Fabricante disputará as gôndolas com clássico presunto de frango consumido no país; mercado de food service ganha espaço no Brasil
Quando o imigrante italiano Giovanni Ceratti começou a produzir, na São Paulo constitucionalista de 1932, embutidos tradicionais de seu país como o codeguim, a panceta e o zampone, seu objetivo era satisfazer os paladares saudosos dos conterrâneos. Oito décadas depois, seu neto Mario Ceratti, que dirige a empresa de R$ 120 milhõesemfaturamento, prepara o embarque para a França, nos próximos meses, de alguns contêineres de presunto de peito de frango produzidos no interior do estado.
O objetivo é abastecer supermercadistas franceses com um clássico local, o jambón poulet, composto por 100% de peito de frango, menos de 2% de gordura, água e sal.
As negociações estão sendo conduzidas por um distribuidor francês que abastece supermercados de seu país e já importava o peito de frango do Brasil para produção local. Contudo, o empresário buscavaumproduto de qualidade a um preço inferior ao item processado na França. Com a fábrica de Vinhedo (SP), que é certificada para atender as normas da Comunidade Europeia, a Ceratti está habilitada a iniciar as exportações para o país.
Hoje a companhia é inteiramente focada no mercado interno, com exceção de uma joint venture estabelecida em 2001 com um empresário japonês que produz na terra do sol nascente a mortadela Ceratti com carne australiana e um condimento preparado em Vinhedo à base de alho, pimenta e gengibre.
Como o Japão não aceita carne brasileira, a produção da mortadela Ceratti feitaemHamamatsu, no sul de Tóquio, é pouco representativa para o negócio da família ítalo-brasileira. Enquanto a operação japonesa produz 150 toneladas do embutido por ano, a unidade brasileira fabrica cinco mil toneladas.
Já as vendas do jambón poulet poderão engatar rapidamente. A ideia é que o produto seja vendidocomomarca própria de varejistas na França. “Metade dos domicílios daquele país é individual. Na volta do trabalho, os franceses passam no supermercado de bairro e compram uma embalagem com duas fatias de jambón poulet e o consomem com pão. Este é um produto de alta saída lá”, afirma Ceratti. Por aqui ainda é uma novidade. A fabricante colocou o frio nas geladeiras de alguns varejistas no segundo semestre de 2010.
Este é apenas um exemplo de como a Ceratti, empresa familiar que virou sinônimo de mortadela em São Paulo, está se movimentando para ir além do tradicional embutido. Não que a empresa tenha mandadoumde seus produtosmais vendidos para a geladeira. Mas, diante do aumento do poder aquisitivo do brasileiro que passou a comer mais na rua e a torcer o nariz para a mortadela com seu estereótipo de “proteína de pobre”, a Ceratti resolveu engordar seu portfólio de produtos voltados ao varejo e também ao canal de food service.
Briga das mortadelas
O fato é que 70% de toda mortadela vendida no país hoje custam por volta de R$ 3 o quilo e é composta principalmente pelas marcas Sadilar e Searela. Já a Ceratti atua em um nicho mais premium, que responde por apenas 5% de toda mortadela consumida no país, custa a partir de R$ 20. Os 25% restantes são de embutidos que saempor volta de R$ 8 o quilo. “No passado, a mortadela respondia por 70% de nossas vendas. Hoje está em 50% e a tendência é que este percentual caia. Não porque está havendo um consumo menor de mortadela, mas porque estamos ampliando nossa linha de produtos”, avisa Ceratti.
O consumo brasileiro de mortadela saltou de 180 mil toneladas por ano em 2003 para 400 mil em 2010. O desafio é fazer com que o comprador migre das mortadelas baratas para as caras. Mas quando o consumidor ganha poder aquisitivo, a migração ocorreemdireção a outrosembutidos e até mesmo para a carne. “Queremos que o consumidor aspire a mortadela premium da mesma forma como ele sonha em ir da cachaça para o uísque.”
A Ceratti briga agressivamente com a Sadia. O dono da marca garante, contudo, que seu produto é o único premium nacional. “Em qualidade, concorrentes são só os importados. O restante veste a roupa de premium, mas entrega um produto médio.”
“Queremos que o consumidor brasileiro aspire a mortadela premium da mesma forma que ele sonha ir da cachaça para o uísque
Sabores da Itália para agradar enorme colônia mediterrânea no Brasil
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a ascensão do Fascismo levaram Giovanni Ceratti, filho de uma modesta família e dirigente do Sindicato dos Ferroviários, a abandonar Castelmassa, na província de Rovigo, no norte da Itália, e seguir para São Paulo, onde alguns amigos e parentes já viviam. Foi assim que, em 1921, ele desembarcou no Brasil.
Um de seus primeiros empregos foi no Mercado Municipal de São Paulo, onde aprendeu a desossar carne.
Com espírito empreendedor, Ceratti acabou abrindo um açougue no, então, distante bairro do Ipiranga, onde as famílias costumavam pegar bonde para ir fazer convescote aos domingos. Com o número crescente de italianos em São Paulo e seu respectivo enriquecimento, Ceratti percebeu que eles sentiam muita falta dos produtos embutidos italianos. Foi assim que ele percebeu que industrializar a carne era mais rentável que vendê-la in natura.
O açougue foi fechado e uma indústria, aberta no Ipiranga, onde itens como a mortadela passaram a ser produzidos. Desde aquele tempo, Ceratti optou por apostar na qualidade e não na relação preço versus volume. A fábrica funcionou até 2004, sendo posteriormente transferida para uma área maior em Vinhedo, no interior paulista.
Companhia investe em nova fábrica
A unidade industrial que a Ceratti mantém em Vinhedo (SP) é certificada para exportação de produtos para a Comunidade Européia, o que é bom para o negócio da família ítalo-brasileira. Contudo, pela rigidez das normas, a certificação acabou engessando os braços dos Ceratti, que para atender outras demandas do mercado interno optaram pela construção de uma segunda fábrica. Instalada nas proximidades de Jundiaí (SP), a nova unidade iniciou sua operação agora e será desenvolvida por fases.
“Esta fábrica combinará produtos de alto valor agregado com serviços”, explica Ceratti. Isso significa que a empresa poderá entrar em novas categorias como a de carne limpa, fracionada e etiquetada ou até mesmo queijos fatiados e sanduíches prontos.
Picadinho
Em dois anos, a promessa de Ceratti é colocar uma série de produtos novos no varejo e no canal de food service, voltado a bares, restaurantes, hotéis e lanchonetes. “Poderei ter carne temperada, moída, na forma de espetinho ou até mesmo pronta para fazer um picadinho. A gente vai manter o premium e a especialidade”, diz o empresário. A BRF Brasil Foods, garante Ceratti, não consegue chegar ao nicho que ele alcança por conta de seu tamanho. “Eu sou o cara que entrega três quilos de salsicha para um açougue na Penha, na Zona Leste de São Paulo, em 24 horas. A Brasil Foods teria que mandar vir a salsicha de Concórdia (SC) ou verificar no centro de distribuição. Ou seja, não tem a agilidade que tenho. Não conseguem atender bem o pequeno varejista.”
No momento, a nova fábrica de Jundiaí está desossando e porcionando um pouco de carne bovina e suína. O foco é crescer no canal de food service, que hoje responde por 5% do faturamento de R$ 120 milhões atingido em 2010. Entre os clientes atendidos hoje pela Ceratti estão a Domino’s Pizza e o Habib’s.
Veículo: Brasil Econômico