxitos isolados.
O presidente da companhia lembra que o Super Banco Imobiliário foi o brinquedo mais vendido do País no ano passado. O produto, fruto de uma parceria com a Mastercard e o Itaú, incluiu uma máquina de cartões de crédito e débito no jogo. Partindo do mesmo raciocínio, a Estrela pretende transformar algumas de suas marcas mais tradicionais como Banco Imobiliário, Detetive e Jogo da Vida em games e aplicativos que possam ser usados em PCs, tablets e smartphones.
"Esqueletos". Apesar da constante reinvenção do portfólio de produtos - 50% da coleção de brinquedos ganha roupa nova anualmente -, os "esqueletos" do passado continuam a assombrar os números da companhia. Como não tem financiamento barato disponível, tanto por seu alto endividamento quanto pela canibalização de seu mercado pelos chineses, a companhia é obrigada a financiar seus sucessivos prejuízos a juros de mercado. De acordo com Tilkian, a principal "herança maldita" são as dívidas tributárias, hoje estimadas em R$ 70 milhões. "Estamos no Refis, mas não conseguimos desconto nem perdão", afirma.
Diante da situação atual, o presidente da Estrela diz que a primeira opção da companhia é seguir na atual estratégia de expandir o faturamento para reduzir o impacto das dívidas históricas em seu resultado final.
Outra possibilidade é arranjar um sócio. No ano passado, chegou-se a ventilar no mercado a notícia de que as principais empresas do setor de brinquedos, unidas pelas mesmas dificuldades, estariam arquitetando uma fusão. A informação nunca foi confirmada, mas Tilkian diz que está "constantemente" em busca de um parceiro estratégico, que pode ser uma outra indústria ou um fundo de private equity.
Caso a Estrela encontre algum interessado, o investidor poderá pagar pouco pela principal marca de brinquedos nacional - isso porque as ações da Estrela "viraram pó". Considerando o fechamento anterior à suspensão das negociações das ações, o valor de mercado da Estrela está hoje ao redor de R$ 13 milhões, o equivalente a um décimo de seu faturamento anual. O próprio Tilkian, porém, diz que a companhia já viu dias piores: quem fosse comprar a empresa há três anos provavelmente pagaria a metade disso.
O envolvimento de Carlos Tilkian com a empresa vai além da simples relação empregador-executivo: além de presidente, ele é o principal acionista do negócio. Em 1996, três anos depois de ingressar na companhia, ele comprou 94% das ações ordinárias. O executivo, que chegou à fabricante de brinquedos depois de 17 anos na Unilever, afirma que apostou as fichas de sua carreira no projeto do próprio negócio. "Se continuasse como executivo, poderia ter aproveitado o "boom" das privatizações, da internet e do setor de telecom. Por outro lado, hoje sou sócio de uma empresa que remete à infância de qualquer pessoa", diz.
Mercado. Assim como a Estrela, as demais indústrias de brinquedos no Brasil lutam para manter a cabeça fora d"água na enxurrada de importados. De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista da Costa, as empresas nacionais fecharam o ano passado com 46% de participação de mercado e expansão de quase 15% nas vendas, em relação a 2009. Batista diz que o Brasil é um dos poucos mercados que ainda conseguem manter um parque fabril relevante no setor de brinquedos, concorrendo frente a frente com a China - ao todo, são 443 indústrias. "O Brasil tem tradição nesse mercado. Lançamos 1.490 produtos no ano passado."
Para o consultor Márcio Roldão, da Avention, uma das saídas para cortar custos seria reduzir ainda mais o parque fabril da Estrela - a empresa hoje mantém duas fábricas de pequeno porte, em Itapira (SP) e Três Pontas (MG), depois de fechar operações maiores em São Paulo e Manaus. Diante das dificuldades financeiras, afirma Roldão, o principal ativo da empresa é a marca, que ainda é considerada confiável pelos consumidores. "Acredito que o modelo da Nike cairia bem à companhia. Ela somente daria a chancela de sua marca para produtos licenciados", explica o consultor.
Preocupações estratégicas à parte, Tilkian tem hoje a tarefa de restabelecer a negociação das ações da empresa na Bovespa o mais rápido possível. Ele diz que a empresa encaminhou à CVM os documentos atrasados e espera que o papel volte ao pregão nesta semana.
A autarquia, que não confirma o recebimento das informações, diz que a história não é bem essa. Após receber a documentação, a CVM tem 15 dias para avaliar se os dados são suficientes para reativar o registro da Estrela. Caso precise de mais informações, o prazo pode ser estendido. Se o problema não for resolvido em 12 meses, o registro da empresa pode ser cancelado. E o principal sócio (no caso, o próprio Tilkian) ficaria sujeito ao pagamento de multa.
Veículo: O Estado de S.Paulo