Jean-Charles Naouri, CEO do Casino, conseguiu barrar a fusão com o Carrefour. Mas o BTG Pactual ainda espera virar o jogo
O gerente da loja do Casino, instalada no número 16, da rua Belles Feuilles, em Paris, já está acostumado com as visitas-surpresa de Jean-Charles Naouri, o CEO da rede de supermercados francesa. A cada vez, o estresse é o mesmo. Assim que Naouri põe os pés na loja, a chamada oral começa: “Qual a duração da fila de espera nos caixas, de quanto é o valor médio das compras, como acontece o fluxo de produtos frescos”. Em seguida, o empresário percorre gôndola por gôndola, olha o alinhamento dos produtos, conversa com os clientes e faz pesquisa com os funcionários. O mercado fica a poucos minutos da sede do Casino e da casa de Naouri. Nenhum detalhe escapa do homem que possui a 61ª maior fortuna da França, avaliada em 630 milhões de euros.
Naouri é um dos varejistas mais poderosos da França. No entanto, nada parece fazer jus a essa posição. Tem dificuldade de se comunicar, não gosta de piadas e sorri com parcimônia. Sempre é visto com o mesmo terno preto e sobretudo azul-marinho, nos dias frios. Nos negócios, é conhecido por ser minucioso ao extremo, viciado em detalhes. Antes da assinatura de um contrato passa as noites a examinar todas as opções. Foi assim que ele se preparou para a reunião da terça-feira 11, quando a proposta de fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour seria analisada pelo Conselho de Administração do Casino.
O autor da proposta, seu sócio brasileiro Abilio Diniz, chegou confiante a Paris para a reunião, com respostas na ponta da língua, como ele mesmo revelou. Às 11h15 (6h15 no horário de Brasília) Naouri entrou na sala e cruzou o olhar com o empresário pela primeira vez desde o início da polêmica aproximação com o rival. Naouri rebateu friamente as supostas vantagens apresentadas pelo homem forte do Pão de Açúcar, desfazendo um a um seus argumentos. “Por unanimidade, o Conselho definiu a fusão como contrária aos interesses dos acionistas, baseada em uma visão estratégica errada e em estimativas de sinergias fortemente superdimensionadas”, disse o chefão do Casino, em um comunicado.
Mas o empresário brasileiro não saiu de mãos abanando da reunião. Pela primeira vez, ele conseguiu uma conversa com Naouri. Falaram reservadamente durante 40 minutos. No final daquela terça-feira, no entanto, todos os sinais eram de que Naouri havia vencido a batalha. No mesmo dia, o BNDES e o BTG, do banqueiro André Esteves, anunciavam que estavam fora do negócio – pelo menos temporariamente, no caso do BTG. Em nota, o próprio Diniz lamentou a decisão. “O único motivo do Casino para contestar a proposta foi seu interesse em adquirir o controle da CBD, em 2012.” Apesar do tom derrotista, os envolvidos no negócio, do lado brasileiro, ainda não jogaram a toalha e acreditam que Naouri ainda está longe de ter vencido a guerra (leia abaixo “Parada técnica”).
O principal desafio dos negociadores brasileiros é fazer Naouri sentar na mesa de negociação. O francês é considerado um CEO autoritário e que deposita uma enorme pressão sobre suas tropas. Mas no meio empresarial, muitos o chamam de gênio. Sua capacidade intelectual o ajudou a sair da Argélia, onde nasceu, para estudar em uma das melhores escolas de Ciências da França. Sua formação inclui um mestrado em negócios em Harvard. Essa reputação rendeu-lhe um convite para assumir, em 1984, o posto de chefe de gabinete do ministro socialista da Economia e Finanças, Pierre Bérégovoy. Saiu de lá com uma valiosa agenda de contatos.
Apenas com a força de seu nome levantou uma fortuna com banqueiros de Paris para criar seu fundo de investimentos, em sociedade com o amigo David Rothschild. Os bons negócios se multiplicaram ano após ano. Até que, em 1991, ele cruzou com a Rallye, rede varejista da região da Bretanha. Foi atraido pelo preço baixo em um setor promissor em um mercado que parecia sem risco. Mas a rede era pequena demais para as ambições de Naouri, que foi atrás de outra presa: o Casino, a respeitada marca da família Guichard. Hoje, ele possui, por meio de sua holding, 57,3% do grupo. Em 1988, Naouri foi acusado de abuso de informação privilegiada envolvendo o banco Société Générale. Em 2002, foi absolvido, mas essa mancha em seu currículo perfeito o marcou para sempre, o que explicaria seu espírito belicoso e pouco afável.
Parada técnica
A disputa entre Casino, Pão de Açúcar e Carrefour pode não estar totalmente decidida. O BTG Pactual deve reformular a proposta para tentar levar o Casino de volta à mesa de negociação. De acordo com fontes ouvidas por DINHEIRO, André Esteves, o presidente do banco, está agora envolvido pessoalmente na história. Não está claro ainda o caminho a ser seguido. O BTG, neste momento, conversa com outras instituições e fundos soberanos, interessados em tomar o lugar do BNDES, que desistiu de participar do negócio.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro