Após boa safra no ano passado, mercado volta a sofrer impacto das importações do produto chinês
Após uma safra remuneradora no ano passado, os produtores de alho veem-se novamente ameaçados pela concorrência do produto importado, sobretudo da China. Em 2010, por causa de um problema climático naquele país, as importações diminuíram sensivelmente e o preço do alho no mercado interno chegou a R$ 10 o quilo. Este ano, com a volta do produto chinês ao mercado nacional, as cotações caíram para R$ 2 a R$ 3 o quilo.
Segundo o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em Curitibanos, Marco A. Lucini, o Brasil importou, em outubro, 1,46 milhão de caixas de alho, a um preço médio declarado de US$ 6,11/caixa. Em outubro de 2010 foram importadas 862.197 caixas, a um preço médio de US$ 18,45/caixa.
"Com os bons preços do ano passado, muitos produtores aumentaram a área plantada e a atividade atraiu mais gente. O excesso de oferta, este ano, porém, fez as cotações despencarem", diz o produtor José Ferraz do Valle Filho, de São Gotardo (MG), que aumentou a área de 110 hectares no ano passado para 140 hectares este ano. Segundo ele, os preços atuais não cobrem sequer o custo de produção, que é de R$ 4,20 o quilo.
"Acabei de vender o quilo por R$ 2. Perco, por hectare, R$ 30 mil, já que minha produtividade média é de 15 toneladas/hectare." O preço do quilo teria que ser de pelo menos R$ 5, segundo ele. "O produtor não sabe para quem vai vender nem a que preço. Não há garantias." Pelos seus cálculos, 1 hectare de alho custa R$ 45 mil; com barracão, o custo sobe para R$ 65 mil. Para a próxima safra, já decidiu: vai reduzir a área plantada para 90 hectares.
Centro-oeste. Com a migração do alho para o Centro-oeste, por causa das condições mais favoráveis, hoje os principais produtores do País são Goiás e Minas, seguidos pelo Sul. Segundo dados da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa), este ano, Goiás e Minas plantaram 6 mil hectares e o Sul, 2.800 hectares. A safra nacional pode chegar a 10 milhões de caixas de dez quilos.
"A produção nacional supre só 30% do consumo interno - a China responde por 45% e a Argentina, 25% -, o que significa que não era para o setor estar em crise. O problema é que a entrada do alho chinês não é controlada", diz o presidente da Anapa, Rafael Jorge Corsino. Ele explica que, embora haja mecanismos de proteção ao alho brasileiro, como o imposto de importação de 35% e a taxa antidumping, de US$ 5,2 por caixa de dez quilos, os importadores acham brechas para não pagar as taxas.
"Além de liminares judiciais que garantem o não pagamento da tarifa antidumping pelas importadoras, há casos de subfaturamento e de triangulação", diz Corsino. Dados do Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) indicam que, de 2001 a 2006, em média, apenas 23% do alho chinês sofreu incidência do recolhimento.
Na década de noventa o Brasil chegou a plantar 20 mil hectares de alho. Nos últimos três anos, no entanto, a área caiu para 10 mil hectares e, para 2012, a previsão é de mais redução, para 8 mil hectares, segundo Corsino. "O produtor brasileiro investe em tecnologia e oferta um produto com qualidade, mas esbarra no alho chinês", diz o presidente da Anapa.
A safra de alho do Sul vai de março a junho. No segundo semestre, entra no mercado a safra de Minas e Goiás, que se estende até dezembro. A maior pressão do alho chinês é de setembro a novembro, mas é possível encontrá-lo o ano todo no mercado nacional. "É só observar: o alho chinês, velho, começa a brotar nas prateleiras", diz Ferraz, acrescentando que, no fim de novembro, chega ao Brasil também o alho argentino.
