Estratégia de alto risco

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Passivo ambiental abala imagem e gera prejuízos no Shopping Center Norte, um dos maiores do país


Na loja de calçados Di Pollini,  no shopping Center Norte, em São Paulo, vazia na mananhã da quinta-feira 29, o gerente Jorge Batista diz ao telefone:  “Pode vir, não tem problema!” Desliga e desabafa: “É o tempo inteiro assim”, diz Batista, referindo-se aos telefonemas de clientes que relutam em ir ao shopping, ameaçado de interdição pela prefeitura da capital paulista. Vendedores à espera de clientes e lugares vagos na praça de alimentação, que costumava estar sempre lotada, fazem parte da nova rotina do centro comercial, um dos maiores da cidade. Erguido em 1984, numa área onde durante décadas funcionou um lixão, o Center Norte enfrenta risco de explosão por causa de gás metano concentrado no subsolo, de acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

O shopping, que vem pagando multas diárias desde o dia 19, fechou um acordo com o Ministério Público e  com a Cetesb, prometendo instalar nove drenos de gás em até 20 dias, entre outras medidas emergenciais. Mesmo assim, foi obrigado a buscar na Justiça uma liminar para evitar o fechamento sumário, pretendido pela municipalidade. Qualquer que seja o desfecho do imbróglio, o passivo ambiental já fez um estrago no empreendimento, pelo qual circulavam 120 mil pessoas por dia. Os comerciantes estão desolados. Artur Ramos, 67 anos, proprietário de uma loja de calçados que leva seu sobrenome, lamentava a perda de faturamento. “Meu movimento caiu entre 50% e 60%, o pessoal está assustado”, afirma.

Ramos já considera tentar uma renegociação do aluguel com a administração do shopping, se os clientes não voltarem à loja. Giulia Cencini, sócia da rede de roupas femininas Suely Cencini, também está preocupada com os custos fixos. “O shopping está vazio e as vendas caíram mais de 30%”, diz. 

A proprietária de uma rede de oito lojas de roupas infantis, a Mamãe Lua, Maria Emília Curto, lamenta a perda de 60% do movimento na unidade do Center Norte, justamente a de maior faturamento. Seus clientes deixaram de levar os filhos ao shopping por medo do risco. “O problema maior é que a imagem do Center Norte acabou.” A empresária tem razão. São grandes as perdas para o shopping, fundado pelo empresário Curt Baumgart, falecido no ano passado, e hoje administrado por sua família. O complexo, com 65 mil metros quadrados de área bruta locável (ABL) e 331 lojas, além de um hipermercado Carrefour, é o segundo mais movimentado de São Paulo e inclui um shopping especializado em móveis, o Lar Center. O faturamento não é divulgado, mas estima-se que supere R$ 1 bilhão por ano. Mais relevante que a perda episódica de vendas no caso de interdição é o dano à marca.
 
Para o consultor Luiz Alberto Marinho, da GS&MD Gouveia de Souza, nada pior que um risco como esse para um local que hoje, mais que um lugar de consumo, virou um ponto de encontro e de lazer. “A insegurança quebra a relação afetiva dos consumidores com o estabelecimento”, afirma. Como a situação chegou a esse ponto? A existência de gás metano no shopping e nos terrenos no entorno é conhecida há muitos anos e um pedido de investigação sobre os riscos do gás foi encaminhado pela primeira vez ao shopping em 2004. A Cetesb alega que a direção do Center Norte protelou a adoção de medidas necessárias à redução de riscos e por isso começou a receber multas no ano passado – a mais recente, na terça-feira 27, no valor de R$ 2 milhões. Desde o início do episódio, a atitude do shopping tem sido a de negar a existência de risco e enfrentar a Cetesb e a prefeitura, principalmente por meio de comunicados à imprensa e, agora, na Justiça.
 
Analistas acreditam que o shopping está usando a estratégia errada, e o melhor seria terminar o mais rápido possível com a polêmica. “Não adianta, a esta altura, fazer estudos paralelos e tentar convencer as pessoas e a Cetesb de que a situação não é tão ruim assim”, diz Marinho, da GS&MD Gouveia de Souza. Eduardo Seixas, da consultoria Alvarez & Marsal, acredita que faltam clareza e rapidez à comunicação do shopping durante a crise. “O consumidor só vai voltar quando ficar claro que não há risco, e isso ainda não aconteceu”, afirma. O superintendente do Center Norte, Ricardo Afonso, procurado pela DINHEIRO, não comentou. Ao  mesmo tempo em que a comunicação com o público foi atabalhoada, a direção do shopping esforçou-se ao máximo para tranquilizar os lojistas com circulares diárias sobre o assunto, assegurando-lhes que as atividades não seriam interrompidas.
 
Há uma boa razão para o cuidado: em caso de interdição, os comerciantes podem cobrar prejuízos do empreendimento. “Se ficar comprovado que houve negligência da administração, os comerciantes podem ser indenizados”, afirma o advogado Roberto Sardinha Júnior, do escritório Sérgio Bermudes.  Em todo o caso, o episódio é pródigo em ensinamentos para as empresas. Hoje, mais do que nunca, a questão ambiental é uma componente que não pode ser ignorada no mundo dos negócios. “As empresas precisam se preparar para condições regulatórias cada vez mais complexas”, afirma o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer, especializada em varejo. Outro ponto importante é a questão da transparência. Casos como o tratamento inadequado ao episódio do vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010, custaram caro à imagem, às ações e ao caixa da British Petroleum. 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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