Publicis, a máquina de comprar agências

Leia em 13min

Desde o início do ano, foram poucas as semanas em que o grupo francês de publicidade Publicis, terceiro mundial, não anunciou a compra de uma empresa, em um ritmo impressionante. Até o momento, foram 16 aquisições, sendo quatro delas no Brasil: a participação majoritária na Talent e a compra das agências GP7, da Tailor Made, que passa a se chamar Leo Burnett Tailor Made, e, em julho, da DPZ.

 

"Investimos mais dinheiro no Brasil do que na China. No próximo ano, o mercado brasileiro da Publicis terá dobrado de tamanho", disse ao Valor Maurice Lévy, presidente mundial do grupo que faturou € 5,4 bilhões no ano passado.

 

Não é à toa que Lévy, de 69 anos, decidiu reler nestas férias de verão na Europa os livros do escritor e jornalista Gilles Lapouge sobre o Brasil.

 

A estratégia do CEO para continuar crescendo acima do mercado é baseada em dois "pilares": os mercados emergentes e a comunicação na internet, que já representa 30% do faturamento da Publicis.

 

Nas aquisições, na grande maioria dos casos, a Publicis mantém os antigos proprietários das empresas compradas na gestão. Integrar uma nova empresa ao grupo, afirma Lévy, é mais difícil do que assinar o cheque para fechar o negócio.

 

Neste ano, o grupo francês comprou 16 empresas no mundo, sendo quatro negócios no Brasil

 

Lévy entrou na Publicis em 1971 para dirigir o setor de informática. No ano seguinte, conseguiu salvar de um incêndio os dados nos computadores da empresa, evitando a paralisação das atividades. Isso mudou sua vida.

 

Em 1988, ele assumiu o comando do grupo, sucedendo ao fundador, Marcel Bleustein-Blanchet.

 

Na sala de Lévy, na sede na avenida Champs-Elysées, a poucos metros do Arco do Triunfo, há vários troféus publicitários conquistados. Mas ele afirma, modestamente, não dar importância a isso. "Como não ganhei prêmios no futebol, pelo menos me restam esses", brinca.

 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Valor: Valor: A Publicis acaba de comprar a DPZ, a quarta aquisição no Brasil apenas neste ano. Qual é a razão desse grande apetite?

Maurice Lévy: Tomamos a decisão de investir de maneira maciça no Brasil. Nós acreditamos no país, que não é apenas um mercado emergente com fortes taxas de crescimento, mas que também faz parte da cultura ocidental. Há décadas os brasileiros estão acostumados à economia de mercado, ao marketing e às marcas. Tudo isso o torna um mercado viável. É o país onde intensificamos mais esforços atualmente. Investimos no Brasil mais dinheiro do que na China.

 

Valor: O que explica essa aceleração dos negócios da Publicis no Brasil?

Lévy: O Brasil está mudando a estratégia de muitas empresas, não apenas da nossa. A emergência econômica do país obriga todas as empresas com vocação global a revisarem suas estratégias internacionais. Até então, o Brasil era considerado uma opção de implantação no exterior entre outras. Hoje, uma presença forte no Brasil é essencial. Nossa ambição no Brasil é nos tornarmos, na área das agências, o primeiro ou segundo ator do mercado em dois ou três anos.

"A primeira coisa é fazer tudo funcionar [no Brasil]. O mais fácil em uma aquisição é assinar um cheque"

 

Valor: Quais são os fatores que levaram a essa mudança de visão em relação ao Brasil?

Lévy: Em uma palavra, eu diria: Lula. Em três palavras, eu diria Lula, o crescimento econômico excepcional e a estabilidade, o sentimento de que podemos investir com confiança. Até então, se apostava na América Latina sem saber muito se haveria um retorno do investimento. Hoje, nós pensamos que é no Brasil que as coisas ocorrem. Existem certamente muitos desafios a serem superados, mas há uma democracia e uma economia que funcionam.

 

Valor: Na área da internet, que é um dos pilares da estratégia de crescimento do grupo, qual é o potencial no Brasil?

