Terceirização é viável, desde que regulamentada

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A regulamentação da terceirização é um dos temas de maior destaque na pauta de projetos de lei discutidos pela indústria brasileira, pelos sindicatos de trabalhadores e pelo governo. 

 

Nos anos 90, a indústria brasileira experimentou as dificuldades da abertura comercial do país e a concorrência com os produtos importados. O reflexo foi uma transformação que buscou maior competitividade para os produtos exportados e para atrair investimentos para a produção local. Foi nesse processo que surgiu a terceirização, considerada um instrumento de gestão que permite a contratação de serviços de outras empresas para realizar parte de suas atividades. O objetivo inicial: contar com trabalhadores mais qualificados na produção, focar no próprio negócio e reduzir custos com folha de pagamento, com um ganho de racionalidade na gestão. 


 
No entanto, não havia uma regulamentação para esse tipo de contrato, o que acabou causando seu uso indevido, com a prática de fraudes e o desrespeito às obrigações trabalhistas. Empresas deixaram de contratar diretamente os empregados e passaram a se utilizar de outras que não lhe prestavam serviços, mas intermediavam mão-de-obra: arranjavam trabalhadores que se subordinavam à contratante, com horário estabelecido e respeito à sua hierarquia, mas com salários menores e, em muitos casos, sem o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

Na Justiça Trabalhista, os primeiros debates sobre a terceirização focaram a permissão do uso desse procedimento desde que ocorresse em atividades-meio e não em atividades-fim das empresas. "A Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) n º 331 admitiu o uso desse tipo de contratação para atividades meio destinadas à obtenção de serviços especializados", afirma Nelson Mannrich, sócio do escritório Felsberg & Associados e professor de Direito do Trabalho da Universidade Mackenzie e da USP. 

 

O tempo mostrou que esse critério não era suficiente para resolver o debate e muito menos para impedir a precarização das relações de trabalho. "A interpretação da terceirização acabou por aumentar a insegurança jurídica, pois no sistema de produção é quase impossível determinar o que é meio e o que é fim", afirma Emerson Casali, Gerente Executivo de Relações do Trabalho e Desenvolvimento Associativo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

 

Os próprios órgãos do Ministério do Trabalho observam outros pontos ao realizar as fiscalizações contra terceirizações fraudulentas nas empresas. No estado de São Paulo, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) em seu "Programa Interinstitucional de Combate à Terceirização Irregular" não entra em discussões sobre se a prestação de serviço está sendo feito em atividade-meio ou fim. O foco, segundo a SRTE, é verificar se o trabalhador está registrado e tem seus direitos trabalhistas respeitados. Se esse vínculo não for localizado, a responsabilidade fica para o maior beneficiário na rede de produção: o tomador do serviço. 

 

Esse é o ponto fundamental do debate sobre a regulamentação da terceirização: a responsabilidade pelos direitos trabalhistas. Mas não há consenso. Hoje, segundo o advogado Nelson Mannrich, a Justiça reconhece que se a prestadora de serviço contratada não estiver regular com as obrigações junto aos empregados e não puder arcar com os custos, a responsabilidade passa a ser de quem usou o seu trabalho por meio da terceirização. "É a responsabilidade subsidiária". 

 

A matéria está em discussão no Congresso há pelo menos dez anos. Apesar da apresentação de diferentes projetos e interesses, o relator da Subcomissão Permanente de Serviços Terceirizados da Comissão de Trabalho da Câmara, o deputado Roberto Santiago (PV-SP) busca unificar uma proposta entre as centrais sindicais, os empresários e o governo, que também perde com a falta de regulamentação pois, nessa situação, não são feitos os recolhimentos para a Previdência Social. 

 

Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) também avalia as perdas com a terceirização sem critérios. "Muitas empresas perceberam que a terceirização pode trazer dificuldades como a gestão dos contratos de prestação de serviço e a impossibilidade de controle da mão-de-obra. Para os sindicatos, além do risco de precarização de trabalho, os empregados envolvidos na terceirização ficam fora base de sindicatos com maior poder de negociação e são vinculados a pequenos sindicatos sem expressividade". Segundo ele, porém, há um consenso de que não deve haver a simples proibição de todo tipo de terceirização e para isso é preciso regulamentar esse tipo de contratação. 

 

Afinal, os processos judiciais também representam custos para as empresas. Não adianta obter ganho em gestão e posteriormente ter que arcar com essas disputas. De acordo com levantamento feito pelo Tribunal Superior do Trabalho, nesta instância são mais de 9 mil processos em que o trabalhador cobra do tomador de serviços os direitos que não conseguiu receber da prestadora à qual estava diretamente vinculado. Se for considerado que chegam ao TST menos de 10% de todas as ações ajuizadas por empregados no país, há uma boa sinalização da insegurança jurídica e da litigiosidade que a falta de uma regulamentação da terceirização tem gerado. 

 

Veículo: Valor Econômico


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