O Cade cortou na carne

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Na decisão mais aguardada de sua história, Conselho desmembra BRFoods e cria vice-líder no setor de alimentos que já gera forte disputa entre os concorrentes

 

Foi com visível alívio que o presidente da BRFoods, José Antonio Fay, anunciou o acordo da empresa com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), fechado na quarta-feira 13. A reação de Fay à decisão mais importante, pelos valores envolvidos, da história do órgão de regulamentação da concorrência brasileiro refletia as duras condições de negociação com a companhia. A suspensão parcial da marca Perdigão, alternativa há alguns meses impensável e descartada a priori pela BRFoods, foi vista como uma boa solução, 34 dias depois do voto do relator do caso, Carlos Ragazzo, pela reprovação da fusão. “Foi um acordo bom, que acomodou tanto a preocupação antitruste quanto a nossa necessidade como terceiro maior exportador do País”, disse um resignado Fay. Traduzindo: melhor perder alguns anéis do que os dedos.

 

O Cade exigiu a venda de 12 marcas populares, com suas respectivas fábricas, centros de distribuição e abatedouros. Segundo o órgão, foi criada a vice-líder do setor de alimentos processados, com 22% da produção da BRFoods voltada ao mercado interno e faturamento de R$ 1,7 bilhão, que já mobiliza interessados em sua aquisição. “Queremos criar um novo player”, disse o conselheiro Ricardo Ruiz, responsável pela costura do acordo que salvou a fusão.  Segundo fontes próximas à BRFoods, já demonstraram interesse Marfrig, JBS, Tyson Foods e investidores financeiros, como um fundo chinês e um árabe. “Meu número de amigos subiu muito nos últimos dias”, brincou Fay.

 

A BRFoods terá  de vender a nova empresa até o ano que vem e, para isso, contratará um banco que definirá o preço e o modelo de venda. Caso não cumpra o prazo determinado pelo Cade para a venda (que seria de dez meses, embora não tenha sido oficialmente confirmado), a parte desmembrada irá a leilão. Para facilitar o crescimento do concorrente, as marcas Perdigão e Batavo ficam suspensas nos segmentos de maior concentração, por um prazo de até cinco anos (ver quadro).  “O acordo criou condições reais de entrada de um concorrente com poder de fogo para fazer frente à gigante dos alimentos”, afirma o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade.

 

A negociação, que teve momentos dramáticos e esteve perto do colapso várias vezes, foi classificada de “penosa” por Fay. Desde o voto de Ragazzo em 8 de junho, executivos da empresa passaram a maior parte do tempo em Brasília , com incontáveis noites em claro. “Fiquei 40 dias sem dormir uma noite inteira”, diz Wilson Mello, vice-presidente de assuntos corporativos da BR Foods. O processo mobilizou mais de 60 pessoas, entre advogados,  como o ex-ministro da Justiça Paulo de Tarso Ramos, pareceristas, economistas e executivos. A ex-presidente do Cade Elisabeth Farina e o jurista Afonso Arinos foram autores de pareceres para a BRFoods.

 

A tensão durou até o último momento. O texto final do acordo só ficou pronto às 10h27 de quarta-feira, quase meia hora depois do horário previsto para o início do julgamento. No final da sessão, depois das assinaturas, Mello abraçou Ruiz calorosamente e agradeceu. “Chega de guerra, é hora de celebrar a paz.” Os momentos mais difíceis da negociação foram relacionados à marca Perdigão. O Cade tentou determinar a suspensão completa da marca. A BRF bateu o pé e conseguiu que a restrição fosse em apenas algumas categorias. O Cade exigiu então a proibição de lançar marcas substitutas, o que gerou novo impasse. A discussão em torno da marca Perdigão foi afetada pelo espectro  da compra da Kolynos pela Colgate, em 1996.

 

"O acordo deve criar o vice-líder de mercado. Queremos um novo player"

 

No julgamento da concentração do mercado de pastas de dente, os conselheiros suspenderam a marca Kolynos, mas não proibiram a criação de novas marcas. A Colgate criou a Sorriso e manteve sua participação no mercado. “Se formos cometer erros, que sejam erros novos”, ponderou o conselheiro Olavo Chinaglia.  Por seu turno, Fay fez questão de diferenciar o resultado final. “A marca Perdigão permanece firme e ativa em vários mercados, como hambúrgueres, empanados e salsichas”, diz. “Não se pode confundir com a Kolynos.” O acordo foi visto como “equilibrado” pelo ex-presidente do Cade Ruy Coutinho. “Com o recuo em relação ao voto do conselheiro Ragazzo, fica claro que o Cade não é um órgão xiita e está aberto à negociação”, afirma.

 

A BRFoods aceitou perder espaço no mercado interno com a promessa de preservação dos ativos ligados à exportação, principalmente os vinculados à Sadia. Os conselheiros do Cade, por sua vez,  foram sensíveis ao argumento de que era importante manter a empresa como grande player mundial. Por isso, o acordo separa as atividades de mercado interno e mercado externo. A empresa perde apenas 13% da receita total, embora o impacto nas atividades do mercado interno seja de 22%.  Mas o que será da BR Foods daqui para a frente? Perderá R$ 3 bilhões de faturamento anual,  a partir de 2012, e, além de vender a maior parte de suas marcas de combate, não poderá criar marcas novas. Um dos principais desafios será ampliar as vendas à classe C, principal consumidora das marcas vendidas.

 

"A Perdigão permanece firme. Não se pode confundir com a Kolynos"

 

Uma alternativa em estudo seria popularizar a Sadia para reconquistar parte desse público. Fay afirma que há muitas saídas para elevar as vendas no ano que vem. “Podemos crescer no mercado externo, de lácteos e food service, nos quais não sofremos  restrições do Cade”, afirma. A empresa está proibida de fazer aquisições nos segmentos em que a Perdigão e a Batavo estão suspensas, mas pode comprar companhias de outras áreas. “É uma das alternativas em análise”, diz o vice-presidente Mello. A companhia criou um “comitê de reconfiguração”, que analisará como se posicionar nos diversos mercados depois da decisão do Cade. A BRFoods também retomará com força os investimentos de cerca de R$ 2 bilhões anuais, que vinham em marcha lenta durante a negociação com o Cade.

 

Além disso, a partir de agora a empresa fica livre para unificar totalmente as operações das antigas Sadia e Perdigão, capturando economias de escala de R$ 500 milhões. O mercado financeiro reagiu positivamente às promessas. As ações dispararam 10% no dia do anúncio e recuperaram o valor de mercado perdido desde o início de junho. No fim da semana passada, a BRFoods valia quase R$ 26 bilhões na bolsa. Para a analista Sandra Peres, da corretora Coinvalores, o acordo foi brando e favorável à companhia comandada por Fay.  “Principalmente considerando-se a alternativa que chegou a ser aventada, de se desfazer da Sadia”, diz Sandra. A grande especulação do mercado agora é quanto entrará no caixa da empresa no ano que vem com a venda da empresa desmembrada.

 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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