Lévy: Estou supreso pelo crescimento dos nossos negócios na área da internet, a taxas superiores a 50%. Ainda há muitas possibilidades. O varejo digital no Brasil é bem menos desenvolvido do que nos EUA, na Inglaterra ou na França. Mas estou otimista em relação ao desenvolvimento da comunicação na telefonia celular e do comércio on-line no Brasil. Em razão do tamanho desse país e dos custos da infraestrutura logística, o comércio on-line trará respostas interessantes.

 

Valor: Qual é montante dos investimentos realizados pela Publicis no Brasil neste ano?

Lévy: Não vou divulgar os valores. Há países onde as pessoas minimizam os montantes, outros onde há exageros. Eu as deixo inflacionar os preços pagos pela Publicis. A realidade é mais modesta.

 

Valor: Quais são os próximos passos do grupo no Brasil?

Lévy: A primeira coisa é fazer tudo funcionar. O mais fácil em uma aquisição é assinar um cheque. A parte mais difícil é se assegurar que a cultura das agências seja preservada, que elas possam se desenvolver a um ritmo elevado, que os talentos permanecerão na empresa e que outros virão. Portanto, a prioridade não é tanto novos desenvolvimentos e sim realizar uma boa integração. Isso não quer dizer que se houver oportunidades interessantes, nós não vamos estudá-las.

 

Valor: Vocês continuam prospectando no Brasil?

Lévy: Não. Pensamos ter feito o que era necessário. Nós havíamos escolhido o Brasil como o primeiro país onde dobraríamos de tamanho e isso foi feito. Nossas atividades no Brasil vão dobrar no próximo ano, após a integração das recentes aquisições. O Brasil já representa o sexto mercado da Publicis e em 2012 será o quinto. O país terá um tamanho equivalente ao da China a partir de 2012. Mas paralelamente vamos continuar nossa progressão na China, que se tornará o terceiro mercado da Publicis, atrás dos Estados Unidos e da França.

 

Valor: Quais são os motores de crescimento do grupo hoje?

Lévy: Para crescer mais do que o mercado, a Publicis se dotou de dois pilares de crescimento: a internet e os países emergentes. Atualmente, a internet representa cerca de 30% de nossas atividades e prevemos que ela atinja 35% de nosso faturamento em 2014. Os países emergentes representam pouco mais de 23% e, no final deste ano, estaremos próximos de 25%. Pretendo que os emergentes atinjam 30% das nossas atividades em 2014. A previsão é que dois terços do faturamento da Publicis até 2014 sejam provenientes de segmentos e países com altas taxas de crescimento.

 

Valor: A Publicis prevê dobrar suas atividades na China. De que maneira?

Lévy: Estamos envolvidos em várias negociações. Prevemos comprar até o final do próximo ano dez ou 12 agências na China. Precisamos conseguir concluir as transações. Ao mesmo tempo, queremos continuar nosso crescimento orgânico, que é da ordem de 11% a 12%. Queremos que ele se situe entre 12% e 15%, mas sobre uma base comparativa maior.

 

Valor: Além do Brasil e da China, quais são os demais projetos do grupo no exterior?

Lévy: A Rússia está em forte progressão e oferece boas taxas de crescimento, superiores a 20%, mas o desempenho é variável. Com exceção de Moscou e São Petersburgo, o país não possui infraestrutura suficiente para cobrir todo o território nacional. Nossos outros objetivos prioritários são a Índia, a Turquia e a Indonésia, apesar da Constituição desse país não favorecer os investimentos internacionais. Já estamos presentes em mais de 100 países. Nosso objetivo não é fincar bandeiras por todos os lugares, mas consolidarmos as posições e estarmos entre os três principais em cada mercado onde atuamos.

 

Valor: Qual é o impacto da crise econômica no mercado publicitário europeu?

Lévy: A Europa não é uma entidade única, ela possui diferenças em termos econômicos e políticos. E por isso há contrastes em relação ao desempenho. Na Europa, registramos, no primeiro semestre, um crescimento de 9,7%. É um desempenho formidável... O continente está provando que tem meios para superar a crise atual.

 

Valor: Nos Estados Unidos, no entanto, houve uma desaceleração do crescimento do mercado e da Publicis no segundo trimestre....