Estoques. Em Campo Alegre de Goiás (GO), o produtor Henrique Sakamoto, que possui 150 hectares plantados, também reclama dos baixos preços este ano. "Está péssimo. O alho tipo 6 está a R$ 3 o quilo; o tipo 5, R$ 2,60; e o tipo 4, R$ 2. Ano passado, estava pelo menos duas vezes mais." A classificação a partir do tipo 4 já vai para o mercado in natura, mais valorizado. "Muito do alho que entra não paga imposto", diz Sakamoto, que planta milho e feijão, mas tem no alho a principal atividade. "Como não vou conseguir cobrir os custos de produção, ano que vem vou reduzir a área pela metade." Ele diz que, por causa da superoferta este ano, é provável que os estoques durem até o ano que vem.
Com um custo por hectare de R$ 45 mil - a produtividade média é de 16 toneladas/hectare -, Sakamoto diz que o item que mais pesa é a semente, seguida da mão de obra. E, como o mercado é incerto, dificilmente faz vendas antecipadas. "Já vendi 130 mil caixas, mas ainda faltam 70 mil caixas para negociar." Para ele, os "aventureiros", que entraram na atividade quando o preço estava bom, não vão aguentar este ano.
O produtor José Freud Mesquita Londe, que possui 100 hectares de alho em São Gotardo (MG), diz que a saída para os produtores é diversificar a produção. "Tenho batata, cebola, café e uva. Diversifico, mas não quer dizer que estou imune à crise. Cada produtor deve ter uma estratégia para vender bem seu produto." Freud diz que no Centro-oeste a produtividade tem sido elevada, graças à tecnificação do produtor. "O processo de vernalização da semente, por exemplo, que consiste em submeter a semente do alho a um determinado período de frio, é feito artificialmente, em câmaras frias", diz. "Por outro lado, nosso custo de produção é três vezes maior que o da China."
Com um custo médio de produção de R$ 60 mil por hectare e produtividade de 18 toneladas/hectare, Freud terminou a colheita em setembro e deve comercializar a safra até fevereiro. "O preço hoje está muito abaixo do ideal: de R$ 0,80 o quilo do alho para indústria a R$ 4 o quilo do alho extra. Com esse preço, estou 10% abaixo do meu custo de produção."
Além dos preços baixos, o que tem deixado o produtor apreensivo é o vencimento, em 2012, da taxa antidumping e o fato de sua renovação ainda ser incerta. "O produtor está preocupado. Mas se a renovação da taxa se confirmar, há uma esperança a médio prazo para o setor", diz o agrônomo Enio Ângelo Todeschini, assistente regional de Horticultura do Escritório Regional da Emater-RS em Caxias do Sul.
No Rio Grande do Sul os 1.650 hectares cultivados estão na região da serra. "O alho chinês é problema sério, tanto que os produtores diversificam a renda com fruticultura", diz Todeschini. O pico da safra gaúcha é no fim do ano e, até agora, 70% da safra já foi negociada.
Em Santa Catarina, outro produtor tradicional, os agricultores também sofrem com a concorrência do alho importado. A área plantada no Estado, há dez anos, era de 3 mil hectares; hoje, é de 1.500 hectares.
"A área veio diminuindo, mas, nos últimos dois anos, manteve-se estável. No entanto, a previsão para o ano que vem é de nova redução", diz o agrônomo Gilmar Michelon Dallamaria, gerente regional em Curitibanos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Pioneira. Curitibanos, pioneira na produção de alho roxo nobre e onde toda a tecnologia de produção foi desenvolvida, tem hoje 800 hectares plantados. "O preço ao produtor está de R$ 2,50 a R$ 3 o quilo. No ano passado chegou a R$ 7 o quilo", diz Dallamaria. A produtividade média no Estado é de 9 toneladas/hectare e a safra catarinense é em novembro e dezembro. "Nossa safra coincide com a safra argentina, mas o alho chinês entra o ano todo."/ F.Y.
Veículo: O Estado de S.Paulo