Ao sustentar uma orientação típica dos Estados Unidos, onde os mercados costumam ser "hiper", o Walmart estreita interesses mútuos com o Carrefour, que também mantém, no Brasil e no mundo, a tradição das megalojas. Especialistas em varejo consultados pelo DCI creem que a gestão com enfoque em hipermercados aproxima os planos das companhias, embora o formato venha sendo contestado pelo setor há mais de uma década.
"Abrimos hipermercados no passado, continuamos abrindo e vamos abrir no futuro", declarou esta semana Marcos Samaha, presidente do Walmart no Brasil. Num evento promocional, o executivo disse que não descarta a possibilidade de fazer aquisições no futuro. Depois da derrota de Abílio Diniz, no caso da fusão entre Grupo Pão de Açúcar (GPA) e Carrefour, o Walmart passou a ser visto como potencial comprador da companhia francesa.
Vale lembrar que a proposta do "Carreçúcar" caiu por terra em consequência da rejeição unânime do conselho de administração do Casino, sócio francês de Diniz no GPA e principal concorrente do Carrefour na França. Num documento enviado à Comissão de Valores Imobiliários (CVM), os conselheiros disseram que a operação seria "equivocada" porque, entre outros motivos, aumentaria a concentração de um "formato em declínio": o dos hipermercados.
Com a suposta saída do GPA, o rumor sobre quem poderia entrar em cena recai sobre o Walmart. "Seria interessante para a rede comprar o Carrefour", opinou Álvaro Furtado, o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga). "Sempre se especulou que o Walmart tem um projeto de crescimento, no Brasil, que implicaria a aquisição de outra rede", disse ele.
Caso desse certo um negócio entre as redes, formando uma operação franco-norte-americana no Brasil, a companhia resultante ostentaria inicialmente mais de 500 lojas, a maioria das quais seriam hipermercados. O Walmart tem três bandeiras deste modelo, enquanto o Carrefour dispõe de 113 megalojas.
"Haveria sinergia, mas não acredito que haja qualquer negócio entre ambos", comentou Antônio Carlos Ascar, consultor da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). "O foco igual deveria aproximá-los, mas Walmart e Carrefour são inimigos pelo mundo", constatou.
Quando surgiu, a rede francesa se espalhou por lugares distantes dos centros urbanos, apostando no tamanho e no volume de produtos - daí o nome Carrefour, que significa algo como "entroncamento" ou "trevo [de rodovia]". "É a companhia que mais se concentrou em hipermercados, modelo que vem sendo questionado há uma década", disse Sílvio Laban, do Insper.
O professor observou que a questão do formato pode aproximar, na mesma medida, tanto o Walmart e o Carrefour como o grupo francês e o Pão de Açúcar, que tem a bandeira Extra. "Os supermercados, aqui e lá fora, estão testando novos modelos. É difícil afirmar que existe uma aposta das empresas em hipermercados", analisou Laban.
Para Claudio Felisoni, presidente do Programa de Administração do Varejo (Provar), o que pode aproximar as duas empresas são aspectos como visão estratégica, valor de marca e peso no mercado brasileiro. "E a necessidade de o Walmart tornar seu crescimento mais célere", notou o especialista, que vê nos hipermercados um modelo que necessita de revisão.
"O Carrefour se expandiu muito no Brasil, assentado neste formato. Mas hoje, no setor, há uma intenção de mudá-lo", afirmou. Segundo as fontes consultadas pela reportagem, a tendência dos supermercados são lojas menores - inclusive hipermercados -, "de bairro", com espaços que ofereçam produtos diversificados ao consumidor, mas sem fazê-lo perder tempo demais circulando pelo local.
"As principais redes têm 'hiper' porque são antigas e o modelo funcionava antigamente", disse Furtado, do Sincovaga. "Mas é um formato com pouco horizonte."
História
Os hipermercados surgiram na França, em 1963, graças ao Carrefour, segundo Ascar. Nas décadas de 70 e 80, o formato se desenvolveu, inclusive no Brasil, onde o Pão de Açúcar criou a bandeira Extra para enfrentar seu concorrente francês. Um estímulo para o modelo foi a inflação brasileira, que levava os consumidores (preocupados com a desvalorização salarial) a comprar, num só dia, tudo que usariam no mês.
Nos anos 90, entretanto, o governo controlou a inflação. "As pessoas já não precisavam fazer a 'compra do mês'. Foi quando os supermercados e as lojas menores ganharam força", contou Ascar, que acredita: "O hipermercado vai continuar existindo, seguramente em menor tamanho".
O jornal inglês Financial Times (FT) publicou ontem um artigo em que afirma: a disputa em torno do Grupo Pão de Açúcar (GPA) é uma questão de "interesses pessoais". Segundo o periódico, os objetivos de longo prazo da rede varejista estão sendo enfraquecidos pela briga entre Casino, Carrefour e o "magnata" Abílio Diniz.
"Tudo isso é embaraçoso para o magnata brasileiro, assim como para o Carrefour e seus intrometidos minoritários ativistas", citava o artigo. Na avaliação do jornal, o Casino ganhou uma importante batalha, mas não a guerra. Isso porque o presidente da empresa, Jean-Charles Naouri, deve acabar assumindo o controle do Pão de Açúcar em 2012, mas terá de lidar com um "incômodo parceiro local cujos interesses estão claramente em outro lugar e que tem muitos amigos políticos poderosos". "Naouri pode ser o Einstein do varejo de massa, mas quando interesses pessoais estão misturados com negócios, muita relatividade entra em jogo."
Veículo: DCI