Lévy: Há duas razões. A saída da crise é difícil e ela está sendo complicada por uma batalha política que conduz a uma fase de espera. Por outro lado, estamos muito ligados à área da saúde (a Publicis conta entre seus clientes grandes laboratórios farmacêuticos), sujeita à política da FDA (Food and Drug Administration), que está concedendo pouquíssimas autorizações de lançamento em razão de incidentes ocorridos e dos aumentos das despesas de saúde. Alguns dos nossos clientes tinham projetos importantes que não puderam ser realizados. Isso explica uma parte da desaceleração do crescimento.

 

Valor: Essa situação no mercado americano e na Europa deve perdurar?

Lévy: A expectativa em relação a 2012 é bem mais positiva por três motivos. Haverá eleições presidenciais [nos EUA], época de profusão de eventos e de anúncios, além dos Jogos Olímpicos [em Londres] e da Copa Europeia de futebol, que também envolve anunciantes americanos. Com esses três eventos ao mesmo tempo, temos motivos para sermos otimistas. Nos EUA, crescemos 5,7% no primeiro semestre, acima do mercado, que é da ordem de 3,5%. O objetivo é melhorar a performance nos EUA em 2011, não vou me contentar com 5,7%, e também em 2012.

 

Valor: Quais são as perspectivas em relação ao mercado mundial da publicidade?

Lévy: A previsão é que o mercado mundial deverá crescer 4,1% em 2011 e 5,7% em 2012. A Publicis já anunciou que em 2011 teremos um resultado bem melhor do que o do mercado e que em 2012 ele também será superior.

 

Valor: A crise mudou o comportamento do consumidor americano, mais gastador, e de outros países?

Lévy: Não há consumidor global, ele é local. Há uma grande diversidade de comportamentos de gastos, o que exige estratégias publicitárias diferenciadas. É incontestável que a crise teve efeitos negativos. As pessoas perderam seus empregos, suas casas e ficaram superendividadas... Nos países ricos, os publicitários precisam ser vigilantes para que o consumo não leve as pessoas a excessos. A crise também mudou a maneira de consumir. Como em qualquer crise, a primeira reação é se voltar para os produtos mais baratos. Mas em seguida houve uma correção desse fenômeno. As pessoas aplicam a regra de consumir menos, mas comprar produtos de melhor qualidade.

 

Valor: Já nos países emergentes, a situação é bem diferente...

Lévy: Nesses países temos normalmente duas situações distintas. Uma parte da população ainda vive abaixo da linha da probreza. Mas a fatia que integrou a classe média tem como modelo de consumo o ocidental: eles querem tudo e rápido, as últimas marcas, o que está mais na moda, os carros e relógios mais luxuosos. Nesse caso é uma oportunidade para os anunciantes, que é preciso aproveitar.

 

Valor: E o que mudou no comportamento dos anunciantes?

Lévy: O tempo. Antes, nós tínhamos várias etapas em uma campanha, com fases sucessivas, relativamente longas: lançamento, instalação, aceleração. A ideia de trabalhar dois anos em um projeto publicitário, como ocorria há alguns anos, acabou. A situação normal é obter as respostas em algumas semanas. É o que os nossos clientes esperam de nós. A análise dos resultados de uma campanha é feita em poucas horas e não mais em meses.

 

Valor: O senhor diz que agora nós vivemos no tempo da internet, onde tudo é instantâneo...

Lévy: A noção de tempo mudou. Isso ocorre no caso da informação, do consumo, da comunicação. Tudo acontece na velocidade da luz. Mas sob certos aspectos, essa mudança não é boa para a sociedade. Não temos tempo para digerir uma informação nova e aprofundá-la. Somos imediatamente bombardeados por outras coisas. Digo isso aos meus netos, eles sabem coisas, mas de maneira superficial. A sociedade hoje é diferente. Ela coloca à disposição das pessoas várias ferramentas extraordinárias de acesso à informação e ao conhecimento, como a internet e Google ou Facebook, que nos permite compartilhar tudo. Isso está mudando radicalmente a sociedade.

 

Valor: A publicidade na internet está crescendo, mas ainda é a mídia tradicional, como a televisão, que atrai os maiores orçamentos publicitários. Isso vai mudar?

Lévy: A televisão ainda é algo mágico, que reúne a família. Mas estamos em um sistema em evolução. Não estamos em um mundo onde todos têm 15 anos. Há pessoas que não mudam seus hábitos. Há categorias diferentes de população, que consomem comunicação de maneira diferente. A maneira que os jovens de 15 anos assistem à televisão mudou profundamente. Eles só assistem ao vivo partidas esportivas e programas de divertimento. Mas a televisão ainda tem muitos anos promissores pela frente.

 

Valor: Quanto a Publicis já investiu na área de comunicação na internet?

Lévy: Já investimos US$ 2,5 bilhões desde 2007, com a compra, por exemplo, da Digitas e da Razorfish, e mais recentemente, da agência digital americana Rosetta, por US$ 575 milhões.

 

Valor: O grupo possui atualmente € 4 bilhões disponíveis em caixa. Haverá ainda muitas aquisições, principalmente na área digital?

Lévy: Não é porque temos uma liquidez de € 4 bilhões que vamos comprar qualquer coisa sob quaisquer condições. Nossa missão é de falar com pessoas que utilizam canais diferentes de comunicação, que evoluem. Por isso precisamos nos transformar. Vou continuar fazendo investimentos em certos países que ainda não atingiram uma dimensão importante na área digital. É o caso da Alemanha, da China, da Rússia. Preciso também dotar o grupo de novas ferramentas, sobretudo instrumentos de análise e de medição da performance, que permitem melhorar o rendimento do cliente.

 

Valor: O senhor se refere às plataformas digitais de dados?

Lévy: Sim, mas também em relação às plataformas de serviços e outras ferramentas. Para isso é preciso inovar. Veja como a Google reagiu em relação ao Facebook, que estava tomando seu lugar em certas áreas. Ela lançou o Google Plus.

 

Valor: Quem é o publicitário mais genial da história da propaganda? Por quê?

Lévy: O fundador da Publicis, Marcel Bleustein-Blanchet. Ele foi meu mentor. Um homem extremamente ético, pleno de audácia, cujo espírito estava sempre em ebulição. Ele falava por meio da imagem. A publicidade era para ele um ato de amor.

 

Valor: O senhor está preparando sua sucessão. Já há uma data prevista?

Lévy: Trabalho de maneira ativa nisso. É muito importante ter soluções bem administradas para evitar conflitos. Mas não vou falar sobre a data porque isso torna as coisas mais difíceis.

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Laticínios: Embaré estreia no segmento de longa vida

Após cinco décadas vendendo leite em pó sobretudo para o Nordeste, a mineira Embaré estreou ...

Veja mais
Cai a contratação de terceiros para a administração da logística interna

A logística vem ganhando espaço na estratégia de crescimento das empresas. Pesquisa inédita ...

Veja mais
Alta do iuane deixará a feijoada mais cara

A feijoada pode ficar mais cara devido a queda das exportações de produtos agrícolas da China que p...

Veja mais
Consumo com cartão alcança o maior nível em 18 meses

Os consumidores que possuem cartão de crédito gastaram, em média, no mês de junho, R$ 80,10 p...

Veja mais
Savegnago inaugura posto hoje

A Rede Savegnago de Supermercados inaugura hoje o posto de combustível BR da loja 20, na Av. Maurílio Biag...

Veja mais
Serasa prevê acréscimo para Dia dos Pais

O faturamento do comércio com o Dia dos Pais deve crescer este ano em relação à mesma data d...

Veja mais
Betim terá centro de compras com rodoviária

Os mineiros vão ganhar um empreendimento que continua a ser exemplo de sucesso da capital paulista: shoppings pra...

Veja mais
Souza Cruz vai investir R$ 30 milhões em Uberlândia

A Souza Cruz S/A, subsidiária do grupo londrino British American Tabacco (BAT), vai investir R$ 30 milhões...

Veja mais
Expectativa do comércio é boa para Dia dos Pais

O faturamento do comércio com o Dia dos Pais deve crescer neste ano em relação à mesma data ...

Veja mais